O Esporte Clube Bahia, um dos mais tradicionais clubes do Nordeste, sempre se posiciona a favor das causas sociais e democráticas, como o movimento negro. Para fortalecer seus posicionamentos, em janeiro de 2018, criou o Núcleo de Ações Afirmativos (NAA), que visa combater diversos preconceitos, como a intolerância religiosa, a discriminação de gênero e sexismo e, principalmente, o racismo.
Desse modo, no ano passado, no dia da Consciência Negra, criou o projeto "Dedo na Ferida", que promove oficinas gratuitas internas no Bahia e oficinas externas para outras instituições e empresas que se interessem. A proposta é debater sobre o racismo estrutural e institucional para assim, combatê-lo.
Coordenador do projeto e integrante do NAA, Fábio Souza, em entrevista por Whatsapp, ressalta que a ideia do projeto surgiu para abalar a estrutura do racismo. "A gente conversou com a Ângela Guimarães - presidenta nacional da União dos Negros pela Igualdade Racial - e entendemos que o formato ideal seria o Bahia, com a busca ativa, levar o debate para o espaço, onde essa pauta não é debatida".
Ademais, Souza diz que levar a iniciativa para outras instituições é essencial: "O Bahia sozinho não conseguiria mudar a estrutura do racismo em Salvador." Por ser negro e torcedor tricolor, apelido dado aos torcedores do time, o coordenador se mostra muito orgulhoso e representado.
Souza destaca a importância da posição que ele ocupa no projeto: "Foi muito importante para o meu amadurecimento e também para entender o meu potencial, enquanto corpo preto, e a importância de pessoas pretas ocupando um lugar de poder".
Edson Cardoso, cocriador do Movimento Negro no Brasil, jornalista e doutor em Educação pela USP, é o responsável por ministrar as oficinas. Em entrevista por telefone, ele afirma: “No momento em que o Bahia resolveu encarar o tema, ele resolveu assumir suas responsabilidades sociais. O time está fazendo agora porque a sociedade brasileira vive o tema. ”
As oficinas se iniciam na explicação do preâmbulo da Constituição brasileira, fundamental para o debate do tema, que aponta o Brasil como uma "sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos". Assim, Cardoso explica que o início da luta antirracista e a afirmação negra devam partir da humanização do estigmatizado. "Existem várias formas de fazer esse processo de humanização. O antirracismo é essencial e fundamental por isso: porque ele luta pela afirmação e humanidade de todos. ”
Tanto nas oficinas externas e internas, as pessoas brancas lideram as inscrições. A minoria negra, que se inscreveu, menciona nos formulários terem sofrido racismo dentro de suas empresas e, por isso, consideravam importante a abordagem do tema em seus locais de trabalho. "Foi um pedido de socorro", como expressa Souza.
No edital, é exigido que, em cada instituição, três gerentes e dois diretores devam estar presentes. O requisito foi criado com o objetivo de que os gerentes brancos ouvissem seus funcionários negros relatando situações de racismo que sofreram em seus expedientes.
Na opinião de Fábio Souza, ter mais pessoas brancas no projeto é o ideal. "A gente acredita que o interesse para aprender tem que vir de pessoas brancas, porque quem faz o racismo não são as negras. Os negros têm que estar inseridos no projeto por questão de sobrevivência."
Segundo o Estudo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, os atos racistas em campo cresceram 70%, em 2020. Para Cardoso, as confederações de futebol tratam esse dado com omissão e precisam ser capazes de punir aqueles que infringem as normas. Souza acrescenta que a resposta das confederações e diretorias precisam ser mais efetivas. "Fazer apenas comentários, notas de repúdio, é pouco".
Considerado o estado mais negro do Brasil, segundo a Fundação Cultural Palmares, o coordenador destaca: "A gente entende o papel social da instituição, enquanto maior do Nordeste, enquanto representante da maior população negra fora da África. Muitos torcedores passaram a apoiar as causas de ações afirmativas, passaram a entender a importância da pauta."
O Núcleo de Ações Afirmativas do EC Bahia abraça a defesa de "grupos minoritários", mas que tem uma massa imensa de pessoas. Iniciativas como o Dedo na Ferida são um pontapé para a discussão transparente do tema e disseminação do antirracismo. Por exemplo, um dos resultados da oficina foi o de instituições que demitiram seus gerentes quando descobriram que estes estavam praticando atos racistas.
Edson Cardoso e Fábio Souza defendem essas ações porque, desde a abolição da escravatura, raras foram as atividades de inserção e o empoderamento para a parcela negra, deixando-os à margem da sociedade. "Com uma mão, você faz a ação afirmativa e com a outra, você deveria fazer a universalização de tudo para todos", confirma Cardoso. "É um começo. Toda instituição deveria se posicionar. Não dá mais para ficar onde está", conclui Souza.