Desalento aumenta com impactos da pandemia

Indicador mostra desempregados que desistiram de procurar trabalho; 5 milhões estão nessa situação
por
Maria Alice Prado
|
08/07/2020 - 12h

O desalento é um fenômeno que atinge cada vez mais pessoas no mercado de trabalho brasileiro.  Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) com dados da Pnad Contínua (IBGE) mostra que o número de desalentados passou de cerca de 2 milhões em 2012 para cerca de 4,9 milhões ao final de 2019, um aumento  de quase 153%. Para este ano, as perspectivas são ainda mais pessimistas. A última pesquisa do IBGE, que avalia dados do trimestre encerrado em abril de 2020, mostra como a pandemia da Covid-19 está intensificando os problemas já existentes na dinâmica de empregos da economia brasileira e vai piorar ainda mais esse indicador.

O IBGE apontou que o contingente de pessoas desalentadas foi estimado em aproximadamente 5 milhões no trimestre de fevereiro a abril de 2020, o maior patamar da série histórica. Essa estimativa apresentou aumento de 7% em relação ao trimestre anterior (novembro de 2019 a janeiro de 2020), o equivalente a 328 mil pessoas que estão fora da força de trabalho. Ou seja, não estão empregadas e nem tomaram providências efetivas para conseguir emprego. Segundo a pesquisa do IBGE, entre as razões apontadas pelos desalentados para desistir de procurar um emprego estão a falta de trabalho adequado, a crença de falta de experiência ou qualificação necessária, idade ou a convicção de falta de trabalho na localidade em que residem.

Entre os anos de 2014 a 2016, o Brasil enfrentou um longo período de recessão, com perda acumulada de 8,2% do PIB, de acordo com dados do Comitê de Datação de Ciclos Econômico (Codace). O mercado de trabalho continuou em condições ruins mesmo após o fim da recessão, tendo a taxa de desemprego começado a cair moderadamente só a partir do segundo trimestre de 2019. Uma das consequências desta perda de dinamismo na economia é o aumento do número de pessoas desalentadas. “Alguns especialistas estimam que, mesmo sem a pandemia, poderíamos ter que chegar até 2024 para voltar ao patamar de antes da crise, ou seja, 2014. Com a pandemia, a crise dos empregos vai se alastrar muito mais”, afirma Marcos Henrique do Espírito Santo, professor de economia da FMU.

Uma pesquisa feita pelo Ibre/FGV aponta que, historicamente, os desalentados são majoritariamente jovens, mulheres, de cor preta ou parda e com baixa escolaridade. Marcos Henrique explica que tal indicador tem piorado ainda mais com o isolamento social porque o Brasil tem cerca de metade da População Econômica Ativa (PEA) trabalhando na informalidade. Em tempos de pandemia, esses trabalhadores autônomos não têm condições de trabalhar e paralisam suas atividades. Já os assalariados são demitidos, aumentando a taxa de desemprego. Muitos que vão para o desemprego não procuram outras oportunidades ativamente, justamente por causa da crise econômica como a que o Brasil vive.

“O fato de sermos muito informais faz com que boa parte da população sofra com o isolamento. O vírus não escolhe classe social. Mas as condições no mercado de trabalho pioradas depois da Reforma Trabalhista de 2017, que reduziu os custos do trabalho para aumentar a taxa de lucro dos empresários, precarizam ainda mais a classe dos trabalhadores. Sobretudo com a autorização da terceirização, que resulta em muitos deles sem CLT e sem proteção social. São todos problemas estruturais piorados em função do isolamento”, analisa o professor. Além disso, muitas das micro e pequenas empresas vão ter que fechar as portas, com cerca de 90% dos postos de trabalho dessas empresas ficando inativos.

Clemente Ganz Lúcio, coordenador técnico do Departamento Sindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), aponta ainda mais problemas revelados pelo indicador. “O desalento mede a qualidade de uma economia na dinâmica do mercado de trabalho. O Brasil expressa um contingente elevado de pessoas que declararam precisar de um trabalho mas não têm perspectiva de obtê-lo, indicando a baixa qualidade expressiva do mercado”, afirma. Segundo ele, há um descompasso estrutural entre as necessidades do trabalhador de financiar seu orçamento para manter as despesas e a inoperância do mercado em dar condições para que ele atinja esses objetivos. “Portanto, é um indicador de desistência das pessoas em relação a sua economia, que é incapaz de gerar a quantidade de postos de trabalho suficientes em condições que as pessoas precisam para trabalhar”, completa.  

As sequelas da recessão econômica dos últimos anos agora se atrelam à política neoliberal de Paulo Guedes para conter a crise da pandemia. A combinação levará à elevação do desemprego, e consequentemente, a um aumento ainda maior do desalento. Segundo especialistas, a taxa de desemprego para 2020 deve variar entre 14% e 17%  o que significa atingir cerca de um terço da população de pessoas desocupadas e subutilizadas. Marcos Henrique aponta para um cenário de grande estagnação econômica nos próximos anos. Ele afirma que a política liberal de privatização das empresas nacionais e a confiança de investimento por parte dos empresários do setor privado não são medidas palpáveis para conter a crise. “Se o governo corta gastos, não existe previsão de demanda da população porque há alto desemprego. Logo, o setor privado também não vai produzir. É uma dinâmica perversa.” 

Clemente Ganz Lúcio enxerga um aumento na tensão social brasileira, já  que o atual governo não prevê instrumentos de proteção social para auxiliar pessoas com baixa renda nem para se manter, nem para procurar emprego. Seja no custo de investimento necessário para buscar vagas ou nos aparatos psicossociais para manusear a desesperança de conseguir um emprego. Com isso, o efeito da crise para o mercado de trabalho será dramático e de longa duração. “O risco apresentado de depressão econômica, para os desalentados, é uma situação sem saída no curto e médio prazo. É necessária outra dinâmica de política econômica, que ainda leva tempo”, afirma Clemente.

Marcos Henrique do Espírito Santo também ressalta a urgência de mudanças e aceleração de medidas de contenção de crise vindas do governo federal. “O Estado tem que criar políticas públicas e aumentar de fato a dívida para sustentar as pessoas, evitando que elas morram em primeiro lugar. O debate é sobre como criar renda mínima.” O professor propõe um investimento público a longo prazo por parte do governo federal para recuperar a infraestrutura das indústrias, que reúnem bons empregos com remuneração adequada para prover postos formais com carteira assinada para os trabalhadores.  

A oferta de empregos de interesse público, gerados pelos governos estaduais, pode ser uma saída para a crise, segundo Clemente. Desde apoio à saúde, retomada de obras e organização do espaço urbano, por exemplo. Essas inúmeras atividades podem ser financiadas diretamente pelo Estado, que ao contratar pessoas estará injetando dinheiro na economia e incentivando o consumo. É o ponto de partida para que as empresas privadas venham de forma complementar à geração de emprego. Só assim o governo se retira gradativamente para que a economia do mercado volte a girar. Clemente ressalta, no entanto, que essas medidas não podem ser feitas sem proteção social e sindical. Caso contrário, as taxas de desemprego podem diminuir mas acarretarão uma estrutura de mercado de trabalho precária, com menos renda e mais insegurança. “Socialmente injusto e inadequado”, finaliza o coordenador.