A cultura dos sebos

Como a comercialização de livros faz parte da economia circular e sustentável
por
Beatriz Vasconcelos
Laura Naito
|
22/06/2023 - 12h

Por Laura Naito (texto) e Beatriz Vasconcelos (audiovisual)

 

Gisele de Oliveira Paiva e seu marido, Alexandre, tinham uma paixão em comum por colecionar livros e antiguidades. Da vontade de compartilhar essa paixão com as pessoas, surgiu o "Sebo Pura Poesia" em uma garagem alugada pelo casal. O lugar foi montado pelos dois, com livros, uma máquina de café e uma garrafa de vinho. Aos poucos o local se tornou uma pequena comunidade, onde as pessoas iam para conversar e para compartilhar o amor pela leitura.

De 2017 a 2022, o sebo continuou na garagem até se mudar para seu lugar próprio, mas sem perder a essência. Agora, com mais espaço, o café e o vinho também são acompanhados por sorvete. Inicialmente o local era apenas um símbolo da relação dos dois, mas quando resolveram mudar para um local maior e empreender, Gisele, que era secretária executiva, deixou o seu emprego antigo para cuidar do novo negócio. Ela conta que hoje pessoas entram em contato com para realizar eventos e aproveitar o espaço que ela tem disponível, criando essa comunidade. O que começou como um hobby, hoje é uma fonte de renda. 

Os sebos podem parecer uma ideia ultrapassada, mas espaços como o de Gisele e Alexandre tem ganhado popularidade. É muito mais fácil ler um livro nos Kindles ou no próprio celular, mas com o aumento nos preços e a conscientização de sustentabilidade, os sebos estão reconquistando seu valor social e no mercado. 

Nos últimos anos as redes sociais tiveram um papel muito importante no aumento do interesse dos jovens pela leitura. Para os donos de sebos, saber utilizar dessa ferramenta pode aumentar a sua clientela. O engajamento e a divulgação de um simples vídeo, pode ser mais uma fonte de renda complementar. 

“Em novembro nós recebemos um casal que a gente mal conhecia e eles fizeram uma série de vídeos”, conta Gisele. No final de dezembro o vídeo foi publicado e trouxe um retorno positivo nos ambientes digitais. O casal ficou surpreso com a quantidade de pessoas que um único vídeo atraiu. 

Com a nova geração, uma das principais preocupações é a sustentabilidade, por isso a venda de livros usados vem conquistando cada vez mais espaço. “Quando a gente fala de tudo isso (revenda de peças antigas), a gente tá falando de economia circular. É algo que já foi de alguém. A pessoa já leu, gostou, mas agora não quer mais. E essas pessoas trazem esses livros pra gente, a gente compra e disponibiliza para outras pessoas também poderem ler”, conta Gisele. 

Para Leslie, é importante ressaltar que os sebos surgiram muito antes do conceito da economia colaborativa. "Na teoria, a economia circular não envolveria ganho monetário, seria apenas a troca e a sociabilização. Mas, como tudo no mundo capitalista em que vivemos, a necessidade de lucrar falou mais alto", ela explica.

O "Sebo Pura Poesia", no entanto, não tinha o objetivo de lucrar quando começou. Gisele conta que tudo começou como um hobby, mas quando tiveram que mudar o local, a proporção de tudo ficou muito maior, inclusive os gastos. Para manter o negócio aberto, ela fez do sebo uma prioridade e hoje ele é o seu único trabalho.

 

Economia Colaborativa

A economia colaborativa é um conceito recente, que surgiu por volta de 2010. Ela se resume em um modelo de negócios que tem como principal objetivo o compartilhamento de bens e serviços, em vez da compra. Isso pode ser feito por meio de locações, empréstimos ou diferentes modos de negociação. Também tem como um de seus pontos importantes a sustentabilidade, tentando reduzir o consumo excessivo. “Por isso os sebos se adequam perfeitamente nos princípios da chamada economia colaborativa”, explica a economista Leslie Belosque.

Segundo dados da Thredup Annual Resale Report, é esperado que até 2027 o mercado global de segunda mão quase dobre, atingindo US$350 bilhões. Também foi reportado que em 2012 os ativos ESG (meio ambiente, social e governança) representavam apenas 11% do mercado financeiro mundial. Para 2025, a meta é alcançar 50%.

O preço médio do livro subiu 5,19% em 2022, passando de R$ 41,28 para R$ 43,42. O faturamento do mercado aumentou em 2,54%, contando com a inflação. Segundo o Painel do Varejo de Livros no Brasil, a venda de livros aumentou 2,98% no ano passado. Foram vendidos 58,61 milhões de livros no país, 1,7 milhão a mais do que no ano anterior.

Com esse aumento nos preços, as pessoas buscam alternativas que cabem no bolso. Belosque conta que a economia colaborativa surgiu com o intuito de socializar o consumo, evitar o crescimento descontrolado do desperdício e intensificar e prolongar o uso dos produtos. Como consequência, essa economia promove uma melhora na vida de todos e  amplia o acesso para aqueles que não têm dinheiro para comprar produtos de primeira mão. 

"A economia colaborativa também tem uma preocupação com o meio ambiente, de você evitar jogar produtos bons fora e incentivar o consumo consciente", Leslie explica. O conceito da sociabilização de livros se alinha com os pilares da economia circular. A redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia, sem a necessidade de novas impressões de livros e gasto de papel.

Além de fornecerem produtos exclusivos e históricos, que não seriam encontrados em nenhum outro local. “A circulação é bem grande. A venda de livros é o nosso carro chefe”. Gisele conta que por semana são vendidos aproximadamente 300 livros, 1.200 por mês. A experiência de ir ao sebo e encontrar os livros já usados e gastos, é outro atrativo para os consumidores.

Leslie explica que a maior parte dos livros vendidos para os sebos são praticamente doações, pelos baixos preços que são adquiridos. "Mesmo que no sebo, você ainda compre barato, ainda sobra uma margem de lucro para eles, por que eles praticamente pagam um preço simbólico por eles." 

A cultura do sebo faz parte da economia colaborativa por mais que tenha perdido seu caráter original, de não utilizar dinheiro, ainda é interessante pela questão ambiental, de prolongar a vida útil de produtos.