Os impactos da pandemia do novo coronavírus são perceptíveis na economia brasileira. Um desses reflexos é a queda da taxa de inflação e suas previsões para este ano. No último Boletim Focus, divulgado pelo Banco Central (BC) no dia 8 de junho, a projeção do mercado para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2020 caiu para 1,53%. Um mês antes, a previsão estava em 1,76% e, no fim de 2019, em 4,04%.
Este declínio é um reflexo da crise desencadeada pela pandemia de Covid-19, que provocou uma restrição no poder de compra da população e, com isso, uma forte queda da demanda no país. O nível da atividade econômica está tão baixo, que, se antes mantinha a inflação sob controle, agora a direciona para baixo da meta, mesmo com a alta do dólar pressionando para cima os produtos importados ou influenciados pela moeda americana.
Para este ano, a meta do governo para o IPCA é de 4%, podendo variar 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, ou seja, ficar entre 2,5% e 5,5%. A projeção atual do mercado, portanto, indica que o IPCA ficará abaixo do piso da meta deste ano. A meta é definida pelo Conselho Monetário Nacional, e fica sob responsabilidade do BC atingi-la, através de uma série de medidas.
Em situações de queda da inflação, a principal medida a ser tomada pelo BC é a redução da taxa básica de juros, a Selic. Essa é uma tentativa de reaquecer a economia, já que as condições de financiamento melhoram e crescem as possibilidades de compra. Atualmente, o juro básico está em 3%, mas, de acordo com as estimativas divulgadas no Boletim Focus, deve finalizar o ano em 2,25%
O economista Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores, diz que, ao reduzir a taxa Selic, o Banco Central cumpre um papel importante de injetar liquidez na economia (ou seja, aumentar o dinheiro em circulação), em benefício das empresas e das famílias. Ele defende que a instituição seja ainda mais ousada, tomando como exemplo a atuação do FED, o banco central americano.
Para Claudemir Galvani, diretor da Metha Consultoria e professor do departamento de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a inflação baixa, ainda dentro da meta, é positiva pois preserva o poder de compra, principalmente das classes mais baixas. Ele considera que a margem de 2% a 5% para o índice geral de preços é razoável.
Levando em conta essa mesma margem, Silveira aponta ser um índice civilizado, que ainda demonstra certo vigor da economia. Para ele, apesar de estar em queda, o IPCA ainda não motiva preocupações. Mas o momento exige atenção para as formas de controle e para a retomada do piso da meta. Galvani pontua que, se por um lado considera que a inflação próxima de 2,5% pode ser benéfica, por outro, os motivos que levam a ela preocupam – no cenário atual, a crise econômica por conta do coronavírus. O índice da inflação baixo, dentro da meta, pode ser considerado positivo, desde que a economia como um todo não seja sacrificada por isso. “Antes do coronavírus, a inflação já estava sob controle, por conta da forte concentração de renda e da alta taxa de desemprego, e não por controles adequados”, acrescenta o economista.
Deflação
Em maio, o IPCA registrou variação negativa (deflação) de 0,38%, a menor taxa desde o início do Plano Real, em 1994, perdendo apenas para o recuo de 0,51% ocorrido em agosto de 1998. No acumulado de 12 meses, o IPCA tem variação de 1,88%. Ou seja, se o ano terminasse em maio, o índice ficaria abaixo do piso da meta. Dos nove grupos de preços que compõem o índice, apenas três tiveram variação positiva em maio: alimentação e bebidas (+0,24%), artigos de residência (+0,58%) e educação (+0,02%). A maior queda ocorreu no grupo transportes (-1,9%), influenciada principalmente pela redução do preço dos combustíveis. .
A queda dos combustíveis está sendo determinada pela baixa histórica das cotações do petróleo. Com a demanda afetada pela crise da Covid-19, o produto passou a ter um excesso de oferta no mundo, o que derrubou o valor do barril. Além do petróleo, outras commodities têm pressionado a inflação para baixo.
As commodities são produtos de origem primária que possuem valor comercial e estratégico relevante no mercado mundial. Por serem primários, dependem diretamente dos setores para os quais são destinados, como a indústria, e seus preços são regidos pela oferta e demanda.
Considerado o medidor oficial da inflação, por ser o índice utilizado no regime de metas, o IPCA leva em conta nove grupos de produtos e serviços que fazem parte do orçamento de famílias com renda mensal de 1 a 40 salários mínimos.
Regime de metas
O regime de metas foi implantado no Brasil em 1999, a fim de orientar a política monetária do país. Esta, por sua vez, se caracteriza pelo controle do sistema econômico através da estabilização de preços.
Caso a inflação supere o teto ou fique abaixo do piso da meta – como é provável neste ano –, o presidente do Banco Central deve dirigir uma carta aberta para o ministro da Economia explicando as razões do descumprimento e esclarecendo possíveis novas ações.
Ao contrário do momento atual, durante a segunda metade do século 20 o Brasil registrou a inflação mais alta do mundo e enfrentou períodos de grandes oscilações. Em 1994, o estabelecimento do Plano Real conseguiu controlar a hiperinflação. “A inflação deixou de ser um grande problema da história do Brasil, e agora é o desemprego, a renda, e é em cima disso que as medidas cabíveis devem ser tomadas”, diz Galvani.