A crise sanitária causada pelo novo coronavírus suspendeu quase completamente a atividade econômica de milhares de empresas. Lojas, restaurantes, shoppings e bares em todo o país foram fechados para conter o avanço da doença e estimular o isolamento social.
Enquanto uma parte da população está confinada, muitos trabalhadores têm de enfrentar o perigo da contaminação para suprir as demandas da sociedade. Entre médicos, policiais, jornalistas e tantos outros, os entregadores também estão entre os profissionais que se expõem ao máximo para que muita gente possa ficar protegida em casa.
Devido ao aumento da procura, o comércio enxergou as entregas como uma forma de continuar funcionando. "Os mais diferentes serviços, inclusive de diferentes atividades econômicas, fazem hoje a sua atividade por meio da entrega desses produtos", afirma Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Segundo o levantamento feito pela Corebiz, empresa de inteligência para marcas do varejo, as vendas online cresceram 330% em março só no setor alimentício, comparado ao mês anterior.
"As pessoas estão estocando tudo o que podem", afirma Junior Jesus, 31, associado à Rappi. "Perdemos muito tempo em mercado por um valor muito baixo, então temos que ficar mais tempo na rua", completa.
Com o crescimento acelerado de pedidos de produtos por delivery, a categoria enxergou a crise como oportunidade de trabalho. Empresas de entregas por aplicativo, como iFood e Rappi, registraram um aumento significativo no número de cadastrados em suas plataformas.
O vice-presidente financeiro e estratégico do iFood, Diego Barreto, informou à Reuters que, somente no mês de março, a plataforma recebeu cerca de 175 mil inscrições de candidatos interessados em atuar como entregadores, mais que o dobro das solicitações de fevereiro. Já a empresa colombiana Rappi chegou a registrar um crescimento de 300% no número de pedidos para cadastros de entregadores.
Para Clemente Ganz Lúcio, o aumento do número de inscrições se deve ao fato de muitos destes indivíduos verem as plataformas como uma oportunidade de renda durante a pandemia. "Muitos deles são pessoas que já estavam na situação anterior de desemprego. Outros entraram na situação de desemprego agora com a pandemia e passaram a fazer esse tipo de entrega.”
Este foi o caso de Paulo Ribeiro, 22, que trabalha há mais de um ano como entregador de aplicativo. "Eu saio para a rua porque infelizmente não tem jeito, eu fui mandado embora do meu trabalho", afirma.
(In)Visibilidade
As medidas de isolamento social têm impulsionado a categoria que nos últimos dois anos vem ganhando importância nas grandes cidades brasileiras.
Ainda assim, estes profissionais trabalham sem nenhuma garantia de auxílio de renda em caso de acidentes, sem descanso semanal remunerado e nem férias, e muito menos FGTS ou 13˚salário.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira do Setor de Bicicletas, um ciclista que trabalha mais de 12 horas por dia ganha mensalmente uma média de R$ 995,30, valor menor que um salário mínimo, que hoje vale R$ 1.045.
Foi por esse motivo que os entregadores de aplicativo da cidade de São Paulo paralisaram no início de abril um trecho da Avenida Paulista, protestando contra a baixa remuneração, que se tornou ainda menor em tempos de pandemia.
Em um vídeo divulgado no Instagram do portal Napaulista e Região (@napaulista), os entregadores manifestaram suas demandas. “É sobre as taxas, estão pagando muito pouco pra gente”, afirmou um manifestante não identificado.
“É uma falta de comunicação com a gente, o pessoal bloqueia a gente do nada”, apontou outro entregador, completando: “Queremos mais transparência dos aplicativos”.
As empresas afirmam que os associados são autônomos e que trabalham de acordo com a sua disposição e necessidade, de forma que a plataforma funciona apenas como uma ”ponte”, auxiliando a comunicação entre as partes.
Para o diretor técnico do Dieese, o futuro destes trabalhadores é incerto. “Muito provavelmente esse tipo de atividade continuará tendo uma presença muito forte, talvez muito maior do que vinha tendo até a crise, e esses trabalhadores precisarão ter um tipo de organização”, avalia.
Como alternativa, Ganz Lúcio sugere a criação de sindicatos que teriam a função de garantir direitos dos entregadores. “É necessário evidentemente construir um conjunto de protocolos de regras e de condições para dar proteção a esses trabalhadores.”
Cuidados em tempos de coronavírus
Como outros profissionais de serviços essenciais, os entregadores estão se expondo para que muita gente possa ficar protegida em casa. Para isso, esses trabalhadores precisam tomar cuidado redobrado para garantir a própria saúde e a dos clientes.
Claudia Roberta de Castro Moreno, professora do departamento de saúde, ciclos de vida e sociedade da FSP/USP, explica qual é o protocolo que deve ser seguido na entrega de encomendas: “Antes de cada entrega, a máscara deve ser colocada e o álcool gel utilizado nas mãos ao pegar o pacote e após entregá-lo, considerando que não é possível lavar as mãos na rua”.
“É claro que, idealmente, todos esses trabalhadores deveriam ser testados, mas, dada a complexidade dos testes e também sua escassez, as medidas de proteção devem ser rigorosamente seguidas”, afirma a especialista.
Os clientes também devem adotar alguns novos hábitos. Além da utilização de máscaras ao receber a mercadoria, também é necessário higienizar a embalagem e lavar as mãos depois de manuseá-la.
O associado à Rappi Junior Jesus diz que as pessoas estão muito assustadas. “Elas veem nós, motoboys, como se estivéssemos expelindo o vírus. O pior é que a maioria não reconhece que estamos nos arriscando para a proteção delas", declara.