Por Tábata Pereira dos Santos
As controvérsias envolvendo o carnaval 2022 seguem vigentes em diversos estados brasileiros e violam direitos que envolvem o público e o privado dentro da sociedade. Em São Paulo os desfiles das escolas de samba e os ingressos seguem abertos. Já os blocos de rua, em especial os de origem e público periférico, que foram proibidos de irem às ruas devido aos protocolos estipulados para conter a contaminação da Covid-19 e sua mais recente variante, a ômicron, permanecem cancelados, ao invés de adiados como ocorreu com os desfiles privados.
No dia 4 de abril foi divulgada uma carta pública intitulada Carnaval de Rua Livre com Diversidade e Democracia! Contra a Violência Policial e a Censura, assinada pelas entidades Associação de Bandas Carnavalescas de São Paulo (Abasp), Arrastão dos Blocos, Comissão Feminina, Fórum dos Blocos, União dos Blocos de Carnaval de Rua do Estado de São Paulo (UBCRESP) e Ocupa SP, em que contraria a decisão da prefeitura que proíbe que os blocos de rua desfile na capital, enquanto liberam os desfiles no sambódromo do Anhembi.
Segundo o documento, os blocos respeitaram a pandemia e não realizaram nenhum evento carnavalesco durante os últimos dois anos, porém atualmente não existem motivos para que a festa independente seja impedida, pois o cenário sanitário é estável e promissor. A carta ainda questiona os critérios que privilegiam aglomerações em eventos privados e reprime os eventos públicos, "O sambódromo já está com a festa marcada e não há justificativa para proibir o carnaval de rua livre, diverso e democrático, nesse abril de 2022".
No dia 5 de abril, o prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB), divulgou em nota que o carnaval de rua poderia acontecer no feriado de Tiradentes em 21 de abril, desde que os blocos banquem a infraestrutura necessária para o evento, "Se tiverem uma condição de manter com gradil, segurança, médico ambulância, plano de emergência, de rota de fuga, não vai ter nenhuma objeção", frisou. Além disso, os blocos devem obter autorização da Polícia Militar e dos órgãos que regulam eventos de rua. Os requerimentos listados pelo prefeito não são possíveis de serem atendidos pela maioria dos blocos de rua do estado de São Paulo, que vem passando por dificuldades para se manter devido à pandemia da Covid-19.
A presidenta do Bloco do Beco, Anabela Gonçalves, fala sobre as dificuldades dos blocos de rua de origem periférica para se manter sem apoio governamental, após dois anos sem carnaval, "A gente decidiu que não teria carnaval de 2022 em dezembro de 2021, porque a gente não teve como fazer levantamento financeiro pra fazer o carnaval. Como que a gente vai fazer um carnaval de 2022 se a gente viveu 2021 na pandemia? 2 anos sem conseguir levantamento de recursos. E na portaria que foi estabelecida pro carnaval não foi estabelecido nenhum tipo de financiamento, de apoio para os blocos de rua, então seria impossível a realização do carnaval sem um edital público", relata.
O Bloco do Beco, fundado em 2002 na periferia da Zona Sul de São Paulo, se estabeleceu em 2003 como Associação Cultural Recreativa Esportiva Bloco do Beco, tornando-se não só um bloco de rua, mas um espaço dentro da sua comunidade que oferece cultura e lazer aos moradores. Portanto, a não realização do carnaval e a nota do prefeito de São Paulo não fazem sentido para este segmento. Anabela explica os impactos que a atitude do governo e da Secretária da Cultura tem sobre os jovens moradores da comunidade, "Na periferia muitas vezes o primeiro contato com a cultura, o primeiro processo de difusão cultural que muitos moradores da periferia tem, é a partir do carnaval, porque os desfiles de carnaval é artes plásticas, é arte visual, é artes cênicas, é a dança, é a música, é um contexto cultural muito rico que muitas vezes vai ser a primeira formação cultural que vai fazer com que alguém procure um equipamento de cultura pra fazer formação. Então, nesse sentido, a gente tem uma perda da difusão da cultura popular que o Bloco do Beco tem como missão de difundir como organização social".
O carnaval é culturalmente conhecido como a festa mais popular do Brasil e a criminalização por suas origens negra e periférica é historicamente conhecida. Nesta celebração são expressadas diversas manifestações culturais e a proibição desses eventos livres acentuam a desigualdade e a perseguição a determinados grupos.
É o que ressalta a historiadora Melina de Lima, neta de Lélia Gonzalez e cofundadora do Projeto Lélia Gonzalez Vive, "O carnaval, na verdade, sempre teve uma perseguição histórica a blocos, escolas de samba e terreiros, que se mantiveram firmes graças à resistência. Então vemos que mais uma vez, nesse momento de cuidados, alguns são mais afetados que outros. Quem afeta é quem não pode pagar caro para curtir, e sabemos a cor dessa população, principalmente nesse momento de grande crise econômica".
Ainda segundo Melina, o fato de o carnaval de rua ter sido proibido e, mais tarde, a sua realização ter sido colocada como responsabilidade única dos blocos, sem fomento governamental, e o carnaval privado, organizado por empresas multimilionárias ter sido liberado, é motivo de espanto e alerta, "Para mim, o erro e o espanto estão no fato de existir uma diferenciação em julgar quem pode e quem não pode. Ficou mais uma vez evidenciado o que está envolvido e quem se beneficia com essas diferenças", frisa.
São poucos e centralizados os blocos de rua que terão subsídios para arcar com a estrutura que demanda uma celebração de qualidade na próxima semana, e para 2023 fica a esperança de que a privatização tenha sido pontual e exclusiva do ano de 2022, conforme nos finaliza a presidenta do Bloco do Beco, Anabela Gonçalves, "A gente espera que não seja lançado nenhum decreto determinando como será o nosso carnaval, como foi lançado agora, a gente espera que o governo perceba que ele não tem governo sobre o carnaval. O carnaval é uma parceria entre o governo e a sociedade civil e é importante essa garantia, pra que a gente realize um carnaval de qualidade e que a liberdade de expressão, a liberdade cultural, seja mantida tanto no carnaval do centro, quanto no carnaval das periferias e que não seja realizado um apartheid cultural dentro da cidade de São Paulo".