Por Bruno Lower Scaciotti
No ano de 2021, tivemos o prazer de acompanhar a Copa do Mundo de Futsal, maior evento global do esporte de salão. Infelizmente, o Brasil não conseguiu conquistar a taça, quebrando as expectativas de milhares de torcedores a época que confiavam piamente na seleção canarinho. Mas qual seria o motivo da decepcionante campanha? O elenco brasileiro dispõe de algumas das maiores estrelas do futsal mundial, no entanto, não levou em conta o desenvolvimento precoce das demais seleções que surpreenderam pela quantidade de jogadores brasileiros naturalizados.
A exemplo disso temos o Cazaquistão, que fez sua melhor campanha da história em 2021, ficando em quarto lugar na competição. A seleção da Ásia Central contou em seu elenco com peças importantíssimas, dentre elas, os brasileiros naturalizados Léo Higuita, Taynan e Douglas Junior. Logo, o país mostrou como a contribuição dos brasileiros pode impactar positivamente o desenvolvimento de outras escolas de futsal pelo mundo.
Porém, o fenômeno da naturalização envolve questões identitárias, políticas e pessoais. Em um passado não tão distante, ver um jogador naturalizado em campo gerava estranheza para muitos. Hoje, o número de atletas que defendem a camisa da pátria onde não nasceram fora, vem crescendo. Em 2016, cerca de 25 brasileiros disputaram a copa do mundo de futsal em outras seleções.
Além do Cazaquistão, a Espanha também se desenvolveu muito dentro das quatro linhas depois da chegada de brasileiros ao elenco, além de jogadores em si, os espanhóis também absorveram muitos conceitos da escola brasileira de futsal; resultado? Em poucos anos, a seleção Ibérica se tornou campeã europeia em 2016 e um vice campeonato mundial em 2012 e vem fazendo campanhas cada vez mais constantes ao longo dos anos.
Fora os atletas naturalizados, já para pensar na quantidade de jogadores que nosso país exporta para clubes de futebol de campo estrangeiros? Essa realidade, muito frequente dentro de campo, se demonstra também expressiva no salão. André Varela Lopes, também conhecido por “Pelezinho” ou “Pelé”, é jogador de futsal e atua no ADR Retaxo de Portugal, com passagens por vários clubes nacionais e estrangeiros.
Inserido neste meio desde 2003, quando se profissionalizou no time São Paulo / Barueri, Pelezinho, a carreira de André “Pelezinho” no cenário mundial do futsal é riquíssima e esboça quanto os atletas brasileiros podem agregar para o fortalecimento da modalidade ao redor do globo. Japão, Kuwait, Espanha e Portugal foram alguns dos países que tiveram a honra de vê-lo atuar dentro das quadras.
Por isso, a Agência de Notícias Mauricio Tragtemberg (AgeMT) conversou com o atleta para entender os motivos pelos quais tantos atletas brasileiros optam por conquistar espaço dentro do futsal em outras pátrias. Confira:
AgeMT | Na sua opinião, quais são os principais fatores que levam um atleta brasileiro a jogar fora do país? O que te motivou mais nessa escolha?
Acredito que a parte financeira e a expansão da carreira sejam os dois diferenciais. Qualidade de vida não entra muito em questão. O atleta apenas quer saber se estará bem instalado, em condições básicas de treino e se irá receber em dia. Até porque, a grande maioria pensa em retornar para o Brasil e não pensa em ficar nesses países pela qualidade de vida/cultura. O que mais me motivou foi a oportunidade de jogar em outro país e também, pela questão financeira. Em 2006 tive uma experiência internacional, disputei um mundial universitário na Polônia, com um estágio em Portugal, isto de certa forma abriu meus horizontes como um primeiro contato com relação às culturas diferentes e outras experiências.
AgeMT |Muito interessante! Sobre as suas passagens internacionais, houve algum país que teve a possibilidade de você se “naturalizar” e assim, defender a seleção local?
Em nenhum desses países tive essa oportunidade, mas provavelmente eu aceitaria. Joguei 2 anos no Japão. Lá o processo de naturalização é bem complexo.
AgeMT |Como você enxerga esse fenômeno da naturalização de jogadores estrangeiros em seleções principais? Sabemos que a procura por brasileiros é grande, na sua visão, isso é consequência da alta concorrência presente no cenário brasileiro?
De fato, há muitas joias brasileiras em outras seleções. Isso acontece pois é um tanto quanto difícil chegar à Seleção Brasileira. Esses países oferecem essas oportunidades (naturalização) e acaba que tais atletas são pagos pra isso podendo assim, disputar uma copa do mundo, que é o sonho de qualquer atleta.
AgeMT |Você concorda que há uma valorização pelo futsal praticado no Brasil? Esse processo que mistura diferentes escolas de futsal e etnias é algo enriquecedor?
Com relação à valorização, o Brasil se perdeu por um período com problemas políticos na CBFS (Confederação Brasileira de Futsal) e isso enfraquece a modalidade. Em muitos países, tudo é muito novo ainda e estão sempre à procura de evoluir, algo que em nosso país já não acontece muito. O futsal mudou e é preciso estar atento a isso. Nível técnico, organização e estrutura são fatores que variam muito de país pra país. Cada um com sua realidade, mas vejo uma globalização que tem facilitado o crescimento da modalidade em todo canto do mundo. A Internet é uma ferramenta absurda para isso e cada vez mais tem contribuído para o desenvolvimento dos profissionais envolvidos.
AgeMT |Algo curioso da sua trajetória é sua relação com os estudos. Poderia contar um pouco dessa relação que você possui sendo um atleta em atividade e também um estudioso da área de Educação Física?
Fui um ponto fora da curva no esporte, estudei e me formei em 2005 em Educação Física e hoje estou cursando o Mestrado em Atividade Física aqui em Portugal. É meu segundo ano aqui no Retaxo. está sendo uma experiência incrível, é o clube de uma aldeia bem pequena, torcedores apaixonados e presentes. O ambiente é sensacional, disputamos a segunda divisão aqui e me motiva muito poder passar um pouco da minha experiência no dia a dia dos treinos e nos jogos. Já estou no fim da carreira, faço 38 anos no mês que vem. Agora só desfruto cada jogo como se fosse o último.
Desta forma, é possível compreender as razões deste crescente processo de naturalização brasileiro dentro do futsal estrangeiro. Um fenômeno que passa por diversos fatores e, assim, produz enorme propagação das raízes brasileiras. Essa "exportação de matéria-prima" brasileira, já há alguns anos normalizada, poderia resgatar um brilho para o ambiente das quadras no país, porém nos obriga a refletir muito sobre a valorização estrutural que damos à modalidade, sobretudo, aos nossos atletas.