Por Barbara Ferreira
Após o fim da Primeira Guerra Mundial, o historiador Eric Hobsbawm (1917-2012) afirmava que os EUA eram uma economia internacionalmente dominante, ao passo que aquela guerra reforçou tanto a posição de maior produtor industrial quanto a de maior credor do mundo: as bases de um imperialismo econômico e cultural estavam postas. Entretanto, foi durante a Segunda Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, que os Estados Unidos foram reconhecidos por serem os grandes fornecedores de armas para os países em guerra.
No auge desse conflito, em 1941, o presidente Franklin Delano Roosevelt visava manter uma boa postura do país, incentivando Walt Disney, empresário estadunidense, a visitar toda a América em busca de aliados. Embora aliados seja um termo “desfavorável”, o intuito era compilar o patriotismo de todos os países da América para que juntos fizessem uma força maior, isto é, seria necessário criar certa relação com os países latinos, algo que a empresa Disney poderia alcançar durante o período e favorecer os EUA após a guerra.
Disney foi encarregado de visitar, explorar e entender a cultura dos países latino-americanos, construindo uma relação que fizesse com que a América do Sul admirasse os norte-americanos. Com isso, viu-se numa grande oportunidade de fazer com que esses povos se sentissem mais importantes, criando então a animação “Você já foi à Bahia?”, um filme que unia personagens como o pato Donald, representando os EUA, Zé Carioca, representando o Brasil, e Panchito, que representava o México; uma obra constituída por estereótipos e baseada na superfície de cada cultura. Nesse momento, a indústria cinematográfica norte-americana mostrou-se cada vez mais poderosa, defendendo a política de Boa Vizinhança com a América do Sul e atraindo os países com projetos e ações audiovisuais. A Soft Power era a forma como o governo norte-americano influenciava: não com o uso de armas, mas pela força da cultura.
Luciana Movais, professora de história, afirma que nesse sentido é possível citar os estudos de Horkheimer e Adorno e a criação do conceito de Cultura de Massa, em que a produção cultural se massifica e torna-se industrializada, contribuindo para a padronização das consciências coletivas e fazendo com que a arte perca sua característica de transmitir criticidade aos seres humanos, passando a estar a serviço do capital.
Deter do controle do entretenimento global foi, é e sempre será o objetivo dos EUA, a cultura dominante. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o “American Way of Life” surgiu e foi intitulado o modelo perfeito para se viver: consumo exacerbado e padronização social eram os ideais. Após os períodos de conflitos vividos durante a Primeira e Segunda Guerra, o modelo sugeria uma comemoração pelos EUA serem os EUA, uma sociedade em constante desenvolvimento de tecnologia, que mantinha estoque de armas e prezava pelo poder do exército. Vendiam a ideia de que o consumismo era vitorioso e trazia felicidade, dando espaço para o aumento da produção em massa e necessidade de compra.
Ao passo que televisores começaram a se tornar cada vez mais populares, o mundo desejou viver aquele estilo de vida e, em que o romance norte-americano era a meta, as músicas eram as melhores, comidas eram as mais deliciosas e a cultura, a mais avançada. Mas, não era bem assim… Transmitiram nos programas de TV e cinema, a liberdade (de compra) e a igualdade (de consumo) para todas as famílias do continente sob o projeto da América para os Americanos. Aproveitando essa condição industrial e de potência bélica, os sucessivos governos do pós-guerra traçaram uma diversidade de estratégias elaboradas a fim de que o país fosse promovido à cultura de referência global, fazendo com que o mundo assistisse atônito a desenfreada tentativa dos EUA de influenciarem globalmente a política, a economia e a geopolítica.
Indústria Cultural
Com produtos da indústria cultural, os EUA conseguiram atingir muitos países, principalmente o Brasil. Em meados dos anos 80 e 90, bebidas, cigarros, filmes, atores, livros, roupas, fast food, músicas, programas de TV e, logo depois, mídias sociais e plataformas de streaming, tomaram controle do entretenimento brasileiro, estipulando e estimulando os padrões de consumo e beleza no mundo, visto que o “Made in US” é o simbolismo que os brasileiros sempre buscaram.
O americanismo, continua a professora, não foi obra do acaso senão uma construção histórica. Quando menciona-se a ideia do ‘americanismo’ e seus reflexos, é imprescindível deixar de destacar a implantação ideológica dos EUA tanto na cultura do próprio país quanto na sua influência em outras nações.
A pintura de John Gast de 1872 retrata certa superioridade dos norte-americanos sob outras culturas. Promover desenvolvimento, avanço e modernização é o papel que acreditam ter no mundo, usando o progresso e democratização como desculpa na interferência em outros países. Na tela, toda luz faz referência a inovação proposta pelos Estados Unidos, e a sombra evidencia todos os povos que ainda não foram alcançados pelo desenvolvimento, sendo eles indígenas e/ou animais selvagens. Sendo o americanismo um conjunto de ideologias que os EUA criaram durante sua história, mantiveram-se crentes da solução absoluta na técnica (engenhosidade americana).
Hoje, como reflexo disso, o patriotismo brasileiro vai perdendo espaço (se é que em algum momento o conseguiu). Em 2021, com o lançamento de “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa”, a bilheteria nacional atingiu mais de 300 milhões de reais. A partir daí, ganhou ainda mais espaço de exibição, desfavorecendo e, ainda, descartando filmes, dentre eles nacionais, que estavam em cartaz nos cinemas na mesma época. O ponto é: este foi um pedido do público.
A cultura norte-americana está imposta no nosso cotidiano sem que precisemos pensar muito sobre. Acordamos, colocamos uma t-shirt e trabalhamos de home office. Na hora do almoço, vamos no fast food, seja McDonald 's ou Burger King, e à tarde, paramos para comer um hot dog e, quem sabe um cupcake.
No mercado, pegamos alimentos fitness e no final do dia, bebemos uma Coca-Cola, ao passo que postamos uma foto com hashtag no Instagram ou Facebook. Gravamos uma dancinha no tik tok e depois fazemos uma skin care antes de assistir algo na Netflix, HBO ou ainda um Big Brother. Estamos e sempre estivemos imersos na cultura USA, uma cultura de massa, padronizando nossa forma de pensar e agir.
O professor de História da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Antonio Pedro Tota, afirma que os Estados Unidos foram responsáveis pela construção de um modo de vida que facilita tudo, por isso os brasileiros começaram a imitar. Fazia-se necessário aos EUA aumentar sua influência mundial e a indústria cultural serviu à isso. O Brasil foi marcado, tendo em vista o projeto de massificação e exportação do AWL.
Na música Drugs, de Falling in Reverse, há a frase “The American Dream is a killing machine” [O Sonho Americano é uma máquina mortífera], em que o grupo de rock norte-americano não encara a massificação do American Way of Life como algo bom, transparecendo a opinião de certa parcela da população. Eles estão cobertos de razão, volta a afirmar o professor, pois em um certo momento, percebemos que a vida não é apenas esse consumo que o americanismo prega. O sonho americano é uma máquina mortífera porque as pessoas acham que estão se realizando, mas uma realização baseada apenas no consumo desenfreado, tal que provoca a alienação total da vida real.
Entende-se, que a exportação da própria cultura é o objetivo dos Estados Unidos, ideia construída a partir do patriotismo estadunidense, iniciado durante a independência do país e que usufrui da mídia como meio de propagação e imposição do imperialismo cultural, desenvolvendo novas técnicas para e pelo lucro capitalista. Os conteúdos culturais orientam e domesticam, propondo o consumo cultural imediato e alienação para o consumo máximo.