Deu zebra: Euro de 2004

A edição testemunhou a queda rápida de grandes seleções e o triunfo da Grécia na final
por
Rodrigo Silva Marques
|
19/06/2024 - 12h

Entre os dias 12 de junho e 4 de julho de 2004, foi Portugal que sediou a 12° edição da Eurocopa. Para organizar o que era considerado o terceiro maior evento esportivo do mundo, o país construiu 6 novos estádios e renovou outros 4. Cerca de um milhão de turistas visitaram o país neste período, juntos com mais de 2.000 voluntários e 10.000 jornalistas de todo o mundo. A Euro de 2004 teve como mascote um boneco simpático chamado Kinas.

Euro 1
O mascote Kinas foi uma homenagem a cores e símbolos da bandeira de Portugal (foto: UEFA)

A edição ficou marcada por alguns acontecimentos históricos. Como foi a primeira vez que Portugal recebeu um evento de tamanha magnitude, os lusitanos queriam fazer bonito frente a sua torcida, e contrataram Luís Felipe Scolari para comandar a seleção. Felipão chegava como atual campeão da copa do mundo, já que tinha levado o Brasil ao pentacampeonato em 2002.

Foi também a estreia de Cristiano Ronaldo pela seleção portuguesa em uma competição oficial. Com apenas 19 anos, o futuro maior artilheiro por seleções marcou só dois gols na competição (incluindo o gol de honra na derrota para Grécia, no primeiro jogo da Euro), mas foi um dos destaques do torneio como jovem promessa ao lado de Wayne Rooney, da Inglaterra. O grande nome de Portugal na época era Luís Figo, vencedor da Bola de Ouro no ano 2000.

Euro 3
Cristiano Ronaldo (camisa 17) foi um dos destaques da Euro (Foto: Fritz Duras/Wikimedia)

Falando na Grécia, a surpreendente seleção liderada por Angelos Charisteas e Theodoros Zagorakis foi quem levantou a taça. A equipe não estava entre as favoritas e conseguiu superar todas as expectativas, sendo considerada uma das maiores zebras da história moderna do futebol. Foram quatro vitórias, um empate e uma derrota na competição. Outra que também ao ir longe foi a República Tcheca do mago Pavel Nedved e do atacante Milan Baros, que terminou em terceiro no ranking geral da competição.

A edição também foi marcada pela queda precoce de algumas seleções que eram consideradas favoritas ou tinham mais renome para ganhar o título. A forte Itália de Totti e Buffon foi eliminada ainda na fase de grupos de forma frustrante para Suécia e Dinamarca, enquanto que a Alemanha de Ballack e Klose (vice-campeã da copa de 2002) caiu também sem vencer nenhum jogo em seu grupo, com dois empates. Já a França de Zidane e Henry e a Inglaterra de Beckham, Rooney e Lampard tiveram resultados mais dignos e só pararam nas quartas de final, mas ainda de forma chocante. Os ingleses caíram nos pênaltis para Portugal, mesmo tendo um elenco mais forte, e os franceses para a Grécia.

A única que teve de fato uma campanha de destaque foi a Holanda do artilheiro Van Nistelrooy.

Preparação para a Euro

Antes de 2004, a seleção grega só tinha participado apenas de uma Eurocopa, em 1980, e de uma Copa do Mundo, em 1994, e em ambas fez campanhas sem nenhum destaque. Quando o assunto era clubes, o único que havia conseguido um feito notável fora de terras gregas era o Panathinaikos, que em 1971 disputou uma final de Liga dos Campeões da UEFA, mas perdeu para o sublime Ajax de Johan Cruyff e Rinus Michels.

Sem brilho algum, a Federação Helênica de Futebol decidiu tentar mudar sua história ao contratar, em 2001, o técnico alemão Otto Rehhagel, que venceu a disputa contra outros pretendentes ao cargo como Marco Tardelli, Nevio Scala, Javier Clemente e Terry Venables.

Euro 4
Otto Renhagel foi o responsável por mudar o estilo da seleção da Grécia (Reprodução/Instagram/@ethnikiomada)

O trabalho de Renhagel, porém, não teve bons resultados no início e a equipe não conseguiu se classificar para a Copa do Mundo de 2002. Apesar de sua contratação ter sido efetivada perto do final das Eliminatórias, a Grécia foi goleada pela Finlândia por 5 a 1 e viu qualquer chance de classificação ir embora.

A decepção de ficar fora da Copa fez com que Otto percebesse a necessidade de modificar algumas características da equipe grega para que os resultados fossem conquistados. Uma das primeiras mudanças foi a forma reativa de atuar. O treinador decidiu que o time deveria jogar defensivamente, aproveitando o erro dos adversários.

Com esta maneira de jogar não tão bonita, mas eficiente, o desempenho começou a render frutos já nos amistosos e nas Eliminatórias da Euro. Embora os dois primeiros resultados tenham sido negativos, a Grécia conseguiu se recuperar diante da Armênia e iniciou um caminho incrível de vitórias e boas atuações.

Já em 2003, a equipe não tomou conhecimento de seus adversários no grupo das Eliminatórias e se classificou em primeiro lugar, garantindo a vaga direta na fase de grupos da Euro 2004.

Eurocopa - Fase de Grupos

Com o início da competição, os grupos foram divididos e a Grécia  teve como adversários no pote A Rússia, Espanha e a equipe anfitriã, Portugal . O caminho não era fácil para nenhum dos times e a disputa foi intensa. A primeira surpresa aconteceu logo na estreia e o resultado já era um indício do que viria a acontecer.

Como dito antes, Portugal e Grécia foram as responsáveis por atuar no primeiro jogo da Euro. No estádio do Dragão, em Porto, a equipe azul e branca decidiu surpreender e venceu por 2 a 1 no placar. O confronto seguinte foi contra a Espanha e o resultado terminou empatado em 1 a 1.

Na última partida da fase de grupos, a Grécia foi surpreendida e derrotada pelos russos pelo placar de 2 a 1. No entanto, o gol de Vryzas garantiu que a equipe terminasse em segundo lugar no grupo, por conta dos gols marcados, mandando a Espanha para casa. Graças a isso, Portugal e Grécia se classificaram para a próxima fase.

Quartas e Semifinal

Demonstrando grande confiança nos resultados alcançados até o momento, a Grécia se preparou para enfrentar a França, atual campeã da Euro e do mundo em 98, nas quartas de final. Quando a bola rolou, os gregos mostraram a aplicação que tanto seu técnico frisava treino após treino, bem como a segurança no meio de campo e na defesa. Os principais lances de perigo do primeiro tempo foram da Grécia, que assustou com Nikolaidis, Katsouranis e Fyssas.

A França tentou responder, mas o goleiro Nikopolidis se mostrou impecável em sua meta, bem como o miolo de zaga formado por Dellas e Kapsis. E com um gol de cabeça marcado aos 19 minutos do segundo tempo pelo craque do time Charisteas, que aparecerá em mais um momento importante da trajetória grega, os gregos eliminaram os franceses que estavam invictos a 22 jogos.

Euro 6
Charisteas subiu mais alto que os zagueiros e marcou de cabeça (foto: UEFA)

O adversário na semifinal foi a República Tcheca, que também surpreendeu os torcedores do esporte, chegando até a etapa com 100% de aproveitamento em quatro jogos. A partida entre as equipes foi estendida para a prorrogação graças à atuação de Nikopolidis, goleiro grego que jogou perfeitamente no duelo.

O torneio tinha uma regra chamada “gol de prata”, que concedia a vitória ao time que vencesse o primeiro tempo da prorrogação. Com isso, o zagueiro Dellas marcou o gol da Grécia a dois segundos do fim e garantiu a histórica classificação do time na grande final da Euro.

A Final

Curiosamente, quis o destino que as equipes que protagonizaram a estreia da competição se reencontrassem na grande decisão da Euro. Desta vez, a partida foi disputada no estádio da Luz, em Lisboa, e o país parou para acompanhar a possibilidade de Portugal ser campeão em sua casa.

Enquanto isso, a Grécia lutava para conquistar o maior feito da história do país em termos de esportes coletivos, já que não possuía nenhuma tradição dentro do futebol. Os lusitanos chegaram confiantes e como favoritos, afinal tinham passado pela Inglaterra nas quartas e pela Holanda nas semis, além de terem o apoio local da torcida.

A partida começou com muito estudo entre as equipes e Portugal contou com os talentos de Figo e Cristiano Ronaldo para vingar a derrota no início do torneio. A Grécia, por sua vez, apostou no estilo defensivo e esperou a oportunidade para aniquilar o adversário. E foi exatamente isso que aconteceu. Mais uma vez, o goleiro Nikopolidis teve uma atuação soberba ao longo dos 90 minutos e viu sua equipe abrir o placar aos 12 minutos do segundo tempo.

O gol que sacramentou o título foi marcado por Charisteas, autor do gol salvador nas quartas de final contra a França, e novamente de cabeça. Depois de sofrer o gol, Portugal tentou de todas as formas o empate, mas as estratégias defensivas da seleção grega funcionaram e após o apito final criou-se a primeira página gloriosa da história da seleção grega.

Euro 7
Charisteas após decidir novamente com gol de cabeça (foto: UEFA)

O título europeu mexeu para sempre com o futebol grego. Antes reserva, o uniforme branco, amuleto na final contra Portugal, virou a vestimenta titular da equipe, e Otto Rehhagel se tornou o primeiro estrangeiro a ser condecorado com o prêmio “Grego do Ano”. Muitos acreditavam na classificação da equipe para a Copa do Mundo de 2006, mas a ressaca tomou conta do elenco, que não conseguiu a vaga.

Nos anos seguintes, a intensidade do esquadrão grego diminuiu, a Euro não foi reconquistada em 2008 (na ascensão da Imortal Espanha campeã do mundo). A equipe até se classificou para a Copa de 2010, mas não passou da fase de grupos – embora tenha vencido seu primeiro jogo em Mundiais, 2 a 1 sobre a Nigéria. Rehhagel deixou o cargo em 2010 e os gregos nunca mais conseguiram o mesmo protagonismo de 2004.

Em 2014, a equipe até se classificou para as oitavas de final da Copa do Mundo, mas caiu nos pênaltis diante da grande zebra daquele torneio, a Costa Rica, que fez a Grécia provar do próprio “veneno” ao aplicar o defensivismo em grande parte de um jogo decidido apenas nos pênaltis.

Desde então, os gregos esperam que uma nova geração volte a levar o país a uma glória tão incrível como a Euro de 2004. Enquanto isso não acontece, fica a história mitológica de tempos em que a Grécia teve uma seleção de futebol que derrotou titãs e conquistou o que pode ser o Olimpo do futebol europeu. Sendo esta a maior zebra da história das competições europeias.

Euro 8
A Euro de 2004 foi maior título da história da seleção grega (Foto: UEFA)