Foto: Marcelo Camargo/ABr
Por Marcelo Ferreira Victorio
“Eu gostava de estudar História, Geografia e jogar bola na escola. Estudei até o 1° ano do ensino médio e depois disso fiz supletivo, não aguentava mais ir todo dia. Na época eu morava com minha mãe, minha avó e minha irmã. Elas não sabiam de muita coisa que eu fazia, só souberam quando fui preso”, conta João (nome fictício), sobre como era sua vida antes de ser preso.
O curto relato é de João, pai de 2 filhos, filho e irmão que preferiu se identificar sem seu nome real por, em suas palavras, “ter medo de não conseguir um emprego fichado e vergonha de saberem o que fez”. “Não desejo nem para o meu pior inimigo o que eu passei na cadeia. É desumano, sabe? Não tinha lugar nem para eu fazer minhas necessidades básicas. A comida era azeda, eu que sempre fui acostumado a comer comida de vó, comida caseira, sei do que eu estou falando”, conta João rindo da situação. “Foram os piores dias da minha vida, não quero passar por isso de novo nunca mais!”, completa.
Com quase 1 milhão de presos, o Brasil ocupa a terceira posição no ranking de mais presidiários no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e China, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Para cada 10 juízes no país, 8 são brancos; enquanto para a população carcerária, para cada 3 detentos, 2 são pretos e/ou pardos.
“Eu fui preso por roubo. Roubei dois ou três mil reais de uma pessoa e eu usava o dinheiro para ir em bailes, comprar roupas, tênis e outras coisas que eu não lembro agora. Eu paguei três mil reais por alguns anos na cadeia. Sei que atrasar o lado dos outros é errado, mas passar o que eu passei preso não acho justo, comida zoada e de vez em quando vinha uma maçã”, relata o entrevistado.
A maior parte dos presos hoje faz parte do grupo dos crimes contra o patrimônio, com mais de 300 mil pessoas, o segundo maior grupo é o relacionado às drogas, com pouco mais de 200 mil. A pandemia e o desemprego foram fatores cruciais para o elevado número de presos neste ano vigente.
A família de João foi muito presente enquanto esteve preso, principalmente sua mãe Rosana (nome fictício) “Eu ajudava como podia né? Visitava sempre que podia, levava comida e ia matar a saudade do meu filho. A maioria dos amigos dele não quiseram nem saber de visitá-lo, só um ou outro. Mas mãe é mãe, né? A irmã dele visitava ele em alguns dias também. São nesses momentos que a gente percebe quem está com você e quem não está”.
A vida pós-cárcere não é fácil em nenhuma perspectiva. “Não consigo arrumar um emprego fichado. A empresa vê que eu saí há pouco tempo da cadeia e não me dá oportunidades, eu fiz curso e sei fazer muitas coisas. Eu não entendo esse negócio de ressocialização que eles tanto falam. Eu sei que eu errei, mas já cumpri o que eu tinha que cumprir. Hoje eu trabalho mais com bico né? Entrego panfleto, sou puxador de algumas lojas e às vezes trabalho entregando comida, só que agora eu parei porque estou sem bicicleta”, conta João. “Nem namorada eu consigo, acredita? Uma vez eu mandei meu número para a moça e ela viu todos meus dados no Google e o que eu tinha feito. Na hora eu ri pra caramba com a situação. Imagina, já pensou se eu perdi o amor da minha vida?” completa dando risada da situação vivida.
Há uma falácia entre aqueles que nunca foram até um presídio de que as coisas ocorrem de forma violenta, sem organização. Pela ótica de João, não é assim que as coisas acontecem: “Acho que é normal. Lá tem suas regras, igual aqui fora. Sei que tem gente que fez coisas indefensáveis lá dentro, mas são poucos. Eu procurava ficar mais na minha lá, mas dos que eu tive contato, a maioria estava lá por ter roubado ou traficado. Alguns até diziam que eram inocentes e eu vou te confessar que eu acredito nessas pessoas, sabia? A justiça é injusta algumas vezes”.
Hoje, João quer transformar a vivência que teve em música, busca inspiração em muitos artistas brasileiros no Rap e funk, como: Sabotage, Dexter, Poze do Rodo, MC Kevin e Mano Brown. “Até meus 14 anos meu maior sonho era ser jogador de futebol, jogo bem até hoje, já joguei várias competições de várzea. Hoje meu maior sonho é estourar como músico. Tenho algumas coisas escritas, uma hora se Deus quiser sai uma música. Me inspiro muito nos funkeiros e nos rappers que a gente tem hoje, mas sou meio tímido. Ano que eu estouro, esquece!”, disse João.
O relato é parecido com a realidade de muitas outras pessoas pelo Brasil, num País que deixa de investir em educação e marginaliza cada vez mais uma parcela da população para que se tornem indivíduos violentos. O relato hoje foi de João, mas amanhã pode ser do José, Antônio, Carlos ou Paulo, basta que o Estado te veja como um inimigo.