Em tempos de Oscar, é impossível não notar a ausência de produções brasileiras nas indicações. Em 2022, o único filme brasileiro a ser citado na premiação foi “Onde eu moro”, de Pedro Kos. São vários fatores que refletem essa falta de representatividade brasileira no audiovisual, como o sucateamento do setor cultural e das leis de incentivo no Brasil, a marginalização da arte em governos conservadores e a “síndrome do vira-lata”, que é o termo utilizado para o comportamento da população brasileira de desvalorizar a cultura do próprio país.
A censura é uma das principais vertentes de governos fascistas. A história dos regimes autoritários começa pela criminalização da arte, do pensamento crítico e de movimentos artístico-sociais. O filme “Marighella”, dirigido por Wagner Moura, conta a história do político, escritor e militante comunista Carlos Marighella e teve de adiar sua estreia devido à censura do presidente Jair Bolsonaro, que declarou publicamente por diversas vezes que agora, os filmes produzidos com dinheiro público, passam por uma espécie de “filtro”. Não só a proibição, como o desmonte da Agência Nacional de Cinema (Ancine) foram os principais fardos da gestão Bolsonaro no setor cultural. Em novembro de 2021, o Secretário da Cultura, Mário Frias, afirmou, em live, que “acabou a bagunça na Ancine”, depois desta passar por cortes significativos de verbas.
É fato que o cinema brasileiro vive um momento de crise. Sem dinheiro nos editais de audiovisual, as produções caíram. Em meio ao caos, a Lei Paulo Gustavo foi aprovada para beneficiar uma pequena parcela do setor cultural. O texto propôs um investimento de R$4,3 bilhões até o final de 2022 e incomodou o Frias, que tentou, sem sucesso, derrubar o projeto. A estudante de Cinema e Audiovisual da FAAP, Mirella Tozetto, afirmou que a medida foi de extrema importância, pois “a cultura no Brasil é largada e este projeto deve fortalecer ou implantar a arte em locais em que ela não é tão presente”. Ela ainda explicou que a lei é bem estruturada e “tem muito potencial para mudar o alcance da cultura em todos os estados do Brasil, dando mais oportunidades para artistas, apreciadores e pessoas que não tem acesso diretamente e frequentemente”.
A síndrome do vira-lata
Não só o presidente desvaloriza a cultura do seu país, como os próprios brasileiros o fazem. É comum ver salas de cinema vazias quando o filme em cartaz é brasileiro. Existe também uma massificação dentro do cenário, pois filmes de grandes produtoras, como da Globo Produções, chegam mais facilmente ao senso comum que produções independentes, com um caráter mais artístico e que requer um repertório sociocultural um pouco mais rebuscado.
A postura do brasileiro é de supervalorizar os objetos culturais de outros países, deixando a sua própria história de lado. Mirella apontou que o brasileiro tem preconceito com o que é produzido no próprio país, o que prejudica o alcance dos curtas e longas nacionais. Esse fator interfere diretamente no porquê em eventos como o Oscar, não vemos uma quantia relevante de nomes brasileiros indicados.
”Infelizmente, no Brasil as pessoas têm uma noção de que a cultura como teatro e filmes que não são blockbusters são feitos para a elite” disse a estudante. Ela explicou que a burguesia se aproxima com mais facilidade de projetos culturais, “o que é horrível para a economia e inteligência do cidadão brasileiro”. Isso ressalta a importância das leis de incentivo que expandem o acesso à cultura para as classes menos favorecidas, aquelas na qual a arte e a cultura não chegam. Não há como admirar aquilo que não se conhece, e é por esse motivo que os museus de arte contemporânea estão vazios: o conhecimento e o estudo de arte no Brasil é sucateado desde o ensino básico, que não oferece disciplinas suficientes para o desenvolvimento de um repertório.
Ainda que nem todos tenham acesso, às produções da Indústria Cultural são mais acessíveis financeiramente, ideologicamente e geograficamente, pois filmes grandes, como por exemplo os da Marvel, estão disponíveis em todos os cinemas, desde Shoppings centers até salas pequenas em cidades do interior.
Democratização do acesso ao cinema
Tema do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2019, a falta da democratização do acesso é outro fator que justifica a precariedade do cinema nacional. Com ingressos custando em média 60 reais e o cenário econômico em crise, as classes mais pobres deixaram de consumir o cinema tradicional, nas telonas, e voltaram a aderir à pirataria. O acesso aos filmes populares foi dificultado e quando se trata de produções independentes, encontradas somente em cinemas de rua, majoritariamente localizados em grandes centros urbanos (como o Belas Artes, Reserva Cultural, em São Paulo), fica ainda mais difícil.
“As obras brasileiras são mal distribuídas dentro do próprio país”, disse Mirella. Ela pontuou que o melhor caminho para melhorar a situação é, de fato, a valorização do setor artístico por meio das leis de incentivo, citadas anteriormente. A falta dessas políticas públicas resulta na quase inexistente quantidade de obras conceituais, dando margem apenas para filmes de comédia, romance e entretenimento ao público geral.