A despolitização de um símbolo nacional

Como e por que a Nike adotou a estratégia de despolitizar a camiseta da seleção brasileira no período pré-Copa do Mundo.
por
Antônio Valle
Christian P. Policeno
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21/10/2022 - 12h

No final do ano ocorre a Copa do Mundo, evento no qual a camisa verde e amarela brilhou muitas vezes. Acontece que, para a deste ano, a camisa da seleção brasileira chega em um contexto diferente: incorporada fortemente no jogo político do Brasil. Porém, não é a primeira vez que isso ocorre.

No período ditatorial, Emílio Médici tentou usar os triunfos da seleção canarinho, para promover seu governo autoritário. Recentemente, a partir das manifestações de junho de 2013 e das manifestações pró-impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, os caminhos da camisa amarela voltaram a se cruzar com a direita nacional. Isso se aprofundou no período pré-eleitoral de 2018, com a ascensão do então candidato Jair Bolsonaro, que adotou a camisa como a representação de uma ideia de nação brasileira, amparada no que é chamado de “bolsonarismo”, identificada com ideias conservadoras.

O professor da faculdade de educação da UFRJ, Antônio Soares, explica: “A novidade desta vez, é que o bolsonarismo capturou esses símbolos da nação. A esquerda possui uma cultura mais internacionalista, do que nacionalista, a direita obteve mais facilidade de ter estes símbolos nacionais [...] como ele [Bolsonaro] não tem partido, se incorporou deste símbolo nacional, que era de todos, mas que hoje representa aqueles que supostamente querem defender toda a retórica do conservadorismo”

Maria Golobovante. Foto: Departamento de arte Faficla (PUC-SP).
    Antônio Jorge Soares. Foto: Sérgio Settani Giglio.

No meio dessa disputa de símbolos, muitos brasileiros se afastaram das cores verde e amarelo, e consequentemente da camisa da seleção. A Nike, patrocinadora e fornecedora do material esportivo, como estratégia de venda, tentou afastar a “amarelinha”, do cenário político. Para o lançamento das camisas, a marca buscou esportistas, figuras da internet e músicos. Entre eles estão Djonga e MC Hariel, que já se posicionaram contra o atual presidente. O rapper mineiro, que é patrocinado pela empresa, é visto como “trunfo” para despolitizar a camisa.

Em show no Mineirão, em abril deste ano, Djonga puxou gritos de “Fora Bolsonaro” enquanto vestia a camisa canarinho. Também soltou a seguinte frase: “com essa camisa aqui [da seleção] é mais gostoso de ouvir vocês gritando, porque os “caras” [bolsonaristas] acham que tudo é deles, eles se apropriam do tema família, eles se apropriam do nosso hino, eles se apropriam de tudo. Mas é o seguinte: é tudo nosso e nada deles”.

O professor explica: “Claramente é intencional, eles querem desvincular a imagem, tem uma tentativa de se reapropriar a camisa da seleção, para que o povo não fique dividido, provavelmente as pessoas de marketing estão pensando nisto.”

Trazendo para a perspectiva comercial, a Nike declarou para o jornal Valor Investe que a Copa do Mundo deve trazer um lucro de 250 milhões de reais para a marca. Os dados sobre as vendas da nova camiseta ainda não foram divulgados, mas já é possível notar que o produto é um sucesso. Prova disto é que elas já se esgotaram no site da empresa. As camisas são vendidas por R$350,00.

A professora Maria Golobovante, graduada em publicidade e propaganda pela UFPA, diz que a alta nas vendas era esperada e arrisca um palpite. Entre ideologia e paixão pelo futebol, quem decide é o bolso: "os progressistas - fora os mais radicais, que não comprarão a camiseta de forma alguma - vão adquirir a camiseta se possuírem condições financeiras para isto.”

Maria Golobovante. Foto: Departamento de arte Faficla (PUC-SP).
 Maria Golobovante, professora do Departamento de Arte, Faficla   (PUC-SP). . Foto: Divulgação       

Apesar do esforço para salvar a canarinho, a marca decidiu garantir os lucros com outra cor. Investiu pesado na divulgação da segunda camisa, a azul. “Além do uso dos artistas [...] eles (Nike), deslocaram a camiseta do amarelo para o azul, e trouxeram á tona a questão das “marcas”, fazendo referência a onça pintada e ao pantanal”, analisa Golobovante.