A dualidade da Barbie

Influência nas meninas vai de repressão a incentivos
por
Gabriela S. Thier
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20/06/2023 - 12h

Chegando a ser considerada um brinquedo obsceno e inapropriado pra crianças em sua primeira versão, no ano de 1959, mas ainda assim se tornando um sucesso que transformou a Mattel a terceira maior empresa de brinquedos do mundo em seu primeiro ano de vendas, a boneca Barbie recebeu ao longo de sua história muitos “títulos”, sempre dividindo opiniões, com as tentativas de definir sua influência nas meninas que tiveram contato com ela na infância.

Essa dualidade é presente desde sua popularização nos anos 60, de um lado com a relutância de alguns pais em deixar as filhas brincarem com a figura de uma “mulher adulta que morava sozinha” e de outro lado sendo anunciada como um incentivo para as meninas cuidarem de sua aparência, o que acabava por reforçar estereótipos de beleza. “A preocupação dos pais vinha justamente por conta desses estereótipos”, diz o pedagogo Marco Antonio Delgado .

Segundo ele, a Barbie representava uma mulher elegante, que está dentro dos padrões de beleza vigentes na sociedade , esquecendo dos valores íntimos de cada um. “Claro que essa realidade não acrescentaria nada para aquela criança que estava brincando de casinha, até porque a Barbie, na verdade, mostra uma executiva, aquela mulher que vai para fora, que trabalha, que está atuando, uma coisa que não acontecia”, acrescenta Delgado.

O pedagogo destaca a diferença entre a figura emancipada representada pela boneca e o imaginário das crianças na época em que foi lançada. “As meninas não brincavam dessa situação, mas sim de uma brincadeira de mãe, do lar, e a Barbie traz uma coisa que naquela época era mais os homens que ocupavam.” 

Delgado cita a aparência da Barbie como um de seus aspectos prejudiciais:

”Por causa do estilo da própria boneca, porque ela traz um perfil de uma mocinha, de uma miss com o corpo definido, com uma situação de que seria uma ‘perfeição’, ela mostra uma boneca branca com seu estereótipo de magra, mas não são todas as crianças que têm este  perfil. Existem meninas gordas, existem meninas negras, que não atingem aquele estereótipo de beleza e isso pode trazer uma certa depressão para a criança, porque ela foge daquele conceito de perfeição”.

Contudo, mesmo mantendo como sua imagem principal uma boneca branca, magra e loira, a Mattel já apresentou diversas vezes boneca com perfis diferentes, indo das mais atléticas  até  de diferentes etnias, formatos de corpo e profissões.

Muitas vezes o design da boneca pode ser visto como um retrato da cultura popular de uma época. Um exemplo é a famosa “Malibu Barbie” (1971), que virou um símbolo por aparentar um rosto “sem maquiagem” e ser a primeira Barbie que olhava para frente, uma mudança que, apesar de sutil, trouxe uma imagem mais ativa e menos delicada para a boneca.

Um exemplo mais significativo de mudança foi a primeira Barbie Negra, lançada em 1980. Por mais que já houvessem sido lançadas versões negras de amigas da Barbie, como a Black Francie (1967), haver uma boneca negra denominada como  Barbie foi muito mais significativo. 

 

Edição de Aniversário da Malibu Barbie
Edição de aniversário da Malibu Barbie

 

Edição de Aniversário da Primeira Barbie Negra
Edição de aniversário da primeira Barbie Negra

A psicóloga Vanderléa Soares explica a importância da possibilidade de se ver nos brinquedos: 

“A identificação com um adulto de referência é parte da constituição de qualquer indivíduo”, diz Soares. “Dentro do lúdico e da fantasia, imaginar-se em outros papéis é criar possibilidades ampliando a visão de si mesmo e do mundo. O processo de formação do eu se dá a partir do outro”, acrescenta a psicóloga. 

Porém, mesmo com o aumento da representatividade, existem contrapontos em se tratando da boneca mais famosa do mundo. Até o slogan “você pode ser tudo o que quiser” pode ser prejudicial às crianças.

“Todos nós nos deparamos com limites. Se nos dedicamos a uma atividade ou brincadeira, não podemos praticar outras. Isso é estendido para toda uma vida humana. Existem limites de tempo, lugar, espaço, e do que é possível viver. Se eu escolho ser jornalista, provavelmente não conseguirei na mesma existência ser médica, advogada e psicóloga. Mesmo pensando no sentido de que sempre temos escolhas, ainda assim essas escolhas são limitadas pelo contexto de possibilidades sociais presentes num determinado tempo e momento histórico”, analisa Soares.