Conheça Chico da Silva em exposição sobre brasilidade imaginada

A exposição de obras do Ateliê do Pirambu está na Pinacoteca de São Paulo até o dia 28 de maio.
por
Luísa Ayres
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14/04/2023 - 12h

Pinturas coloridas, ricas em detalhes, formas e pontilhados. Retratos de figuras animalescas, espíritos das lendas, rituais amazônicos e indígenas peruanos. Assim são os quadros do Ateliê do Pirambu, de Francisco Domingos da Silva, mais conhecido como Chico da Silva. Consagrou-se, ao longo dos anos, como um dos maiores artistas no cenário da arte NAIF, estilo que valoriza a espontaneidade, a autenticidade e a criatividade, sobretudo em produções livres, sem orientação ou metodologia específica de algum movimento artístico. 

A exposição

O acervo para visitação na Pinacoteca conta com 124 quadros produzidos entre 1943 e 1984. Estão dispostos em quatro salas que, além das obras, apresentam fotos do artista pintando, ainda, nos muros e paredes das ruas da periferia de Fortaleza. Neste período, ele contava com a ajuda de crianças e jovens locais para a feitura de sua arte. 

Chico da Silva pintando em muros de Fortaleza / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
Chico da Silva pintando em muros de Fortaleza / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição

Dentre as obras expostas, é possível conhecer uma das mais famosas e importantes produções do Ateliê, “Homens Trabalhando", de 1977. Trata-se de uma pintura construída coletivamente, que pode ser assistida através de gravações em vídeo, também disponíveis na exposição da Pinacoteca de São Paulo. 

Os alunos da Escola do Pirambu pintaram a obra enquanto vestiam camisetas com seus nomes, uma forma de deixar evidente quem eram os membros do ateliê e quem falsificava as pinturas, algo que ao longo da história se tornava cada vez mais recorrente, principalmente devido ao sucesso e fácil acesso da população com as produções do Ateliê, possibilitando que muitas pessoas imitassem seus desenhos sem de fato serem alunos da Escola do Pirambu. Com isso, Chico da Silva se viu em certo momento, quase que obrigado a pintar em telas e patentear suas obras, já que as imitações estavam causando-lhe também prejuízo financeiro. 

A exposição também apresenta obras de Babá (Sebastião Lima da Silva), Chica da Silva (sua filha), Claudionor (José Claudio Nogueira), Garcia (José dos Santos Gomes) e Ivan José de Assis, todos artistas da Escola do Pirambu.

Besouros e Peixes, quadro de Babá/ Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
Besouros e Peixes, quadro de Babá/ Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição 


História

Anos depois de iniciar as pinturas em muros,  passa a produzir dentro do conceito do Ateliê do Pirambu, onde criava com a colaboração da população local. A comunidade seguia suas técnicas e estilo, por isso, o espaço criativo foi nomeado como Escola do Pirambu. 

Francisco da Silva  gostava de passar o seu tempo livre na Praia Formosa, onde encontrava muitos dos materiais que utilizava. Quando ainda vivo, em entrevista a Allan Fisher no ano de 1972, o artista canhoto contou como foi descoberto no mundo da arte, trazendo o porquê de nem sempre suas obras terem sido tão vivas e coloridas: 

“Comecei a pintar a carvão e giz, rabiscando os muros das casinhas dos pescadores da Praia Formosa, junto do passeio público, e em 43 fui descoberto por Jean Pierre Chabloz, um francês consertador de piano, que vivia em Fortaleza... Ele gostou dos meus navios fantasmas, dos meus peixes, das minhas aves, que fazia com giz, carvão e barro queimado, dando cor com frutos e folhas... Ele me deu material e fiz uns desenhos a guache e depois mais 17 trabalhos, que foram expostos nos “Diários Associados”. 

Pintura sem título que ilustra alguns dos animais imaginados por Chico da Silva / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
Pintura sem título que ilustra alguns dos animais imaginados por Chico da Silva / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição 

Em entrevista à AGEMT, o curador da exposição na Pinacoteca, Thierry Freitas, destaca a importância do trabalho artístico e também social realizado por Chico da Silva. “A produção  dele foi um importante motor criativo do bairro do Pirambu, na periferia de Fortaleza. Na escola/ateliê, diversas crianças/jovens e adultos pintaram com ele e a partir do seu universo criativo. De certa maneira, essa produção ressignificou a imagem do bairro e o projetou para fora do Ceará. Sua maior contribuição, para mim, foi ter inventado um bestiário (conceito usado como referência a coleção de ilustrações ou textos de animais, fantásticos ou reais) capaz de abarcar e somar a criatividade e os sonhos de outras pessoas”, garante o curador.


Do Acre para Fortaleza

Filho de pai indígena peruano e mãe cearense, Francisco nasceu no Acre, em 1910. Era analfabeto, o que para Thierry Freitas justifica muito de seus quadros não possuírem título. “Note que algumas das obras com título são as que Chico realiza no contexto de seu cargo no MAUC (Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará). É provável que algum interlocutor do artista no museu tenha tomado nota do nome das obras no momento de sua execução, registrando-as para a posteridade”, esclareceu.

Apesar da riqueza cultural e da bagagem de brasilidade que suas obras carregam, Chico afirma, ainda em entrevista, que os animais e figuras retratados por ele não são lembranças de infância tampouco obrigatoriamente animais típicos de sua terra natal: “Esses mundos que pinto não são recordações de quando eu era menino, não, isso se chama imaginação, ciências ocultas, astronomia...”, explicou à Allan Fisher. 

Obra sem título que retrata os embates entre as criaturas pelo artista acreano / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
Obra sem título que retrata os embates entre as criaturas pelo artista acreano / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição 

Anos mais tarde, passou a expor seu trabalho na zona urbana de Fortaleza, participando de salões de pintura e exposições coletivas. Depois, alcançou outros lugares do mundo, como o Rio de Janeiro, a França, a Suíça, a Itália e outras nações pela Europa. A amizade com o francês Chabloz, nesse sentido, pode ter sido um grande facilitador para sua repercussão internacional, para além de seu imenso talento e habilidade artística. 

Foi durante a década de 1960 que o artista, pai de 12 filhos, vivenciou o auge de suas produções. Uma década depois, no entanto, passou por um período de internações e tratamentos contra o alcoolismo, retomando seus trabalhos em 1977.

Representatividade  

Hoje, o acreano é reconhecido em todo o país e no exterior, sendo um dos primeiros artistas de origem indígena a se destacar dessa forma. Chico ainda participou das Bienais de São Paulo e Veneza, com menção honrosa nos anos de 1967 e 1966, respectivamente.

Além disso, possui uma sala permanente de exposição de quadros na Universidade Federal do Ceará, que tem passado por discussões polêmicas. Recentemente, alguns artistas têm mobilizado a internet pela recuperação de um de seus mais importantes feitos, a obra “Homens Trabalhando”, exposta na Universidade. Segundo eles, a UFC ainda não devolveu a obra a seus autores tampouco os ressarciu. 

Produção coletiva de “Homens Trabalhando” de 1977 / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
Produção coletiva de “Homens Trabalhando” de 1977 / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição

 “Chico é uma referência artística importantíssima em Fortaleza. Uma identidade local. Há, inclusive, uma estação de metrô com o nome dele. Sua obra está presente em inúmeras coleções particulares do Ceará”, afirma Thierry Freitas.

Para ver de perto as obras do Ateliê do Pirambu, a Pinacoteca está localizada no bairro do Bom Retiro e funciona de quarta a segunda, a partir das 10h com permanência até as 18h. O ingresso custa R$ 20,00 a inteira e R$ 10,00 a meia entrada. Aos sábados, a entrada é gratuita para todos, às quintas a Pina funciona com horário estendido e gratuito das 18h às 19h, com permanência até 20h.  Jornalista, policiais, turistas e pessoas em vulnerabilidade social têm direito à entrada gratuita em qualquer dia da semana. 

A sereia e os dragões, de Chico da Silva / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição
A sereia e os dragões, de Chico da Silva / Reprodução própria do acervo da Pinacoteca e da exposição

 

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