Pesquisadora e professora do departamento de Artes da PUC-SP, Jane de Almeida afirma que o machismo está muito presente na indústria cinematográfica brasileira.

Diretora dos filmes EstereoEnsaios São Paulo (2018) e LOGA: Projeto Marte (2020), Jane de Almeida relata que, na produção de seu filme EstereoEnsaios Rio De Janeiro, de 2011, a maioria dos integrantes de sua equipe eram homens, e que ela “era diretora do filme, produtora do filme e até mesmo o motivo econômico pelo qual eles estavam no filme, e a equipe simplesmente fingia que não me via”, afirmou. Relatou também a experiencia de não receber a ordem do dia da produção do filme, enquanto o resto de sua equipe havia recebido. “Não tinha recebido, não tinha os horários e nem ideia do que iria acontecer”. Também acrescenta que “depois, conversando com outras pessoas que fizeram filmes, várias me contaram coisas semelhantes”.
Desde o lançamento do primeiro filme dirigido por uma mulher brasileira, Cléo de Verberena, em 1931, foram surgindo grandes cineastas que se destacariam no espaço feminino da direção de filmes do país, como Suzana do Amaral, diretora de A Hora da Estrela lançado em 1985. Ou Anna Muylaert, diretora de Que Horas Ela Volta?, título mais recente que ganhou atenção internacional e teve sua estreia mundial em 2015. Algumas dessas diretoras ganharam diversas indicações e prêmios, tanto em festivais brasileiros quanto internacionais.
Apesar disso, um levantamento exclusivo realizado pelo Portal Exibidor, utilizando dados do Anuário Estatístico do Audiovisual Brasileiro, da Agência Nacional do Cinema (Ancine) revelam que apenas 20,9% dos últimos 20 maiores filmes nacionais de 2019 a 2023 foram dirigidos por mulheres.
Ainda em entrevista, Jane de Almeida diz que a estrutura cinematográfica é muito tensa e desigual por refletir a estrutura das classes sociais, afirmando que a decisão daquele que está no topo é o que vale no final em muitos casos. “Se baseia muito na decisão final de uma pessoa ou um grupo, vai refletir dentro do próprio cinema todos os problemas sociais que existem nas classes sociais, inclusive os problemas de gênero”.
Porém, ela também admite que houve sim uma evolução no espaço das mulheres nessa indústria, apesar da evidente desigualdade e falta de representatividade feminina no espaço. “Hoje em dia tem muitas mulheres fazendo filmes, e existem espaços ainda mais complicados em relação a esse problema do gênero, mas acho que tem melhorado muito”, ela diz.
Quando questionada sobre como esse setor poderia mudar, ela afirma que a sociedade como um todo precisa mudar primeiro em relação as questões de desigualdade de gênero, porém como isso pode demorar muito, ela sugere outras formas de como a indústria poderia evoluir. “Você pode ajudar as mulheres a produzirem filmes e pensar como são produzidos por elas”. Ela também diz que “seria interessante pensar se é diferente, se as mulheres têm mesmo uma perspectiva diferente de produção cinematográfica, ou se elas tentam imitar o que os homens fazem”.
A pesquisadora conta sobre a existência de algumas redes de apoio e editais recentes que ajudaram as mulheres brasileiras a se sentirem ouvidas no setor do cinema, como o Edital da PNAB (2023) e o Edital Ruth de Souza (2024). Ambos tiveram a proposta de oferecer apoio financeiro à projetos audiovisuais nacionais feitos por mulheres e incentivar sua manifestação criativa. Porém, Jane afirma que para um melhor efeito, ela “gostaria muito, não que a gente tivesse esse tipo de incentivo, mas que chegasse a um ponto em que isso não é mais questionado, que fosse um elemento já estabelecido” declarou. Continua: “Tanto faz pegar o edital, premia aquele independentemente de ser masculino ou feminino, esse é o ideal de mundo”.