Ednaldo Rodrigues é reeleito em meio às críticas

No campo, o foco parece ser a bola. Nos bastidores, o jogo é outro
por
Amanda Campos
Lorena Basilia
|
28/04/2025 - 12h

Uma sucessão de episódios controversos tomou conta do noticiário esportivo brasileiro, da chamada “Lei Memphis Depay” às críticas generalizadas contra a arbitragem, o cenário do futebol nacional virou alvo de polêmicas. Mas, nos bastidores das discussões que inflamam torcedores e dirigentes nas redes sociais, um movimento silencioso desenha o verdadeiro placar na Confederação Brasileira de Futebol: a reeleição unânime de Ednaldo Rodrigues à presidência da CBF, como um capítulo de um sistema em que a transparência cede espaço a alianças políticas. Em entrevista para a AGEMT, o especialista em análise de futebol, Tiago Herani explica o cenário do futebol brasileiro atual.

Na prática, não existe uma lei oficial com esse nome. O que houve foi uma mudança no regulamento de competições nacionais, aprovada no início de abril pela CBF, que proíbe comemorações consideradas “provocativas” contra os adversários. A nova regra prevê que um jogador que imite uma pose de deboche, faça gestos de provocação ou se refira ao adversário de forma pejorativa pode ser advertido com cartão amarelo – ou até expulso se reincidir.

O episódio, que nomeou a nova regra, surgiu na final do Campeonato Paulista. Durante a partida entre Corinthians e Palmeiras, o  atacante holandês do time alvinegro subiu em cima da bola, afim de provocar e confundir o adversário.  A ação causou revolta entre os jogadores e torcedores palmeirenses.

Para Tiago Herani, a medida tomada é um ataque direto à individualidade do jogador e à essência artística do futebol brasileiro. “É uma cortina de fumaça muito bem executada. Quem lê sobre isso vai se indignar, mas ignora os verdadeiros problemas do futebol brasileiro”, afirma. Ele vê na proposta um retrocesso: “Vai contra o que o futebol brasileiro representa: arte, liberdade, improviso". O país do futebol não tem esse nome à toa, os jogadores têm uma habilidade única de misturar técnica improviso e criatividade em campo. A fluidez e “ginga” é o símbolo mais forte da identidade nacional em campo. Além de um esporte, o futebol é arte.

Em paralelo à polêmica das provocações, a arbitragem brasileira vive um período conturbado, desde falhas em campo até decisões de gestão contestadas compõem um quadro preocupante. Herani conta que a CBF não demonstra nenhum interesse real em investimentos para mudar esse cenário: “Com investimento em tecnologia e preparação, a arbitragem poderia evoluir. Mas parece que isso não é prioridade”.

A cortina de fumaça

A atual gestão da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), liderada por Ednaldo Rodrigues, representa uma ruptura importante com os mandatos anteriores — especialmente no que diz respeito à transparência e à percepção pública. Após anos marcados por escândalos e desconfiança, muitos viam em Ednaldo uma tentativa de estabilização. Ainda assim, a calmaria relativa parece ter durado pouco. “A gestão do Ednaldo foi a menos polêmica em muito tempo - até agora”, avalia Tiago Herani. Ele destaca que, internamente, o presidente conta com forte apoio, o que torna improvável qualquer mudança drástica no comando, como a entrada de Ronaldo Nazário, frequentemente citado como uma figura de renovação. “É muito difícil que isso aconteça, mesmo ele sendo a melhor opção, tanto por ser empresário quanto pelas boas relações que mantém com FIFA e Conmebol”, comenta.

Ednaldo Rodrigues
Presidente da Confederação Brasileira de Futebol, Ednaldo Rodrigues.
Foto: R
eprodução/Rafael Ribeiro.

 O artigo da Revista Piauí, assinada por Alan de Abreu, foi um divisor de águas na forma como o público passou a enxergar a atual gestão da CBF. Por meio de áudios e bastidores, até então desconhecidos, expôs com clareza as engrenagens de um sistema que opera sem concorrência para o cargo. Em um dos trechos, um presidente de clube — mantido no anonimato — admite que “não há o que fazer” para mudar a situação, o que ilustra a sensação generalizada de impotência dentro da estrutura do futebol brasileiro.

A pensata, segundo Tiago, escancara como a permanência de Ednaldo Rodrigues no comando da CBF foi garantida mais pela conveniência dos bastidores do que por mérito ou vontade de renovação. “Os presidentes poderiam, ao menos, ter votado nulo, feito um gesto simbólico. Mas não. Todos aplaudiram a candidatura do Ednaldo”, critica. Herani também acredita que a repercussão gerada pela reportagem é fruto de um novo momento da cobertura esportiva, impulsionado pela internet. “A Piauí teve coragem de fazer o que muitas grandes emissoras não fazem. Essa foi a primeira gestão com seus problemas tão detalhadamente expostos, e isso só aconteceu porque a internet deu espaço para esse debate crescer”.

A repercussão gerada pela reportagem é fruto de um novo momento da cobertura esportiva, impulsionado pela internet. “A Piauí teve coragem de fazer o que muitas grandes emissoras não fazem. Essa foi a primeira gestão com seus problemas tão detalhadamente expostos, e isso só aconteceu porque a internet deu espaço para esse debate crescer”, afirma.

O contraste com a grande mídia ficou evidente recentemente, quando seis jornalistas da ESPN foram afastados em abril após críticas à gestão de Ednaldo Rodrigues no programa Linha de Passe. Baseados na própria reportagem da Piauí, os comentaristas questionaram a atuação da CBF, o que teria provocado uma reação direta da entidade e um desconforto interno na emissora. A ESPN tratou o episódio como um "erro de processo" e suspendeu os profissionais por um dia, sem demissões formais. A emissora não se manifestou publicamente sobre o caso, e os jornalistas afastados retornaram às suas funções normalmente após o período de suspensão. Para Tiago, casos como esse reforçam a importância das mídias independentes e das redes sociais como espaços onde o debate pode, de fato, acontecer.