Dados pessoais têm preço no mercado digital

O CPF se tornou ferramenta de identificação e registros revelam a perda da privacidade nas redes
por
Juliana Salomão
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17/11/2025 - 12h

Por Juliana Salomão

 

Entre esmaltes, conversas e o som constante das notificações do celular, a profissional de manicure Maria Conceição percebe como o mundo digital exige das pessoas mais do que apenas tempo. Ela comenta que cada compra, seja no supermercado, no aplicativo da farmácia ou em uma loja virtual, envolve uma troca silenciosa. Ao digitar o CPF, os consumidores oferecem informações que raramente sabem como serão utilizadas, permitindo acesso a dados como e-mail, endereço, histórico de consumo e preferências de compra. Para Maria, cada registro é uma troca invisível: uma oferta aqui, um dado pessoal ali. Ela dizia que muitas pessoas inseriam o CPF quase no automático, sem perceber que aquele pequeno gesto revelava muito mais sobre elas do que imaginavam. Comentava que grande parte dos consumidores nem fazia ideia da quantidade de informações que alimentava diariamente, enquanto acreditava estar apenas concluindo uma compra comum.

Ela reflete sobre como o CPF deixou de ser apenas um registro fiscal e passou a se tornar uma das principais chaves de identificação no universo digital. Informações coletadas, armazenadas e organizadas alimentam um mercado bilionário de dados pessoais. Empresas especializadas, conhecidas como data brokers, compram e vendem perfis segmentados por idade, renda, localização, hábitos de consumo e até opiniões políticas.

Os dados obtidos a partir de ações cotidianas, como uma simples compra, se transformam em ferramentas estratégicas para marketing e publicidade, mas também podem moldar decisões importantes na vida das pessoas. Assim, anúncios se tornam mais precisos, campanhas publicitárias mais eficientes, e empresas conseguem atingir públicos específicos. Maria, no entanto, lembra que essa eficiência tem um lado preocupante. Vazamentos, perfis incorretos ou discriminatórios podem influenciar decisões de crédito, oportunidades de emprego e acesso a serviços. Para ela, cada clique deixa rastros que alimentam um poder silencioso, capaz de moldar trajetórias de vida de forma quase invisível.

Em seus atendimentos, ela também costumava mencionar que, se uma simples compra era capaz de revelar gostos e hábitos, outras ações provavelmente forneciam ainda mais detalhes. Para ela, essa sensação constante de estar sendo observada era silenciosa, mas presente, e quase nunca chegava de forma clara ao conhecimento do público. Acrescentava que, quando algum problema de dados vinha à tona, muitas vezes o dano já estava feito.

No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018) busca equilibrar essa relação, determinando que empresas coletem apenas o necessário e informem claramente para que os dados serão utilizados. A legislação garante direitos de acesso, correção e exclusão de informações, além de prever sanções que podem chegar a 2% do faturamento da empresa, limitadas a R$ 50 milhões. Mesmo com essas regras, Maria percebe que muitas pessoas desconhecem seus direitos e permanecem vulneráveis. Empresas já foram multadas por vender contatos telefônicos para campanhas eleitorais e por comercializar informações sem consentimento. Vazamentos em larga escala, como o da Netshoes, expuseram milhões de registros, mostrando que a vulnerabilidade digital pode afetar diretamente a vida de cidadãos comuns. Cada notícia desse tipo reforça que o que parece banal, como informar o CPF, carrega consequências invisíveis já previstas em legislação vigente. Ela lembrava de casos amplamente divulgados, comentando que, se empresas gigantes tinham dificuldades para proteger informações, as menores estariam ainda mais vulneráveis. Observava que o consumidor confiava nas plataformas sem saber exatamente onde estava pisando, o que tornava essa relação ainda mais frágil.

O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) complementa a LGPD ao definir princípios sobre privacidade, neutralidade da rede e guarda de registros online, mas especialistas apontam que a fiscalização ainda enfrenta desafios diante da rapidez das novas tecnologias. Maria observa que a ética na coleta de dados é essencial: o consentimento precisa ser claro e informado, evitando que usuários aceitem termos sem compreender totalmente o que estão autorizando. Apenas o estritamente necessário deve ser coletado e tratado com responsabilidade, sobretudo quando eles podem ser usados para outras finalidades. Ela reconhecia que quase ninguém lia os termos de uso e políticas de privacidade. Dizia que ela mesma raramente parava para analisar aqueles textos extensos, o que a fazia questionar se não estava autorizando mais do que deveria ao aceitar rapidamente as condições impostas pelas plataformas.

O uso de dados não se limita à publicidade e ao comércio. Ele se expande para o campo político, influenciando comportamentos e campanhas eleitorais. Nos Estados Unidos, empresas como Twitter e Meta foram investigadas por falhas na proteção de dados e pelo uso indevido de informações em campanhas de desinformação. No Brasil, a regulação busca evitar que práticas semelhantes comprometam a privacidade e a integridade do debate público. A dimensão desse impacto mostra que ações cotidianas, como digitar um número de CPF, fazem parte de um sistema muito maior, que conecta indivíduos e políticas em uma rede complexa de informação.

Durante o episódio do bloqueio da plataforma X, ela comentava que a situação parecia distante, mas afetava diretamente a rotina das pessoas. Observava como a dependência das redes sociais era profunda e como qualquer instabilidade mostrava a vulnerabilidade de trabalhadores e usuários, que dependiam desses espaços para vender, divulgar serviços e se comunicar. Foi o caso do episódio do bloqueio da plataforma X em 2024 que evidencia essa complexidade. A suspensão determinada pelo Supremo Tribunal Federal afetou o fluxo de dados, o mercado publicitário e levantou questões sobre a proteção de informações pessoais armazenadas em servidores estrangeiros. Durante cerca de 40 dias, a plataforma controlada por Elon Musk permaneceu inacessível, mostrando que a dependência de plataformas internacionais pode colocar em risco tanto dados quanto oportunidades de negócios. Mesmo em decisões legais, cada dado armazenado carrega implicações reais na vida de milhões de pessoas.

Cada CPF digitado, cada clique e cada registro digital deixam um rastro invisível que conecta o cotidiano à estrutura global de informações, já que por trás de números e algoritmos, ainda existem pessoas. A tecnologia sem transparência transforma-se em poder silencioso, e a privacidade se torna uma moeda invisível que circula entre empresas, plataformas digitais e cidadãos, exigindo atenção, consciência e reflexão sobre o valor de nossos próprios dados.

No fim de suas reflexões, ela afirmava que o mundo digital exigia aprendizado constante e que a proteção de dados deveria ser uma preocupação diária. Para ela, se as pessoas não se responsabilizassem pelos próprios dados, ninguém faria isso por elas. Acrescentava que, assim como cuidava das unhas das clientes com precisão e cuidado, acreditava que cada pessoa deveria tratar seus dados com a mesma atenção.