“É difícil ver representatividade”, desafaba gamer negra

Racismo também é presente tanto na comunidade de jogadores quanto nas plataformas
por
Hiero de Lima
|
23/11/2020 - 12h

Na indústria dos videogames, um dos desenvolvedores pioneiros foi Jerry Lawson (1940-2011). O engenheiro eletrônico foi o responsável pelo design do console Fairchild Channel F, o primeiro na indústria a utilizar um microprocessador, e é conhecido como “o pai do videogame moderno”. Lawson também carrega o legado de ser um dos poucos engenheiros afro-americanos trabalhando com videogames durante a era de ouro, nos anos 1980.

Homem negro adulto de camisa branca e gravata preta sorri para a câmera. Ele está próximo de aparelhos eletrônicos antigos - um computador e uma TV, além de um terceiro, de natureza desconhecida, que manuseia.
Jerry Lawson no escritório de sua companhia, Videosoft (foto: Reprodução/Wikipédia)

 

Ainda que um homem negro tenha lançado as bases para o desenvolvimento de consoles modernos, o racismo na indústria e comunidade gamer é forte. Segundo a americana Quency Walker, 25, representante de SAC, pessoa não-binária negra (para a reportagem, preferiu pronomes femininos) e fã de videogames há 19 anos, ela já recebeu comentários racistas ao fazer cosplay (vestir-se como personagens fictícios) de personagens em seus videogames favoritos: “foram muitas as vezes que recebi comentários do tipo ‘ah, você é a versão negra do fulano’”, relata.

Walker já passou por situações de racismo tanto entre a comunidade – “já me trataram diferente em chats quando perceberam que eu era negra, seja me insultando diretamente ou mudando o jeito de falar comigo”, conta - quanto vindas dos próprios videogames. “Normalmente é racismo velado, que as pessoas não entendem até ser apontado”, diz.

“Por exemplo, jogos de fantasia tendem a ter tanto pessoas negras quanto raças diferentes, como elfos e anões, sofrendo racismo. Não é baseado na cor da pele, então negros são retratados como tendo privilégio sobre outras raças. Me deixa desconfortável”. Ela também lamenta a falta de representatividade em jogos: “é difícil ver protagonistas negros. Me vejo jogando jogos que deixam você customizar um personagem, mas isso não é bem representar”.

Já o americano Jayden Gray, 19, desempregado e fã de jogos desde muito jovem, conta que não sofreu racismo na comunidade pessoalmente. “Os fãs da Nintendo são mais calmos”, diz, referindo-se ao círculo dentro dos fãs da indústria onde é mais ativo.

Contudo, isso não quer dizer que Gray não se incomoda com a falta de representatividade: “tantos protagonistas por aí são brancos ou asiáticos que eu acabo ficando com skins desses personagens, ou fazer versões humanas negras de personagens não-humanos”.

Alguns personagens brancos, de fato, recebem colorações alternativas, ou skins, negras como sendo o “Player 2” de alguns jogos: como exemplo, no jogo de luta SoulCalibur VI, a personagem 2B, mulher branca, original do título  NieR:Automata e adicionada via pacote pago separadamente, recebe uma versão alternativa que tem pele negra, apelidada pelos fãs de “2P”, um trocadilho com o nome original da personagem e a natureza “Player 2” da skin.

Ambos os gamers concordam: faltam protagonistas negros. Segundo Walker, estes são difíceis de achar em uma maioria de gêneros, sejam jogos de tiro ou romance. “Personagens secundários são bons, mas eu queria ver protagonistas, principalmente do sul dos EUA ou mestiços, como eu”. Já para Gray, seria bom que esses personagens não focassem tanto em problemas raciais: “já temos bastante disso na TV e em filmes, queria vê-los só se divertirem”.

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