Em entrevista, cartunista Renato Aroeira compartilha suas experiências no ramo jornalístico

por
Gabriel Alves Dutra
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07/04/2021 - 12h

     Cartunista de destaque em grandes veículos de comunicação do país, como o jornal O Globo e a Revista IstoÉ, o mineiro Renato Aroeira começou sua carreira como cartunista no Jornal de Minas, trabalhando na editoria de esportes. Mais tarde, ele migrou para o campo político, onde permanece até hoje. Aroeira concedeu, no dia 24 de março, uma entrevista coletiva virtual a alunos do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Na entrevista, Aroeira fala sobre o início de sua carreira, a importância do seu trabalho para o jornalismo e as principais particularidades e dificuldades da carreira de um cartunista.

Como foi o início da sua trajetória como cartunista?

“Minha trajetória começa no nepotismo (risos), pois meu pai era jornalista do Jornal de Minas e a coluna de esportes era dele. E antes disso, eu comecei ilustrando os livros da minha mãe, que era professora e fazia livros paradidáticos. Alguns anos depois, fiz também as apostilas do meu pai, que era professor de desenho e, posteriormente, trabalhei na coluna de esportes dele. Eu brinco dizendo que é nepotismo, mas na verdade é aquele aprendizado na oficina familiar, pois venho de uma família de desenhistas.”

Como foi o seu processo de mudança entre o jornalismo esportivo e o jornalismo político?

“Quando comecei no Jornal de Minas ilustrando a coluna de esportes do meu pai, o editor geral do jornal gostou dos desenhos e me perguntou se eu queria fazer charge política. Eu não sabia direito fazer isso, mas aceitei. A transição para a política acontece porque havia a tradição de charge política nos jornais, mesmo durante a ditadura militar.”

Vivemos um momento político bastante conturbado e isso pode ser retratado nas charges. Atualmente, qual é o maior desafio para um cartunista na elaboração de charges políticas?

“Quando comecei minha carreira de chargista, eu achava que o humor era simplificação, mas fui percebendo que a simplificação acaba sendo mais injusta do que deveria. O LOR (Luiz Oswaldo Rodrigues), cartunista de Minas e meu antigo professor de charges, dizia que há três coisas envolvidas numa charge: o que você quis dizer, o que você realmente disse e o que as pessoas entenderam daquilo. Então, no meu processo de construção da minha visão de mundo em charge, eu fui complicando mais a charge do que simplificando. Acho que é melhor explicar um pouco mais do que cometer um equívoco.”

Em algum momento da sua carreira você teve problemas com o politicamente correto? Se sim, como você fez para “driblar” essa situação?

“Existem coisas e piadas que, em algum momento da minha vida, eu achei graça, e hoje não consigo mais achar. Então, na verdade, eu penso que, como tudo na minha vida, eu escolhi um caminho. E o meu caminho diz o seguinte: eu não bato em quem está apanhando. Eu não vou fazer charge criticando uma mulher, uma vez que a mulher já vive uma situação de opressão na sociedade. Além de não fazer a charge contra a mulher, contra o índio ou contra o negro, por exemplo, eu também não dou conselhos nas lutas. Então, eu incorporei o politicamente correto dentro de uma maneira mais ampla de ver o mundo que é a seguinte: eu sou um crítico social, e o crítico social tem a função de criticar a estrutura que garante a permanência do que está errado. Essa é a minha visão de crítica. Eu não consigo achar graça em uma piada com negros ou homossexuais, por exemplo, pois essa é a piada do opressor.”

Qual o seu objetivo quando você produz uma charge para o público?

“É a expressão ‘mixed feelings’, que os gringos gostam. Tem muita coisa envolvida. Desde aquela coisa básica do artista, de querer ser notado pelo público, até a necessidade de um papel social. É uma maneira de ver o mundo, mais do que qualquer outra coisa. Quando publico uma charge, eu espero que as pessoas se divirtam, mas que também olhem para aquilo que estou apontando.”

Como que é o processo criativo de uma charge?

“Por um bom tempo, o processo era ler os jornais de manhã, escolher um fato e fazer a charge sobre aquilo. Mas já faz alguns anos que eu já sei mais ou menos o que eu quero dizer, que já tenho uma noção do que estou vendo. Então, eu tento construir uma narrativa dos personagens que eu estou lidando. Hoje em dia, trata-se mais de uma escolha de qual dos fatos eu vou usar para dizer o que eu quero dizer. No começo da minha carreira como chargista, eu ainda não sabia exatamente o que eu queria dizer. Hoje em dia eu tenho uma noção muito mais precisa.”

Qual é o impacto das redes sociais na divulgação das charges?

“Quando eu comecei, a gente recebia cartas. E a carta chegava uma semana depois do fato. Elogiando, xingando, reclamando. Depois isso mudou e eu passei a receber os elogios, os xingamentos e as reclamações por e-mail. Quando a charge saía, ela era de um fato ocorrido 4 dias atrás. Hoje em dia, em menos de meia hora do final de um fato já é possível ter uma charge pronta. Em um período de 30 anos, saímos de uma charge que falava de um fato ocorrido há 3 ou 4 dias, e fomos para uma coisa instantânea. Agora as coisas são em tempo real com praticamente tudo.”

Como é a sua relação com outros cartunistas famosos no cenário brasileiro?

“Os cartunistas, por incrível que pareça, são muito amigáveis e unidos. Já trabalhei na ‘Revista Bundas’ com o Ziraldo (Alves Pinto) e fiz trabalhos junto com o Miguel Paiva. Eu fui músico da banda do Chico e do Paulo Caruso por décadas. Normalmente, apesar de todos se darem bem, o trabalho dos cartunistas é individual, mas eu gosto muito da ideia do trabalho coletivo.”

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