Com mais de 100 anos de história, a Portuguesa é um dos clubes de futebol mais tradicionais do estado de São Paulo. Apesar disso, vive um momento extremamente delicado dentro e fora dos campos. A portuguesa se afundou em dívidas e caiu sucessivamente nos campeonatos que disputava - estagnou na 2° divisão do estadual, perdeu a possibilidade de disputar a Copa do Brasil e ficou sem liga nacional.
Ainda assim, é impossível esquecer todas as contribuições do clube para o futebol brasileiro. Entre a década de 30 e os anos 80, a Lusa conquistou diversos títulos relevantes para a época: foram três campeonatos paulistas, dois torneios Rio-São Paulo e três fita-azul (troféu dado a equipes que retornavam invictos de excursões internacionais). O atual conselheiro e responsável pelo Museu da Lusa, Artur Cabreira, conta como era enfrentar os grandes do Estado: "Nós goleávamos o São Paulo, o Corinthians, o Palmeiras e o Santos [...] isso faz parte da história da Portuguesa."
Os rubro-verde também eram conhecidos pela capacidade de revelar grandes jogadores: Basílio, Djalma Santos e Ivair, o "príncipe do futebol", segundo Pelé são apenas alguns exemplos.
Além disso, o clube possui estádio próprio. O terreno tinha alguns campos de treino e foi adquirido em 1956 de Wadih Sadi - sócio do São Paulo que havia comprado o local do Tricolor no ano anterior. Inicialmente, apenas foram feitas algumas estruturas de madeira para poder jogar de forma oficial, seguindo as normas da Federação Paulista de Futebol; apenas em 1972 foi inaugurado o Estádio do Canindé - que seria renomeado para Estádio Dr. Oswaldo Teixeira Duarte em 1979.
Nos anos que precederam a tragédia, a Lusa era reconhecida pelo futebol ofensivo e com um toque de bola refinado. Em 2011 a equipe foi apelidada de "Barcelusa" - numa comparação com o estilo de jogo do Barcelona, equipe espanhola comandada, à época, por Pep Guardiola. O elenco contava com jogadores que anos depois se tornaram titulares nas maiores equipes do país - como o goleiro Weverton, atualmente no Palmeiras, e Willian Arão, volante do Flamengo.
A Portuguesa venceu a Série B do campeonato brasileiro de 2011 numa campanha histórica: em 38 jogos a equipe obteve 23 vitórias, 13 empates e apenas 3 derrotas. Marcou 82 gols (melhor ataque da história da competição) e sofreu apenas 32, tendo ainda ficado invicta por 21 partidas. Em 2012 a Lusa se manteve na primeira divisão, mas caiu no Campeonato Paulista depois de péssima atuação. Apenas um ano depois, o clube é campeão da Série A2 do Paulista e volta à elite, entretanto, o ano que começou com um título seria também o início de um declínio desesperador.
A escalação irregular
O ano de 2013 para a Portuguesa ficou marcado pela queda do time para à segunda divisão do campeonato brasileiro e o início da derrocada de um dos maiores clubes do futebol paulista.
No dia 8 de dezembro, Portuguesa e Grêmio se enfrentaram em confronto válido pela última rodada do Brasileirão. A partida era tranquila para ambas as equipes: a Lusa (que brigou contra o descenso durante o campeonato) teria que perder de 8 a 0 para ser rebaixada. Como era de se esperar, a partida não teve grande repercussão, terminando em 0 a 0.
No dia seguinte, entretanto, descobriu-se que esse jogo ficaria marcado para sempre na história do time do Canindé. O meia Héverton havia sido escalado irregularmente.
Inicialmente ele não iria para o jogo, mas uma série de lesões obrigou o técnico Guto Ferreira a relacioná-lo. O atleta havia sido punido por duas partidas, em razão de um cartão vermelho que recebeu no confronto da 36ª rodada, entre Portuguesa e Bahia. Com isso, o rubro-verde perdeu 4 pontos e terminou o campeonato na zona de rebaixamento.
Diversas acusações foram feitas sobre o caso Hevérton - uma delas é de uma possível corrupção dentro da Lusa, visando benefício de outras agremiações esportivas. Entretanto, em 2016 o caso foi arquivado no Ministério Público de São Paulo sem apontar nenhum culpado. O documento do MP diz que as provas até então produzidas “não indicaram indícios de que funcionários dos clubes envolvidos, ou mesmo terceiras pessoas, tenham contribuído ou sido coniventes com atos supostamente ilícitos, ou mesmo negligenciado de forma fraudulenta, imbuídos de interesses financeiros escusos”.
O processo arquivado não pôs fim à polêmica – o sentimento de impunidade e falta de respostas afligem o torcedor até hoje.
Artur Cabreira confidenciou como foi sentir o momento do rebaixamento: “Foi um desespero, acho que o Brasil inteiro não entendeu como que isso aconteceu [...] caiu uma ‘bomba atômica’ na cabeça da gente”. “2013 foi um tormento”, concluiu.
Para Rafael Zago, presidente da torcida organizada Leões da Fabulosa, o ano de 2013 serviu como ensinamento para que erros como esse não acontecessem mais. “Foi um divisor de águas para a Portuguesa. Eu acho que muitas coisas ruins que passaram pelo clube foram escondidas debaixo do tapete e a partir do momento que começou a decadência, acabou aparecendo as sujeiras. Hoje nós estamos vivendo um momento de limpeza. Espero que consigamos achar o caminho correto, com profissionais competentes”, diz o torcedor.
"A Portuguesa vai acabar?"
Entre 2014 e 2019, o clube de uma fabulosa história enfrentou capítulos de real desespero. Com quedas consecutivas protagonizadas muitas vezes por erros da diretoria, a Portuguesa foi da Série A do Brasileirão para nenhuma divisão nacional em um intervalo de cinco anos - no Campeonato Paulista, foi rebaixada em 2015.
A crise da Lusa não parou apenas no campo, mas extrapolou para as finanças do time. Durante esse período diversas dívidas foram acumuladas - e a estimativa é de R$500 milhões, segundo a vice-presidente da Portuguesa Denise Boni (que, atualmente, é a presidente interina do clube, em razão das férias do presidente Castanheira). Além disso, o Estádio do Canindé foi penhorado e os funcionários da Portuguesa estavam com salários atrasados, tendo 271 ações trabalhistas no ano passado. O interior do time do Canindé chegou a ficar sem linha telefônica e passou por diversos cortes de luz, além do sufoco para pagar as contas.
Esse momento de crise não foi fácil para os torcedores da Lusa, como relata Artur: “A humilhação que você recebe na rua, ‘ah a Portuguesa já morreu? Ela ainda existe? Lusinha?’”. Frases como essa eram constantes ouvidas pelos amantes do time rubroverde.
Amor e sacrifício
Em meio a tantas dificuldades, um elo maior fazia com que a Portuguesa não morresse: o amor dos torcedores pelo clube.
Apesar de jogos distantes e da crise enfrentada nos últimos anos, os lusitanos compareceram nas arquibancadas, cantaram os 90 minutos de todas as partidas e, nos últimos dois jogos em casa no Paulistão A2, lotaram o Canindé. Para Rafael, torcedor, o futebol é um amor fora do comum e a Portuguesa, sua família: “Quando se tem uma família, não dá para desistir”. Rafael ainda diz que a torcida foi peça fundamental para a reestruturação da Lusa.
Outra prova de amor pelo rubro-verde é o projeto SOS Canindé, idealizado por Artur. Ele já fazia trabalhos voluntários para melhorar as estruturas do CT e do clube desde 2017, através de um grupo de WhatsApp chamado “Vamos salvar o CT”. Ele enviou um áudio para seus amigos, explicando a situação precária em que se encontrava a cozinha do centro de treinamento da Lusa, algo que Emerson Leão, então consultor de futebol do time, havia reclamado.
No início, Artur arrecadou dinheiro suficiente para comprar utensílios de cozinha, exaustor, e ainda conseguiu um fogão industrial e dois cilindros de gás, dados por um amigo. Isso só foi o “pontapé” para uma grande rede de ajuda que se expandiu para outras áreas do CT e da área social do clube.
O projeto deu tão certo que eles tiveram a ideia de reformar o Canindé. Arrumaram os vestiários, com compras de torneiras, espelhos e lâmpadas. Pintaram todos os espaços do estádio e arquibancadas, além da marquise. Tudo isso foi feito a partir de torcedores da Lusa e de outros times: “Eu não fiz nada sozinho. Fiz com um pintor só, que foi o Lima, e junto com ele, a torcida de arquibancada - que assim eu chamava. Tinha até torcedores de outros times me ajudando: palmeirense, corinthiano, botafoguense e vascaíno”, conta Artur.
O SOS terminou esse ano, arrecadando ao todo “por volta de 500 mil reais”. Artur declara o seu amor pela Lusa, apesar das dificuldades: “Eu não abandonei a Portuguesa. Eu fiquei vindo aqui, quase todo dia, indo para o jogo e a gente perdia para todo mundo. Oficial de justiça todo dia, vaquinha para comprar isso, para comprar aquilo - cesta básica para funcionários, nem isso eles recebiam. Foram seis anos horríveis, não tínhamos um time de futebol, não tínhamos um clube, destruíram as piscinas.” Mesmo assim, desistir não é uma opção para ele: “Minha vida é aqui e vai ser até o meu último dia”.
Luta pela sobrevivência
Foi necessário buscar formas alternativas de arrecadar dinheiro. Algumas partes ao redor do Canindé foram arrendadas pela necessidade financeira da Portuguesa; o ginásio de esportes foi cedido à Igreja Renascer e o próprio estádio chegou a ser alugado em alguns momentos. Denise explica a necessidade: "Estamos alugando áreas comerciais do clube para poder pagar nossos compromissos.”
As festas também surgiram como outra fonte de renda. A Lusa é conhecida pelos eventos lotados sediados no Canindé e que trazem “um retorno muito bom” aos cofres do time do Canindé.
No fim de 2019, a Portuguesa realizou um pleito para definir a presidência do clube. Com o sentimento de que não havia espaço para erros, a chapa Real e Independente foi eleita. O rubro-verde precisava se organizar no setor financeiro e jurídico, visando equilibrar as contas e evitar novas cobranças por dividendos. Em 2022, a gestão chega em seu último ano com uma administração organizada no centro de treinamento. As dívidas trabalhistas eram prioridade e a presidenta interina contou o processo para apaziguá-las: “fizemos um acordo no TRT (Tribunal Regional do Trabalho) e na área civil, e estamos em fase de auditoria para fazer o acordo tributário.”
Dentro dos gramados, a Lusa foi campeã da Copa Paulista de 2020 e voltaria a ter uma liga nacional em 2021. Embora a conquista tenha dado esperança aos torcedores, logo viriam outras decepções: na Série D, a Portuguesa ficou em primeiro lugar no grupo 7. Na segunda fase encontrou o Caxias, e apesar de uma derrota por 1 a 0 no Rio Grande do Sul, a equipe conseguiu vencer em casa pelo mesmo placar - entretanto, acabou eliminada nos pênaltis.
A Copa Paulista parecia promissora e era parte do objetivo de voltar à Série D. Mesmo com a boa campanha, a Portuguesa caiu para o Botafogo-SP na semifinal e perdeu a sua chance - venceu por 2 a 1 em casa, mas foi derrotada por 3 a 1 fora de seus domínios. A eliminação culminou na demissão do treinador Alex Alves e no início de um novo planejamento.
Retorno à elite
Após a eliminação sofrida na Copa Paulista de 2021, a Portuguesa trouxe o técnico Sérgio Soares na expectativa de um recomeço vitorioso em 2022.
Apesar da desconfiança inicial da torcida, o treinador logo provou ser uma boa escolha. Sérgio explicou a importância da competição para a equipe: "É um momento muito importante para a Portuguesa [...] é um ressurgimento, voltar a enfrentar os grandes clubes de São Paulo, jogar clássicos. A caminhada é longa mas o clube começa a fazer seu alicerce para poder voltar onde merece estar", afirmou.
A Portuguesa marcou 32 pontos na primeira fase da Série A do Paulistão e garantiu a melhor campanha. Com isso, a Lusa ganhou o privilégio de resolver as partidas eliminatórias em casa.
Nas quartas de final, enfrentou o Primavera. As partidas foram equilibradas, mas gols nos acréscimos garantiram a classificação com um 2 a 0 no placar agregado.
A semifinal valia mais que apenas a vaga na final do torneio: caso vencesse, a Portuguesa conquistaria o acesso à primeira divisão do Campeonato Paulista depois de 7 anos longe da elite.
O clube saiu em vantagem ao vencer o Rio Claro por 1 a 0 fora de casa. A torcida entendeu a importância do jogo, e bateu o recorde de público da competição no Canindé. Foram quase 13 mil pessoas presentes para apoiar a Lusa. O time não decepcionou e, com um empate em 1 a 1, a Portuguesa avançou de fase e ascendeu à elite do futebol estadual. O lateral e capitão Luis Ricardo conta como o time se sentia sobre esse jogo: “Eu e meus companheiros nos sentimos responsáveis em poder contribuir de alguma forma. Em colocar a Portuguesa novamente na primeira divisão, no lugar que ela merece”.
Para coroar a campanha, restava enfrentar o São Bento na grande final. Fora de casa, um jogo equilibrado terminou empatado por 1 a 1. No Canindé, a Portuguesa venceu por 2 a 0 e se tornou campeã - foi o terceiro título da A2 na história do clube. A torcida novamente lotou o estádio e festejou muito o troféu: deu show com direito a "ola" e invadiu o campo para comemorar o feito junto aos jogadores.
A trajetória na Série A2 foi dominante. Em 21 partidas foram 13 vitórias, 7 empates e apenas uma derrota. A equipe marcou 29 gols e sofreu 8 - terminando como melhor ataque e defesa da competição. Luis Ricardo explica o que ele viu como essencial para esse resultado: “O mais importante foi a dedicação e o comprometimento dos jogadores e comissão técnica, isso fez toda a diferença para que pudéssemos conseguir esse acesso e sermos campeões", afirma.
Próximos passos
Embalada pelo título, a Portuguesa agora visa a conquista da Copa Paulista. O campeonato permite que os dois finalistas ganhem vaga em campeonatos nacionais, como Copa do Brasil e Série D do Brasileirão - o vencedor escolhe, e o vice fica com a opção rejeitada pelo campeão. O clube renovou com seu treinador e manteve quase todo o elenco que disputou o Paulista. O técnico Sérgio Soares conta sobre as expectativas para a competição: “A Copa Paulista é a minha Libertadores. [...] Eu encaro com muita tranquilidade e seriedade. O processo é longo e estamos buscando uma Série D. Mantemos a base do elenco e vamos brigar por algo maior, chegar no final e brigar pelo título.” A Lusa está no grupo 3 e estreia dia 03/07 contra o Água Santa no Canindé.
Fora de campo, a Lusa planeja se tornar uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol). O projeto foi aprovado com unanimidade pelos conselheiros e, segundo a presidente interina Denise Boni, “a SAF está em fase de elaboração”. Ela também confirma que já há investidores em potencial. Na reunião ficou acordado que a Lusa não venderá mais de 49% das suas ações, com a intenção de manter sempre alguém do clube à frente das decisões.
A torcida apoiou o time incondicionalmente e agora tem boas expectativas para essa temporada. O presidente da Leões da Fabulosa dissertou sobre: "Nós sofremos o que tínhamos para sofrer. A questão agora é melhorar e não sair dos trilhos. Espero muitas coisas positivas". Rafael também fala do papel da torcida nesse momento: "A torcida tem que estar fiscalizando, apoiando, chamando mais torcida, vamos levar gente para o Canindé. Ir em busca do título (da Copa Paulista) e de se manter na Série A do Paulistão. Vamos para cima!"