Cotas raciais diminuem abismos sociais entre brancos e negros, afirma especialista

Ainda assim, estudante relata racismo em procedimento de heteroidenficação em universidades
por
Daniel Seiti Kushioyada e Pedro Catta-Preta Martins
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04/11/2020 - 12h

            Apesar dos dados divulgados pelo IBGE, em 2018, indicarem que negros são maioria nas universidades públicas do país (50,3%), auxiliados por ações afirmativas, a população negra segue sub-representada, já que corresponde a 55,8% dos brasileiros. No ambiente profissional, negros são minoria em cargos de chefia, ocupando somente 10% dos altos postos.

            Constitucionais desde agosto de 2012, as cotas raciais são ações afirmativas que alavancaram o número de negros e pardos e pretos nas faculdades. Desde os anos 2000, quando a primeira cota para estudantes de escolas públicas foi aplicada pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), até 2017, o número de negros e pardos que concluíram a graduação saltou de 2,2% para 18,3%. 

Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

“Eu creio que as cotas raciais sejam uma reparação histórica, uma espécie de pedido de desculpas. Uma hora não vai ter mais o que reparar, mas esse dia ainda não chegou”, afirma Rayan Garcia, estudante negro da UFF (Universidade Federal Fluminense) que fez uso de cotas sociais para passar em duas universidades federais.

Garcia diz que preferiu não fazer uso de cotas sociais por conta das comissões de heteroidentificação, que, de acordo com ele, “servem pra faculdade decidir se você é negro ou não”. Em entrevista à AGEMT, o estudante relata que diversos amigos com características étnico raciais negras não foram aceitos por tais comissões. “É a única coisa negativa que eu vejo em cotas raciais. É muito arbitrário, chega a ser racista, por isso eu optei por usar a cota social.”

Para Garcia, as cotas são um importante projeto de inclusão social, que expõem um grande problema no sistema educacional do país. “Fica escrachado que a educação básica não é boa e que um aluno que estuda custeado pelo governo precisa de cotas pra conseguir ingressar em uma faculdade, principalmente as federais.”

O jovem ressalta que já esteve dos dois lados, pois antes de passar na prova de ingresso do colégio federal “Pedro II”, ele estudava em um colégio privado.

“Tenho a visão dos dois lados e posso dizer que é totalmente diferente. Enquanto os colégios privados são completamente focados em concurso e passar alunos nos vestibulares, dentro da escola pública você tem outra vivência, uma pegada mais dinâmica, com aulas que seguem mais os princípios do Paulo Freire. Mas não é uma dinâmica pra passar no ENEM, sabe?”

Na perspectiva da Professora Samara Carvalho, a ampliação de políticas afirmativas que possibilitam o ingresso mais democrático de negros em instituições de ensino superior é um dos meios de “diminuir o abismo social que existe entre brancos e negros no que diz a respeito do acesso à universidade”. 

Mestra em Ciências Sociais pela UNESP (Universidade Estadual Paulista), Carvalho compreende a imprescindibilidade das cotas raciais nas universidades brasileiras, argumentando que em uma estrutura social como a do Brasil, o acesso a educação de qualidade ainda é um privilégio. 

Samara Carvalho. Foto: acervo pessoal
Samara Carvalho. Foto: acervo pessoal

“Outra questão importante, ao meu ver, é de que quando você muda o público frequentador da universidade pública, que concentra a maior parte das pesquisas no país, você muda aquilo que é pesquisado. Não é apenas o acesso, mas é o repensar tudo o que a universidade estuda e como ela devolve isso para a comunidade”, explica a professora para a AGEMT

Carvalho ressalta que as cotas são fundamentais para além dos limites universitários, sendo uma política transitória e que deve ser adotada em outros setores da sociedade.

De acordo com dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no segundo trimestre de 2020, a população negra foi a mais afetada pela pandemia de COVID-19. A taxa de desemprego entre negros foi 71,2% maior do que entre brancos, sendo essa a maior diferença da série histórica do Instituto, desde 2012. 

Em setembro desse ano, o Magazine Luiza anunciou um processo seletivo exclusivo de treinamento e admissão de trainees negros, buscando uma maior diversidade racial na ocupação de cargos de liderança da empresa. A divulgação do programa repercutiu na internet, principalmente no ambiente das redes sociais, em que muitos consideraram a ação como uma prática de racismo reverso.

            No entanto, Carvalho rebate esses comentários, afirmando que “não existe racismo reverso. O racismo é estrutural. O branco é visto como demarcador de status quo. Se ele é o demarcador, a questão racial não faz parte do entendimento dessas pessoas, então não faz sentido falar em racismo reverso”.

            “Quando as pessoas criticam essa iniciativa do Magazine Luiza, afirmando ser racismo reverso, elas não estão tendo uma dimensão coletiva do problema que é o racismo e do nosso histórico colonial escravagista”, acrescenta a Mestra.

            Carvalho complementa sua explicação, afirmando que as políticas afirmativas são transitórias, pois o objetivo dos atos é, em um intervalo de uma geração (aproximadamente 30 anos, segundo a Mestra), dar para um grupo a possibilidade de igualdade e melhoria de vida.

            “As cotas não ferem o princípio da igualdade, porque a base do direito é promover, por meio da lei, condições de equidade. Se as pessoas competem de forma desigual, cabe ao sistema jurídico possibilitar estratégias para que as pessoas consigam ter o mesmo acesso”.

 

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