Dos anos de chumbo ao século XXI; feridas abertas da repressão no Brasil

Como os fragmentos do Golpe Militar foram decisivos para a atual crise democrática do país.
por
Laura Melo de Carvalho
Isadora Verardo Taveira
|
26/04/2022 - 12h

No dia 31 de março de 2022 completaram-se 58 anos do golpe militar, porém

nunca estivemos tão próximos de uma realidade ditatorial. A crise democrática

brasileira perdura até a atualidade no país com governos de direita, aumento do poder

militar, censuras camufladas por piadas e falas antidemocráticas disfarçadas de

“heroísmo” do atual presidente Jair Bolsonaro.

13 de dezembro de 1968, data marcante em que foi instituído no Brasil o AI-5,

instrumento criado pelo regime militar e executado pelo general Costa e Silva, como

uma maneira de censurar previamente tudo aquilo que ia contra a ideologia do

governo. “Seria o direito do Estado ter um órgão de repressão ao que seria publicado

na mídia, seja ela escrita, falada, televisiva, ou ainda qualquer tipo de expressão

estética, artística”, explica o professor Filipe de Faria Dias Leite, graduado pela

Unesp Franca com mestrado em história social pela mesma instituição.

            Como forma de combater as restrições impostas pela ditadura, grandes nomes

da resistência nasceram. Carlos Marighella, símbolo da luta armada no

Brasil, era negro, político, escritor, comunista e fundador da Ação

Libertadora Nacional, uma organização de combate armado da esquerda. Marighella foi

assassinado durante sua batalha pelo Brasil livre. Recentemente, o guerrilheiro foi

homenageado com o lançamento de sua biografia em filme dirigido por Wagner Moura e

estrelado por Seu Jorge, que foi censurado pela Agência Nacional do Cinema como

uma tentativa de ataque aos órgãos culturais. “Ele deve ser lembrado porque não era

apenas um indivíduo de esquerda, que lutou contra a ditadura e resistiu, ele também

era um indivíduo negro, que além de significar uma resistência política ao regime,

significa também uma resistência racial.” - destacou Filipe. 

Após 58 anos do golpe militar, ainda é possível enxergar resquícios do AI-5 no

país. Com a ascensão de um governo ultraconservador no Brasil, de Jair Bolsonaro,

feridas abertas - que antes estavam mascaradas - voltaram à tona e escancararam um

país ainda extremamente autoritário e sem lembrança da história que viveu. A

existência de pessoas que se manifestam a favor do fechamento do congresso e a

retomada dos militares, estampa de forma visível a lacuna formada pela Lei da Anistia

no Brasil. A não condenação e impunidade dos torturadores não permite uma

reparação histórica, o que minimiza e até banaliza os danos causados, e abre

oportunidade para que pessoas sejam a favor desse 

comportamento, uma vez que não houve punição. “É uma lei que foi feita para anistiar

os responsáveis por essas violências, o Estado inclusive, e isso é um absurdo, é isso

que motiva falas como as do Presidente, de Daniel Silveira, Eduardo e Carlos

Bolsonaro e atos como o do vice -presidente elogiando torturadores e rindo de relatos

de pessoas torturadas, porque eles sempre se escondem atrás da Lei da Anistia”,

reforça Luiz Antônio Dias, pesquisador da ditadura, movimentos sociais e professor do curso

de Ciências Sociais da PUC-SP.

O AI-5 foi um dos grandes momentos de repressão ditatorial do país, como

acrescenta Dias, “De certa forma o AI-5 é o que acaba motivando a ação armada e a

violência imposta por esse ato faz com que o sistema avance no processo de

desmobilização, desmonte e execução dos integrantes dos grupos armados, é um

período muito violento e muito curto”. O conjunto de leis teve seu fim legal junto com a

ditadura, mas como todas as características do período, tem seus resquícios na

atualidade. Durante o festival de música Lollapalooza artistas foram ameaçados com

multas em uma tentativa de silenciamento de opiniões contrárias às do governo atual,

gritos e xingamentos ao presidente Bolsonaro marcaram o festival e trouxeram à tona as marcas retrógradas da censura.

Banda Fresno se manifesta contra Bolsonaro no Lollapalooza após decisão do  TSE | CNN Brasil

Os aliados ao governo Bolsonaro seguem espalhando elogios aos

anos de chumbo. Durante a Ordem do Dia publicada na quarta-feira (30 de março) para ser lida nos quartéis do país no dia seguinte, aniversário do golpe contra o governo de João Goulart, o Ministro da Defesa, general Braga Netto, escancara a visão das Forças Armadas brasileiras sobre o Golpe Militar, rememorando a Ditadura como um momento de ‘paz e democracia’.