Elas na arquibancada: a crescente presença feminina na Fórmula 1

Entre motores e resistência, o GP de Interlagos teve recorde de mulheres neste final de semana
por
Bianca Pisciottano Athaide
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10/11/2025 - 12h

Quem foi ao GP de São Paulo nos dias 07, 08 e 09 de novembro pode notar: tem muito mais mulheres nas arquibancadas de Interlagos. Com suas camisetas de pilotos, bandeiras na mão e celulares prontos para registrar cada volta, as fãs estão conquistando o seu espaço com a força do coletivo nesse ambiente historicamente (e hostilmente) dominado pela presença masculina.

Mas, entre aplausos e bandeiras, a realidade ainda tem um lado incômodo. Quem já pisou em Interlagos sabe: o assédio não ficou nos anos 1990. Ainda hoje, “brincadeiras” com corpos femininos parecem fazer parte do espetáculo. Comentários invasivos, olhares insistentes e alguns extremos casos de importunação física são relatos comuns entre torcedoras. 

Segundo a SPTuris, a parcela feminina de público no maior evento de automobilismo do país passou de 7,9% em 2013 para 37% em 2024. E eu conto isso também do meu lugar de fã: cresci achando que F1 era “coisa de menino”, até descobrir que existia todo um universo de garotas como eu, que entendem de pneus duros, safety car e estratégias de box. Hoje, 41% dos fãs da categoria são mulheres, e três a cada quatro novos fãs fazem parte da geração Z que virou o jogo, aos poucos, dentro das arquibancadas e das redes sociais.

É um avanço significativo, mas ainda completo de desafios para além da pista. 

Um dos casos mais recentes foi o caso do assédio no GP da Holanda de 2022, em Zandvoort, quando várias mulheres denunciaram ter sido assediadas por torcedores durante o fim de semana da corrida, que celebrava o retorno do público em massa após a pandemia. Nas redes sociais, torcedoras contaram que sofreram toques indesejados, comentários vulgares, cantadas agressivas e importunação física nas arquibancadas e áreas de convivência. Algumas relataram que homens as seguiram até o banheiro, ou fizeram piadas de cunho sexual enquanto elas tentavam assistir a prova.

A repercussão foi grande o suficiente para a organização do GP da Holanda e a própria Fórmula 1 se manifestarem oficialmente, prometendo investigar e reforçar medidas de segurança para mulheres nos eventos. A hashtag #RespectWomen ganhou força nas redes após o episódio, impulsionada por fãs que pediam uma postura mais firme contra o machismo dentro e fora das pistas. 

Durante o GP do Brasil, conversei com Beatriz Rosenburg, fã do esporte há anos e criadora do Coletivo The Lap 1, um grupo idealizado para apoiar e acolher mulheres que desejavam viver a experiência única do Grande Prêmio em São Paulo. A iniciativa surgiu a partir da campanha Respect Women, que desde 2019 leva às arquibancadas do Autódromo de Interlagos uma mensagem simples, mas poderosa: respeito.

Ela também notou como o público mudou, e o quanto isso ainda incomoda a alguns. “É lindo ver tantas mulheres em Interlagos, mas também é frustrante perceber que a gente ainda precisa provar que entende do assunto”, disse. “Ouvi meninas contarem que deixaram de usar certas roupas por medo de assédio. E isso não devia ser parte da experiência de ninguém. A arquibancada tem que ser um lugar de torcida, não de medo.” 

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Colaboradora do coletivo The Lap 1 entrega adesivo para todas as torcedoras na arquibancada G no Autódromo de Interlagos (Foto: Bianca AthaideAGEMT)

 

 

Beatriz acredita que o aumento da presença feminina é reflexo da representatividade que começa a nascer dentro e fora das pistas. “Com as redes sociais, as mulheres criaram espaços de fala dentro do fandom [o conjunto dos fãs do esporte], e isso é muito poderoso. Agora existe comunidade, apoio e identidade coletiva. A F1 virou um lugar mais nosso também.”

Mas as mulheres estão respondendo com união. Grupos como o The Lap 1 e o Girls Like Racing criaram verdadeiras redes de apoio. Eles reúnem torcedoras, organizam encontros e combinam de assistir as corridas juntas, para que ninguém fique sozinha.

Foi assim que Ana Beatriz Freitas, 22 anos, viveu seu primeiro GP em São Paulo. “Eu tava animada, mas morrendo de medo de ir sozinha”, contou. “Aí encontrei o grupo do Girls Like Racing no WhatsApp e descobri outras três meninas que também iam desacompanhadas. Combinamos tudo, fomos juntas e foi uma das experiências mais lindas da minha vida. Eu me senti segura, apesar de ainda ter que fingir que não escutei um ou dois comentários por aí.”

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Adesivo entregue a torcedoras: "Eu sou uma mulher e eu amo Fórmula 1. Me respeite!" (Foto: Bianca Athaide/AGEMT)

Ver as arquibancadas cada vez mais cheias de mulheres é inspirador. Mas ainda não é o fim da corrida. O desafio agora é garantir que essa presença venha acompanhada de respeito, segurança e liberdade. “Não basta só estar lá, a gente precisa poder torcer, vibrar e existir nesses espaços sem medo algum!”, reforça Beatriz Rosenburg. 

Para quem, como eu, cresceu acompanhando o barulho dos motores e as histórias que correm por trás das curvas, esse é um ponto de virada. A Fórmula 1 está mudando - mesmo que a uma velocidade bem mais lenta que os 300 km/h de seus carros. Ainda há curvas difíceis pela frente, mas uma coisa é certa: as arquibancadas estão cada vez mais equilibradas. E isso é só o começo.