A cultura do cancelamento

Uma visão psicológica e comportamental sobre o ato de cancelar
por
Gabriella Maya e Maria Clara Lacerda
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06/11/2020 - 12h

Com a era da internet cada vez mais avançada, a vontade das pessoas de fazer justiça só aumenta. A nova atual ‘cultura’ das redes, o “cancelamento”, hoje atinge proporções tão grandes, que são capazes de acabar com carreiras inteiras.  

O termo cancelamento nada mais é do que repudiar alguém por algum ato cometido e que a população (principalmente online) acuse errado. Mas não só repudiar, como também querer que a pessoa seja, de certa forma, esquecida por todos, e excluída das redes sociais. Em palavras diretas: fazer o máximo possível de comentários sobre tal pessoa, e depois deixá-la de lado.

Em 2020, este modo online de julgamento foi algo corriqueiro, visto que influenciadores, blogueiras e famosos não cumpriram a quarentena posta em prática em março no Brasil por conta do novo coronavírus. Casos como da cantora Luisa Sonza, da influenciadora Gabriela Pugliesi e da, também cantora, Marília Mendonça, nos servem como ótimos exemplos. 

Sonza foi cancelada por ter se relacionado com o cantor Vitão, logo após o fim de seu casamento com o ator Whinderson Nunes, sendo acusada de aproveitamento e traição. Já Pugliesi, fez uma festa logo após se curar do novo coronavírus e foi extremamente criticada, chegando a se desligar das redes por um tempo. Por fim, Mendonça foi acusada de transfobia em uma de suas lives e, assim, também foi “cancelada”, por um certo tempo.

Cada uma das famosas citadas se posicionaram de diferentes formas. E, embora as situações tenham sido bem diversas, a intensidade dos tais “cancelamentos” foi bem próximas. A questão é que, a maioria das pessoas que estão conectadas nas telinhas não se importam muito com assunto em si, mas sim com o fato de ter o que falar e comentar sobre determinado assunto. Quanto mais assunto e polêmica, melhor. 

Uma das entrevistadas deu sua opinião para a reportagem. A estudante Deborah Arruda, 19, diz que o cancelamento de Gabriela Pugliesi e Luisa Sonza, atingiram níveis diferentes nos debates. “Com a Luisa, o caso reflete muito a sociedade machista em que vivemos, e com a Gabriela é refletida uma falta de responsabilidade e empatia que uma pessoa seguida por milhões de pessoas pode ter.”  Para ela, o cancelamento das duas famosas não foi certo e, por mais que a estudante não acredite que houve algum erro no caso da cantora, as pessoas poderiam ter levado a discussão para algo mais socializado, não violento e machista. Segundo Deborah, a cultura do cancelamento só serve pra afastar as pessoas que agem e/ou agiram de maneira errada, da chance de encarar seus erros e de fato mudarem. 

Outra entrevistada, Yasmin Rodrigues, 19, opina sobre a cultura do cancelamento e diz que “uma vez que a internet é um amplo espaço de propagação de ideias, torna-se fácil disseminar achismos e interpretações de maneira rápida e viral, o que muitas vezes torna-se uma problemática, visto que o ciberespaço permite certa 'anonimidade' e intocabilidade, fazendo com que a empatia seja menos exercitada. por tais razões, acho a cultura do cancelamento muito falha no quesito transformador, ao passo que pode ser a faísca que incita um incêndio de problemas psicológicos, emocionais e que não só degradam a reputação e moral, mas podem afetar outros âmbitos da vida de uma pessoa, como social, acadêmico, profissional, e por aí em diante.”

Foto do banco de fotos Freepik
Foto do banco de fotos Freepik

Conversamos, também, com o psicólogo especialista na área comportamental Lucas Akira, para entendermos o que acontece em relação às pessoas que cancelam e que são canceladas. Lucas conta que o ato de punir não é a melhor maneira de transformar o comportamento de alguém, e que a punição pode gerar efeitos colaterais, como depressão e ansiedade. 

E não só isso, Akira diz ainda que “talvez possamos planejar uma sociedade que não haja esse tipo de envolvimento (de punir). Se eu pudesse escolher, produziria contingências educadoras, um processo de modelagem, onde a gente aprende, aos poucos, a evitar o que estamos prestes a fazer que possam julgar como errado.” Além da questão de punir, ele fala sobre a exclusão “penso que não é aceitável nenhum ponto no sentido de movimento para exclusão social de uma pessoa. Pensando que a função disso seria fazê-la aprender, mudar o comportamento dela e fazer uma ressocialização, com certeza excluir não é a melhor proposta.” 

Perguntamos também até que ponto seria aceitável o cancelamento de uma pessoa, visto que, muitas vezes isso ocorre com poucos motivos e questões pessoais - como no caso da cantora de Luisa Sonza. Ele fala que querer acabar com algo que é entendido como ameaça, era biológico e virou cultural; antes era para sobreviver, e agora é uma questão simbólica, de cultura. 

Ainda complementa que “um dos efeitos colaterais da exclusão é que o violentador fica mais refinado a violentar, tomando cuidado para não passar por determinados ‘olhos’ e violentar de uma forma que as pessoas não sintam vontade de ‘atacá-lo’. A medida que ele é cancelado, acaba gerando um refinamento no opressor.” Portanto, não teria muito um ponto de ser aceitável o ato de cancelar.

 

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