Desafios legais dos memes levam os risos aos tibunais

A história de Felipe Salvatore é um exemplo de como a Internet ainda está aprendendo a lidar com reprodução de imagem.
por
Lorena Basilia
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17/11/2025 - 12h

Por Lorena Basília

 

Os memes engraçados estão no cotidiano dos brasileiros, especialmente entre a Geração Z. Mas, por detrás das risadas, há um território complexo de direitos autorais e proteção de imagem, que nem todos percebem. Felipe Salvatore mergulhou nesse universo ao perceber na prática como o compartilhamento de vídeos pode gerar problemas jurídicos.

Durante seus estudos na Boston University, nos Estados Unidos, Felipe produziu um vídeo de análise do desempenho dos times de futebol brasileiros, São Paulo se destacava. Pouco depois, descobriu que a torcida organizada, Dragões da Real, compartilhou seu vídeo sem autorização e sem créditos. Foi então que ele entendeu que, na Internet, dar crédito não é suficiente: é preciso ter autorização expressa para usar qualquer conteúdo.

Atento ao crescimento desenfreado de vídeos virais Felipe começou a estudar as ferramentas que poderiam proteger criadores de conteúdo. Descobriu o Rights Manager do Facebook, o Content ID do YouTube e o formulário DMCA, que permite remover rapidamente conteúdos compartilhados ilegalmente. O formulário de DMCA (Lei de Direitos Autorais do Milênio Digital) é uma lei estadounidense que garante a proteção autoral, além de exigir que as medidas de proteção sejam cumpridas e o compartilhamento ilegal diminua no meio das redes sociais.  Hoje, o formulário é a forma mais rápida para o conteúdo ser desativado. Mas isso não tira o benefício de pleitear uma ação cível. 

 A experiência de ter seu vídeo desativado na página da torcida organizada, em menos de 24 horas, fez com que ele percebesse uma oportunidade de negócio. Junto ao irmão Alexandre, fundou a plataforma MyHood, dedicada ao licenciamento de vídeos virais, que garante direitos autorais e denúncia em caso de uso indevido.

Felipe observa que o problema não está apenas nas plataformas. Os próprios usuários precisam proteger sua privacidade e ajustar configurações de compartilhamento. Quando alguém grava ou captura vídeos de maneira ilícita, é possível recorrer à Justiça. No Brasil, a Constituição, o Código Civil e a Lei de Direitos Autorais asseguram indenização por violação de imagem, enquanto o Marco Civil da Internet e a LGPD reforçam a proteção de dados pessoais e a privacidade.

A situação se torna ainda mais delicada quando crianças e adolescentes aparecem em memes e vídeos virais. Felipe conta que já viu casos alarmantes, como o de Duda, uma menina que produzia conteúdo digital com a autorização de seus pais. Inicialmente, era apenas uma brincadeira divertida, mas aos poucos os responsáveis encontraram conteúdos da filha em outros perfis e tirados de contexto. A imagem dela sem consentimento, o risco de violação de direitos preocupou os pais. Eles decidiram desativar todas as redes da filha e interromper a produção de conteúdo. O cuidado com a privacidade e a proteção da infância se sobrepunha à fama digital. O caso de Duda é um alerta: mesmo quando o conteúdo é inofensivo, a exposição sem controle pode gerar consequências graves para a criança. Vídeos de menores em situações constrangedoras são virais na internet, mas não há nada de inocente em divulgar imagens de menores sem regulamentação . Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a proteção da honra e da dignidade de crianças e adolescentes é responsabilidade de todos. Isso significa que não apenas os pais, mas também empresas intermediadoras e páginas que replicam esses conteúdos podem ser responsabilizados judicialmente.

Para Felipe, o futuro da Internet passa pelo licenciamento de vídeos, para que os conteúdos sejam compartilhados de forma segura, com autorização clara e proteção contra uso indevido. Apesar das leis brasileiras já oferecerem certa proteção, ele reconhece que a legislação ainda tem lacunas, principalmente em relação ao compartilhamento em massa, consentimento presumido e responsabilidades das plataformas. Seu grande desafio é mostrar que um vídeo curto de internet merece a mesma proteção que uma obra cinematográfica, e que todos — criadores, usuários e plataformas — têm responsabilidade na preservação da imagem e da privacidade.