Por Carlos E. Kelm
Os efeitos da crise hídrica já reverberam em diversos setores da economia. Diante da falta de água nos reservatórios o governo acionou usinas termelétricas para suprir a demanda de energia, o que acabou encarecendo a conta de luz. A professora e pesquisadora, Clarice Ferraz, do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, questiona as medidas do Governo e avisa que o problema pode piorar.
“Há mais de dez anos a gente observa que as hidrologias não são as mesmas; os reservatórios não estão ficando com o nível de armazenamento elevado”, explica Clarice. Para a professora, a causa do problema é estrutural e medidas como a nova bandeira tarifaria de “Escassez hídrica” indicam que a crise vai continuar: “se o Governo não agir sobre o problema e ficar só remediando, podemos esperar que essa bandeira seja disparada com uma certa frequência”.
A principal fonte de energia no Brasil vem dos rios. O nosso grande potencial hídrico garante uma energia limpa e renovável, no entanto, existem fatores que podem interferir no ciclo das águas. Podemos dividir estes fatores em dois grupos: os de ordem natural e os administrativos. Para Clarice, a atual crise hídrica foi agravada por questões administrativas, “O problema é você ter um grande percentual de hidrelétricas e não prestar atenção no que está acontecendo com os seus rios, com o seu padrão de chuva, e continuar colocando fontes que sejam mais poluentes, que não colaborem com a transição energética”. A fonte em questão é a termoelétrica: gerada a partir da combustão, libera grandes quantidades de gás carbônico, por isso, vem sendo substituída em diversos países por fontes mais baratas e limpas.
Para Clarice, a crise deveria ser contornada com um programa de eficiência energética: “Dado que você tem muitas hidrelétricas com reservatórios, para remediar essa crise você deveria pensar como reduzir o consumo promovendo programas de eficiência energética, com estímulos verdadeiros a indústria, com trocas de equipamento, com auditorias que a gente faz nos prédios pra ver se tem alguma fuga. Então, saber consumir o recuso com o máximo de aproveitamento”, explica.
A professora considera que a seca está diretamente relacionada a fatores ambientais, como a deflorestação e as queimadas na Amazônia: “Desmatando a floresta lá na Amazônia a gente diminui os fenômenos dos rios voadores, que são trazidos aqui pra região sudeste. Afetando esse ciclo, teremos cada vez menos água. Falta planejamento e isso é responsabilidade do governo, sobretudo do poder executivo”
Clarice reafirma que continuar recorrendo a energias poluentes como a termelétrica pode agravar ainda mais um problema que é crônico. Mas então, por que optamos pelas termoelétricas? “O argumento normalmente usado, mas que já foi superado é o de que precisamos de uma geração que não oscile, e a eólica e solar têm uma variabilidade. Mas o padrão do Nordeste é espetacular, as eólicas geram muito bem, é uma coisa de recorde mundial mesmo. Então, a alegação é esta, mas isso não se comprova”, diz.
Outra explicação para a utilização da energia suja, seria o interesse econômico por detrás dessas usinas. Clarice revela que há pessoas se beneficiando da situação, “Todos os bancos. As pessoas que vão ganhar dinheiro enquanto o sistema não entrar em colapso, como foi o caso do Texas. Comercializadores; os seguradores dos comercializadores, as pessoas que estão por trás dessas térmicas novas” mas a professora prevê grandes prejuízos econômicos e diz que já existem empresas falindo por não perceber a escala do problema. “A gente tá nessa situação gravíssima hoje e a gente já sabe que ano que vem vai ser pior, por que todas as medidas que estão sendo tomadas contribuem para o agravamento do problema, e isso que a privatização ainda não entrou em vigor”, prevê.
Diante deste quadro, ela sugere fontes renováveis que contribuam para uma transição energética: “Somos um dos raros países, se não o País melhor habilitado a promover a transição energética, porque temos enormes estoques de água que podem ser usados como reservatórios de hidro-eletricidade. Sendo assim, a gente podia avançar no uso das renováveis, e como a energia que mais rapidamente entra em operação é a hidroelétrica de reservatório, qualquer oscilação das renováveis, a gente compensa com a água dos reservatórios”, conclui.