Nos anos de 1970, em pleno tremor econômico causado pela crise do petróleo, surge um modelo de produção que prometia viabilizar lucro e democratizar a moda. Grandes quantidades de roupas, com mínimo custo de confecção , produzidas em tempo recorde, caracteriza o Fast Fashion. O modelo se alastrou pelo mundo e, no Brasil, foi adotado por marcas de varejo.
Realizado nos Estados Unidos, em dezembro de 2024, a pedido da deputada americana Chellie Pingree, o primeiro relatório federal obrigatório sobre o impacto do fast fashion no cenário ambiental foi divulgado com exclusividade pela Teen Vogue americana. O documento foi solicitado por Pingree – fundadora do Slow Fashion Caucus, um movimento que promove a economia circular de têxteis nos EUA – ao Government Accountability Office, com o intuito de demonstrar, de maneira clara, mediante dados, o que o desperdício resultante da produção de fast fashion está causando ao meio ambiente.
Os números são alarmantes, mas não surpreendentes. O relatório concluiu que nos últimos vinte anos, houve um aumento de cerca de 50% dos resíduos à base de poliéster em aterros sanitários. Mas, segundo Pingree, a constatação é incerta e pode esconder dados ainda mais perigosos, já que a indústria da moda possui um grande déficit de informações – o desperdício nunca foi medido até hoje e, os poucos dados fornecidos, são desatualizados. Assim, o documento também auxilia na constatação desses números e facilita o caminho para encontrar soluções.
Impulsionado pela explosão do comércio online durante a pandemia de coronavírus, o setor de moda viu suas vendas dispararem no primeiro semestre de 2020. De acordo com levantamento da Ebit/Nielsen, entre janeiro e junho deste mesmo ano, o segmento movimentou R$ 38,8 bilhões, resultado de 90,8 milhões de pedidos realizados, caracterizando um salto de 47% em relação ao mesmo período de 2019. Nesse cenário, o modelo de produção Fast Fashion ganhou ainda mais força nas redes sociais e se espalhou com rapidez. Porém, por trás desse crescimento acelerado, surgem diversas controvérsias e impactos negativos associados à sua lógica produtiva.
Uma cadeia de problemas
A descoberta mais oportuna relatada no relatório da Government Accountability Office é a descrição do problemático sistema de desperdício têxtil. Para Teen Vogue, a deputada americana afirmou: “As pessoas estão comprando muito mais roupas agora, usando-as por um período de tempo muito mais curto, jogando-as fora, e elas estão acabando em nossos aterros sanitários. E elas não estão apenas sendo jogadas fora, mas, como o relatório enfatiza, elas podem se transformar em qualquer número de elementos nocivos, seja gás metano na atmosfera ou microfibras de plástico que podem levar para as águas subterrâneas ou para o oceano.”
Além do desenfreado aumento na produção de roupas por parte das marcas, a preocupação também recai na falta de uma infraestrutura que viabilize aos consumidores uma circulação dessas peças. O relatório também deixa evidente a necessidade de regulamentação que torne as marcas que comercializam nos Estados Unidos responsáveis por esses resíduos.
Apesar de já existirem medidas e leis federais americanas que promovem o consumo de moda mais sustentável – como o projeto de lei Americas Act, da American Circular Textiles, que busca melhorar a reciclagem, e o The Fabric Act, que tem o intuito de aumentar os salários da indústria e, como consequência, criar mais empregos – agora, a grande preocupação é simbolizada por uma Casa Branca e um Senado preenchidos de republicanos, que historicamente não trazem a agenda ambiental como sua prioridade.
Sobre essa questão, Pingree argumenta que posteriormente já trabalhou com muitos políticos republicanos, e acredita que apesar de seu foco não ser a poluição, o número crescente de importações da China e a perda da manufatura de trabalhadores americanos, pode significar um caminho estratégico na busca de apoio.
Outro ponto é o impacto social da cadeia produtiva da moda, especialmente no modelo Fast Fashion: a ausência de garantias quanto ao volume de produção faz com que muitas empresas optem por manter um quadro mínimo de funcionários contratados. Quando a demanda cresce, o serviço é repassado para terceiros, em processos de terceirização, quarteirização e até quinteirização, muitas vezes de maneira informal e com remuneração ainda mais baixa. Esse cenário cria terreno fértil para a exploração da mão de obra, inclusive em condições análogas à escravidão.
Casos de trabalho escravo têm sido identificados em países como China, Bangladesh e Camboja, mas também em nações americanas. A discussão sobre as condições em que essas peças são produzidas ganhou força nas redes sociais, especialmente em relação a grandes plataformas de e-commerce, como a chinesa Shein, que é frequentemente criticada pela falta de transparência sobre sua cadeia de produção. O tema, no entanto, não é novo: em 2011, a varejista Zara reconheceu, durante depoimento à CPI do Trabalho Escravo da Assembleia Legislativa de São Paulo, que uma de suas fornecedoras terceirizadas utilizava mão de obra escrava, sem que houvesse qualquer fiscalização da empresa sobre esse processo.
Uma solução para o Fast Fashion: o Slow Fashion
O movimento Slow Fashion vem ganhando espaço como uma resposta consciente às práticas aceleradas e nocivas do Fast Fashion. Com foco no design durável, essa vertente prioriza a produção de peças com maior vida útil, utilizando tecidos sustentáveis e técnicas como o tingimento natural, que causam menos impacto ambiental. O conceito ganhou força a partir de 2004, impulsionado por uma corrente que defende a transparência na cadeia produtiva e a aproximação entre quem fabrica e quem consome. Dentro desse contexto, destaca-se o modelo industrial conhecido como "Cradle to Cradle" (do berço ao berço), que propõe a reutilização dos materiais têxteis, evitando o descarte e reinserindo as peças na cadeia de produção. Outro reflexo dessa mudança de comportamento é o crescimento de brechós on-line, que oferecem roupas de qualidade por preços acessíveis, reforçando o consumo consciente.

Com um suspiro de alívio, Chellie Pingree acredita que os jovens cada vez mais priorizam movimentos de revenda e reutilização de vestuário, e podem ser os responsáveis por liderar um caminho de consumo mais sustentável, apesar da preocupação com os prejudiciais cortes de orçamento.
O relatório estadunidense finaliza com seis recomendações diferentes sobre como as agências governamentais podem lidar com o desperdício, talvez estabelecendo um mecanismo que coordene os esforços federais na circularidade têxtil e envolver participantes federais para estabelecer metas e necessidades, visando resultados que beneficiem a sociedade na totalidade.
A adoção de práticas mais éticas e sustentáveis na indústria da moda teria um impacto direto na estrutura atual do mercado, especialmente na redução dos lucros excessivos obtidos por grandes redes varejistas. Para que esse cenário se concretize, seria necessário valorizar o custo real do tempo de produção, investir na melhoria da qualidade das peças e reavaliar estratégias de marketing promocional com foco na contenção de gastos. Como resultado, o mercado passaria a oferecer uma quantidade menor de produtos, porém com maior durabilidade, qualidade superior e preços mais alinhados ao valor real do trabalho envolvido. Nesse modelo, os produtores garantiriam retorno financeiro com base em volumes menores de venda, mas com margens mais justas, evitando a exploração da mão de obra. Já os consumidores se beneficiariam com produtos menos descartáveis e mais sustentáveis, contribuindo para um equilíbrio entre consumo, ética e responsabilidade.