Na quinta-feira (20), pouco depois de anunciar a saída do técnico Fernando Lázaro, o Corinthians anunciou Cuca como seu novo treinador. O contrato tem duração de um ano e não possui multa rescisória para nenhuma das partes. A contratação gerou protestos por parte da torcida, o principal motivo é a condenação de Cuca por envolvimento no estupro de uma garota de 13 anos em Berna, na Suíça, em 1987. Na época, Cuca era jogador do Grêmio, de Porto Alegre, e foi condenado a 15 meses de prisão por atentado ao pudor com uso de violência. Além dele, outros três jogadores da equipe gaúcha - Eduardo Hamester, Henrique Etges e Fernando Castoldi - também estavam envolvidos.
O muro do Centro de Treinamento Doutor Joaquim Grava amanheceu com pichações na sexta-feira (21). Em uma das manifestações, uma faixa foi erguida com a frase “não estuprem o Corinthians”. Mesmo com os protestos, o nome de Cuca contou com o aval do apresentador e comentarista Neto, considerado ídolo do clube.
“Se eu fosse você, Duílio, eu contrataria o Cuca. Pra mim o nome é o Cuca. E outra coisa, esquece aí os lacradores em relação ao Cuca, esquece isso” - disse o apresentador em seu programa diário “Os Donos da Bola”, horas antes do treinador ser anunciado.
REAÇÃO DA ARQUIBANCADA
Em contrapartida, algumas das principais torcidas organizadas do Corinthians repudiam a contratação. A Camisa 12 relembrou a Democracia Corinthiana ao criticar o presidente do clube.
“Duílio, honre a história que seu pai construiu, como presidente da Democracia Corinthiana, e desfaça essa besteira histórica que você acaba de divulgar” - afirmou nota divulgada em uma rede social. Duílio Monteiro Alves é filho de Adilson Monteiro Alves, ex-diretor do clube, e integrante do movimento político que tinha como objetivo lutar contra a ditadura militar do Brasil, ficando conhecido como “Democracia Corinthiana”.
Outra torcida organizada a se manifestar foi a Pavilhão 9, que reafirmou seu descontentamento com o nome escolhido, e disse que não se pode pensar apenas em titulos.
“Não podemos abrir mão da nossa história somente por pensar em títulos” - finaliza a nota.
A Estopim da Fiel também se pronunciou através de nota em rede social e questionou o posicionamento do clube.
“O tal ‘time do povo’ será conivente com todas as atitudes vindas do técnico que foi apresentado em suas redes sociais hoje?”, diz a publicação.
Relembrando a hashtag “Respeita as Minas”, campanha promovida pelo Corinthians em favor dos direitos das mulheres, a Fiel Macabra emitiu uma nota em repúdio a contratação do treinador.
“A Hashtag Respeita As Minas, tanto propagada em suas campanhas publicitárias, cai por terra diante do que essa diretoria propõe a partir de agora para o futebol masculino [...] Jogaram a história do Corinthians no lixo” - diz um dos trechos do posicionamento.
Principal torcida organizada do Corinthians, a Gaviões da Fiel, foi uma das últimas a se pronunciar sobre a contratação de Cuca. Sem citar diretamente o treinador, a organizada republicou uma nota de um grupo político do clube, o Arquibancada 95, e direcionou as críticas ao presidente Duílio Alves.
“No último ano de seu mandato, Duílio Monteiro Alves deixou claro que o Corinthians está em um carro desgovernado ladeira abaixo. O maior clube do Brasil está à deriva e ele não tem a menor ideia do que fazer” - diz o posicionamento da chapa. (As notas na íntegra podem ser lidas abaixo).
APRESENTAÇÃO TENSA
Na primeira entrevista coletiva como comandante do clube, Cuca foi questionado sobre as acusações e manifestações por parte da torcida. O treinador se declarou inocente e contou a sua versão dos fatos.
“Tenho muita vaga lembrança de tudo que aconteceu, porque foi há muito tempo. Nessa lembrança que eu tenho, eu tinha 23 anos na época, nós iríamos jogar uma partida e pouco antes subiu uma menina no quarto que eu estava junto com mais três jogadores, era um quarto duplo, com duas camas de casal de um lado que fazia um ‘L’ e pegava duas camas do outro... Essa foi a minha participação nesse caso, eu sou totalmente inocente, eu não fiz nada” - disse o treinador.
Segundo Cuca, a vítima teria dito por três vez que ele não foi um de seus agressores.
“A vítima não sou eu, a vítima é a moça, e por três vezes a moça teve lá na frente e disse: ‘o rapaz não está’, se a vítima falou que eu não estava e eu juro por nossa senhora, que é o que eu mais adoro e amo na vida, que eu não estava, como que eu posso ser condenado pela internet, que no mesmo momento que te julga, te pune? [...] Lógico que é cabido o protesto dentro de tudo que é lido e passado, mas é isso. [...] Do fundo do coração, pode ter protesto, pode ter o que for, não é maior do que minha vontade de estar aqui” - afirmou.
Durante a apresentação do treinador, o presidente do clube, Duílio Monteiro Alves, foi questionado por jornalistas sobre a condenação de Cuca. O presidente afirmou que havia pesquisado sobre o caso e que acreditava na inocência do técnico.
“Se ele tivesse envolvimento, jamais seria técnico do Corinthians, mesmo que o crime tivesse prescrito e passado 100 anos. Mas a vitima não reconhece Cuca como envolvido. Ele foi condenado à revelia, por não estar no julgamento. O Corinthians jamais contrataria um estuprador” - disse Duílio durante a apresentação.
VERSÃO CONTESTADA
Na última terça-feira (25), o advogado suíço Willi Egloff, que acompanhou a adolescente envolvida no caso na época, em entrevista portal UOL, afirmou que Cuca foi reconhecido pela vítima como um dos abusadores.
“A declaração de Alexi Stival (Cuca) é falsa. A garota o reconheceu como um dos estupradores. Ele foi condenado por relações sexuais com uma menor” - contestou o advogado.
ENTENDA O ESCÂNDALO DE BERNA
Em Julho de 1987, o Grêmio participava de um torneio amistoso de pré-temporada em Berna, na Suíça. Cuca, na época com 23 anos, era recém-chegado de empréstimo do Juventude e disputaria aquele torneio junto à equipe gremista. No dia 30 daquele mês, o Grêmio se encontrava hospedado no hotel Metrópole. Segundo testemunhas, uma garota invadiu o edifício acompanhada de dois amigos com o objetivo de conseguir uma camisa do clube.
O grupo teria batido na porta do quarto onde estavam acomodados quatro jogadores, dentre eles, Alexi Stival, o Cuca. Os dois amigos que acompanhavam a menina teriam sido expulsos do quarto enquanto a porta se fechava com a garota dentro. No boletim de ocorrência registrado pela garota, ela relatou ter sido abusada sexualmente dentro daquele quarto.
O caso foi parar na justiça, com o julgamento final acontecendo dois anos depois, quando o Jornal Der Bund, principal jornal de Berna à época, publicou sobre a condenação.
“O tribunal criminal de Berna condenou, ontem, os três jogadores de futebol brasileiros. Alexi (Cuca), Eduardo e Henrique, do Grêmio Porto Alegre, foram condenados por atentado ao pudor e coação. O tribunal condenou o quarto jogador, Fernando, apenas por coação” - destacava a matéria.
O jornal também revelou o resultado de um exame pericial feito na vítima pelo Instituto de Medicina Legal da Universidade de Berna.
“Foram encontrados vestígios de esperma de Alexi Stival e Eduardo, não havendo como comprovar marcas de violência física, a vítima relata que ficou paralisada e em estado de choque durante o ato. Por isso, não conseguiu gritar ou se desvencilhar” - detalhou a reportagem. Essa informação foi confirmada pelo advogado Willi Egloff ao portal UOl.
PROTESTOS INTERNOS
Logo em sua partida de estreia, Cuca foi novamente recebido com protestos por parte da torcida em frente ao estádio Hailé Pinheiro - popularmente conhecido como Serrinha - onde o Corinthians perdeu para o Goiás pelo placar de 3 a 1, na 2ª rodada do Brasileirão.
No minuto 87 da partida, profissionais do departamento de futebol feminino do Corinthians publicaram uma nota se posicionando sobre o assunto. Pelas redes sociais, atletas como Gabi Portilho, Tamires Dias, Carol Tavares e o técnico Arthur Elias publicaram a seguinte nota:
“Estar em um clube democrático significa que podemos usar a nossa voz, por vezes de forma pública, por vezes nos bastidores.
‘Respeita As Minas’ não é uma frase qualquer. É, acima de tudo, um estado de espírito e um compromisso compartilhado.
Ser Corinthians significa viver e lutar por direitos todos os dias.”
Ainda na noite de terça-feira (25), Cuca, através de sua assessoria, divulgou uma nota sobre os episódios de protesto que o treinador vem enfrentando e das notícias veiculadas sobre o caso. Na nota, a assessoria afirma que não vai tolerar ofensas e que, a partir de agora, o técnico apenas vai se manifestar sobre o caso por meio de advogados, que contam com representantes na Suíça. O texto é assinado pelos advogados Beatriz Saguas e Daniel Leon Bialski.
“O treinador Cuca esclarece que está totalmente concentrado e empenhando toda a sua energia para o jogo decisivo que o time enfrentará amanhã e, diante das notícias veiculadas nos últimos dias a seu respeito, comunica que a partir desta nota, ele se manifestará e será representado exclusivamente por meio de seus advogados que contam com representantes na Suíça.
Desta forma, refuta as acusações que lhe são atribuídas, que remontam há mais de trinta anos e que foram investigadas e apuradas na ocasião.
O treinador segue desempenhando seu trabalho com lisura e honradez há décadas e, por essa razão, não deverá tolerar afrontas e ofensas contra sua idoneidade, caráter e integridade”
O Corinthians se prepara para enfrentar o Remo nesta quarta-feira (26), na Neo Química Arena, às 21h30, pelo jogo da volta da Copa do Brasil. Depois de perder o primeiro jogo por 2 a 0, a equipe paulista precisará vencer por três gols de diferença para se classificar no tempo normal, ou vencer com vantagem de dois gols para levar a disputa para os pênaltis, caso contrário o time estará eliminado da competição.
Confira a íntegra das notas divulgadas pelas torcidas organizadas do Corinthians:
CAMISA 12
“Viemos a público manifestar nossa total repulsa a uma das maiores vergonhas que o Corinthians acaba de nos impor, que é a contratação desse treinador. Nossa história jamais pode aceitar uma pessoa com um crime hediondo (condenado em trânsito em julgado) e que não cumpriu sua pena de 15 meses, entre seus quadros de funcionários.
O Corinthians foi fundado para ser o clube dos excluidos, dos pobres, que abraçou muita gente. O que está em jogo é a reputação de um dos maiores movimentos sociais desse País.
Não aceitamos que esse treinador use a camisa da Democracia Corinthiana, tão representativa em nossa história. Duilio, honre a história que seu pai construiu, como presidente da Democracia Corinthiana, e desfaça essa besteira histórica que você acaba de divulgar”.
PAVILHÃO 9
“Cuca não! Não queremos nossa história marcada, é inadmissível!
Um clube com a história do Corinthians, não pode aceitar uma contratação dessa e rasgar toda nossa luta. Direção, por acaso vocês já se esqueceram do escândalo de Berna?
Não podemos aceitar, porém o que esperar de uma diretoria que não possui o mínimo de preparo para comandar um clube da altura do Corinthians, não possui limites éticos. Alias, o que tem a dizer a diretoria de responsabilidade social sobre esse tipo de contratação?
E responsabilidade da torcida do Corinthians assumir o protagonismo no fomento a uma cultura responsável com relação ás violências que atingem a maioria de sua torcida. Não podemos abrir mão da nossa história somente por pensar em títulos”.
ESTOPIM DA FIEL
“Caros Corinthianos(as), por meio deste, viemos a público manifestar nossa total insatisfação com a contratação do técnico Cuca.
É inadmissível que um clube com a história do Corinthians tenha sua equipe principal dirigida por alguém que NÃO tem ética, e respondeu um processo criminal de tamanha crueldade.
Nossa história não pode ser rasgada dessa maneira, e não podemos admitir algo do tipo.
O tal "time do povo" será conivente com todas as atitudes vindas do técnico que foi apresentado em suas redes sociais hoje? Redes Sociais essas, que são usadas todos os dias com campanhas que vão de contrapartida ao que ele (cuca) foi condenado.
Exigimos a saída imediata de Cuca, nunca seremos coniventes com isso, e ressaltamos que nunca fomos procurados para tal decisão. Sem mais!”.
FIEL MACABRA
“Um clube de excluídos, de todas as raças, credos e crenças, não poderia jamais nos colocar na situação em que o Corinthians nos impôs hoje.
Um clube, cujo presidente, de uma familia Corinthiana tradicional, desonra toda a luta dos seus antepassados.
A luta pela democracia, perpetuada na história do Corinthians, está sendo manchada por uma diretoria incompetente e sem responsabilidade social como tanto pregam.
A Hashtag Respeita As Minas, tanto propagada em suas
campanhas publicitárias, cai por terra diante do que essa diretoria propõe a partir de agora para o futebol masculino.
Somos, e estamos totalmente contra, repudiando a contratação desse senhor, o qual não pronunciaremos o nome, como técnico de futebol do clube.
Jogaram a história do Corinthians no lixo.
Como Corinthians de alma, seguiremos apoiando sempre os 90 minutos. Mas que fique clara nossa posição totalmente contrária ia contratação deste senhor para o comando técnico.
O Corinthians é maior que tudo isso. E isso um dia acaba.
Fora Diretoria Incompetente.
Fora todo mundo”.
GAVIÕES DA FIEL / ARQUIBANCADA 95
“No último ano de seu mandato, Duílio Monteiro Alves deixou claro que o Corinthians está em um carro desgovernado ladeira abaixo. O maior clube do Brasil está à deriva e ele não tem a menor ideia do que fazer.
No terceiro e último ano do seu mandato, é nítido que ele jogou na lata do lixo todo o planejamento e toda a pré-temporada do Corinthians. Ele não tinha nenhum plano B para colocar no lugar do Fernando Lázaro (este quando assumiu o cargo de técnico no maior time do Brasil, não tinha as credenciais mínimas para ser técnico), a quem ele jogou na fogueira sabendo que não daria certo.
Duilio viu, jogo após jogo, o Corinthians piorar seu rendimento, ser eliminado pelo Ituano em casa, se complicar na Copa do Brasil e perder o primeiro jogo em casa na Libertadores.
E não telefonou pra ninguém, não examinou nomes, não fez contatos, nada. Nenhum plano.
Então fez o que sabe fazer de melhor: trouxe para o Corinthians o técnico mais controverso da história e o que menos tem a ver com o corinthianismo.
Que em alguns momentos jogou o nome do Corinthians na lama em suas entrevistas coletivas quando estava nos rivais. Duílio apagou incêndio com gasolina porque não tinha nem nunca teve um plano B e dividiu o povo corinthiano quando precisávamos de união.
O grupo Renovação & Transparência não pode continuar no poder na figura de Duilio, Andrés e todos os seus sucessores. O Corinthians precisa ser gerido com profissionalismo, e a camisa e a história do Corinthians precisam ser respeitadas”.