“É preciso contar a história dos vencidos” defende pesquisadora do Instituto Pólis

Educadora Cássia Caneco aborda versão que não é contada por trás da identidade nacional e o efeito de suas homenagens
por
Bruna Zanella C Damin  Lucas Munhoz Rossi  Laura Scandelai Raposo Naito  Patrícia Almeida Mamede   Rafael Duarte Casemiro 
|
16/09/2021 - 12h

“Já pensou como deve se ver homenageado aquele ou aqueles que foram responsáveis pela morte de seus antepassados?”, afirma a pesquisadora e educadora do Instituto Polis, Cássia Caneco. Ela gosta de citar como ilustração uma frase da escritora Grada Kilomba, em seu livro Memórias da Plantação: “O colonialismo é uma ferida que nunca foi tratada. Uma ferida que dói sempre, por vezes infecta, e outras vezes sangra.” 

Durante o Brasil colonial, os bandeirantes tinham como principal função realizar expedições ao interior do país, principalmente na Capitania de São Vicente, localizada no estado de São Paulo e Paraná. Durante essas viagens, os bandeirantes iam em busca de tribos indígenas, drogas do sertão e minas de ouro. 

Segundo a educadora, “o Brasil é um país que se conta a partir da ótica do colonizador, de quem venceu pelo poder das armas”. Ela também cita como exemplo a cidade de São Paulo, que escolheu bandeirantes como Borba Gato, Raposo Tavares e Anhanguera, para “se ver representada como corajosa e desbravadora”, colocando eles no posto de heróis. 

Caneco diz que o bandeirantismo não se resume à história que nos foi contada, em resumo que os bandeirantes foram desbravadores de fronteiras e descobridores de riquezas, mas que, figuras como Borba Gato, foram responsáveis pela destruição de quilombos, escravização e o genocídio de povos originários. Ela acrescenta que “essas representações quando ocupam lugares de destaque, quando são celebradas, sem qualquer criticidade, violentam a memória de pessoas negras e de povos originários, e impactam a maneira como essas pessoas ocupam a cidade.” 

História dos principais bandeirantes: 

Manuel de Borba Gato desbravou os sertões paulistas com seu sogro, Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça (1610-1675). Após a morte do sogro, assumiu o controle da expedição que buscava minas de metais preciosos no interior paulista e mineiro. Como boatos da descoberta realizada por Borba Gato e sua expedição se espalhavam por toda a colônia, D. Rodrigo de Castelo Branco -Superintendente geral das Minas da Coroa- foi enviado para a região para que mapeasse as minas descobertas pelos bandeirantes paulistas. Borba Gato assassina Castelo Branco em um crime de lesa-majestade e fica recluso na região de mata por 15 anos. Quando encontrado na região do vale do Rio Doce, é oferecido ao bandeirante o Perdão Real e o cargo de Superintendente Geral das Minas.  

Bartolomeu Bueno da Silva (pai) o famoso bandeirante paulista, ficou conhecido pelo suposto episódio em que enganou os índios da tribo de Goyas colocando fogo em cachaça dizendo aos nativos que colocaria fogo nas águas dos rios da região, caso não lhe apontassem a direção das minas de ouro. Apesar de possuir tamanha fama por conta do episódio do fogo na cachaça, foi seu filho (que carregava o mesmo nome do pai) que realmente levou a fama de bandeirante destemido, cruel e sanguinário, devido ao genocídio da tribo dos Inhangueras.  

Raposo Tavares foi o maior comerciante de escravos indígenas de sua época. O bandeirante português foi responsável pela destruição dos redutos missionários jesuíticos do Guairá (PR), do Tape (RS), e parte do Itatim (MS). Ocupou o cargo de Juiz ordinário em 1633, mas foi destituído do cargo após atacar a missão jesuítica de Barueri. Integrou também a esquadra paulista formada para auxiliar as forças militares portuguesas na invasão holandesa nas províncias da Bahia e Pernambuco. 

Por terem papel importante na formação das rotas de ligação brasileiras, alguns bandeirantes foram homenageados com ruas e avenidas batizadas com seus nomes, principalmente na cidade de São Paulo. Dentre elas estão: Avenida dos Bandeirantes, Rua Fernão Dias, Avenida Pedroso de Morais, Rua Fradique Coutinho, Avenida Raposo Tavares, Rua Cunha Gago, entre outros. 

Quando o espaço público é apenas ocupado por esse lado da história, o direito à cidade é negado e é dessa maneira que as imagens silenciam e oprimem a memória dos outros povos que fizeram parte da construção da cidade de São Paulo. Esse direito que diz respeito a como os espaços públicos, da forma como usufruímos os bens e serviços que nos oferecem, e ao negar o lado oprimido e exaltar os opressores, mostra-se que nem todos possuem o mesmo direito à cidade.  

Por isso, Caneco diz que é de extrema importância que todos tenham o direito de construir a história pública e contar como querem ser representados. Os monumentos representam um desrespeito à memória de outros povos e uma forma de silenciamento. A entrevistada completa que o ataque aos monumentos representa um ataque ao status dessa elite que os criou, que decidiu como contar a história e por isso Galo e Biu serão perseguidos, eles enfrentaram esse poder instituído. 

 

 

Tags: