Drive to Survive revoluciona a Fórmula 1

Apesar das críticas, o seriado faz muito sucesso e abriu portas para um novo público no esporte
por
Bianca Athaide
Giulia Dadamo
Helena Cardoso
|
16/05/2023 - 12h

             No fim de fevereiro, a quinta temporada de "Fórmula 1: Drive To Survive" (DTS) foi lançada. O reality show retrata os bastidores da categoria de uma forma que os fãs nunca tiveram acesso: seguindo os pilotos e chefes de equipes para contar as tensões, rivalidades e suas disputas dentro e fora do grid durante o ano.

  A última temporada mostra os bastidores de 2022, com a nova geração de carros e o bicampeonato de Max Verstappen (Red Bull) conquistado no Japão, além do retorno do piloto ao documentário, já que ficou fora da quarta temporada por não concordar com, segundo ele, a “abordagem exagerada” utilizada pelos produtores da série.

            O holandês, porém, não foi o único que teve essa visão. Quando a primeira temporada estreou, em 2019, ela foi recebida com diversas críticas. Grande p arte do público a rotulou como sensacionalista e fora da realidade. No entanto, depois de quatro anos, o impacto do documentário ficou claro na história da F1: a humanização e a proximidade que a série ofereceu entre os pilotos e seus fãs trouxe para ela um sucesso imenso, a tornando um dos principais conteúdos originais da Netflix, e consequentemente tendo maior visibilidade por um novo público e de marcas interessadas no crescente alcance do reality. 

          Depois do sucesso de séries documentais esportivas, como “All or Nothing” – produzida pela Amazon e lançada em 2016, que começou seguindo times de futebol americano, mas também teve participação em temporadas de times na Europa (Juventus, Manchester City e Bayern de Munique são alguns exemplos) –, a Liberty Media, dona dos direitos comerciais da Fórmula 1 desde 2017, viu a chance de criar algo similar na categoria mais popular do automobilismo, seguindo todo o grid durante o ano. Na época, a empresa tinha o objetivo de popularizar o esporte nos Estados Unidos, país que receberá três corridas em 2023 e é esperado que conquiste mais finais de semanas nos próximos anos.   

            Na primeira temporada da série, que acompanha o ano de 2018 da F1, equipes como Mercedes e Ferrari resolveram não participar, uma vez que não se sabia ao certo o formato e o conteúdo que seria exibido ao público. O documentário, no entanto, não tem como foco o que acontece nas corridas em si e no aspecto técnico do esporte. 

  Em entrevista para a AGEMT, Rafael Lopes, comentarista de automobilismo da Globo, comenta que “recontar a corrida de outro jeito, para o público que não conhece a Fórmula 1, não vai funcionar. Drive to Survive está na medida certa, já que para conquistar um público novo é preciso mostrar coisas diferentes: o lado humano, a relação entre as equipes e as discussões, não só carros acelerando, aerodinâmica e batidas.”

              Mesclando os trechos dos bastidores e das corridas com os relatos e entrevistas dos envolvidos no dia a dia da Fórmula 1, DTS tenta mostrar o lado mais humano do esporte. “Você tem pessoas que estão fazendo a categoria acontecer, que são os pilotos, os chefes, os engenheiros, os mecânicos, e é importante mostrá-los”, o autor do blog Voando Baixo continuou.

 Na parte mais técnica das chamadas ‘docudramas’, Alessandro Toller, dramaturgo e roteirista, concorda que “parte da atração que muitas séries documentais têm exercido diz respeito à carga dramática pela qual as personagens reais vivem ou provocam. E isso certamente vai ser explorado”.

 É possível ver isso no reality: o novo público, que não necessariamente tem um conhecimento automobilístico prévio, foi conquistado por personagens que também fizeram sucesso fora do paddock, como o piloto Daniel Ricciardo (na época, na Red Bull) e o chefe de equipe Günther Steiner (Haas), personalidades marcantes do reality.  

            Drive To Survive, porém, também atraiu diversas críticas, vindas principalmente do público antigo e tradicional (majoritariamente masculino e mais velho) do automobilismo, que acredita que a série não é factual e linear, por não mostrar tanto das corridas. “Existe o público chamado de ‘heavy user’, que é aquele que consome Fórmula 1 de qualquer jeito, não importa onde a corrida esteja sendo transmitida – seja no streaming, na TV a cabo ou na TV aberta –, que não é o público-alvo de DTS. Ele vai assistir porque consome a categoria de qualquer forma, mas vai reclamar que a história não está sendo contada do jeito que deveria”, disse Rafael.

           Outro argumento dos críticos é o de alguns eventos serem distorcidos ou exagerados, tornando a série sensacionalista. As rivalidades supostamente inexistentes, o excesso de dramatização e falas fora de contexto afastaram inclusive o bicampeão mundial Max Verstappen do seriado, em 2021 – ano que protagonizou uma disputa até a última volta com Lewis Hamilton. Ele queria ter mais controle sobre o que era divulgado e impôs condições para voltar à série. Christian Horner (chefe da Red Bull), afirmou no podcast “Pardon my Take”, que é importante lembrar que o objetivo do seriado é entreter o público, uma vez que pega apenas trechos de uma temporada inteira e transforma em um programa de televisão.

            Por outro lado, como estratégia de marketing, Drive to Survive deu muito certo. Em uma pesquisa promovida pelo veículo Motorsport Network, no final de 2021, com mais de 167 mil entrevistados em 187 países, foi concluído que a média de idade dos fãs é de 32, quatro anos mais baixa do que o resultado de uma enquete anterior, de 2017. Também foi constatado que a participação feminina dobrou nos últimos anos, mostrando que o lançamento da série teve um efeito significante na mudança do público da Fórmula 1.

            Apesar das polêmicas, a série continua sendo uma mina de ouro para a Netflix. Pagando uma pequena parcela do que as emissoras pagam para possuir os direitos de transmissão das corridas, o seriado no streaming conquistou mais de 50 milhões de visualizações desde o lançamento da quarta temporada, em 2022. Rafael complementa: “Drive To Survive é o maior case de sucesso como peça publicitária da história. A Netflix paga uma licença para a Fórmula 1 para fazer aquilo, é a única peça publicitária que a empresa que anuncia recebe para ser anunciada”.

            Os pilotos, agora, também podem ser considerados celebridades, com milhares de seguidores nas redes sociais, que conseguem ver o que acontece fora das pistas. Para Isamara Fernandes, repórter e social media do Motorsport.com, é possível perceber uma mudança na relação entre os fãs e os pilotos após o lançamento da série: “agora os fãs não se sentem tão longe dos seus ídolos, eles não são mais vistos como ‘seres superiores’ porque a série te permite ver e entender muito daquilo que acontece durante todo o ano e porque determinadas escolhas foram tomadas por parte deles”.

            A nova leva do público, em sua maioria influenciada pelo seriado, tem mais acesso à vida dos pilotos do que as gerações anteriores. “O fã consegue em imagens os bastidores de situações que acontecem além dos treinos livres, do classificatório e da corrida. É a negociação de um piloto com alguma equipe, uma reação genuína a algum acontecimento bombástico, uma discussão dentro da própria equipe, coisas que sem as imagens do seriado jamais seriam vistas”, continuou a jornalista.

            A combinação dos momentos behind the scenes da série documental, com os milionários investimentos por parte da Liberty Media, resultaram em um show de entretenimento do esporte. Drive To Survive pode dividir opiniões, mas é inegável o seu impacto na atenção voltada à categoria. A sexta temporada vai mostrar o campeonato de 2023, já está em produção e deve ser lançada no primeiro semestre do próximo ano, servindo como uma porta de entrada para ainda mais fãs.