Compositoras negras brasileiras vêm ganhando destaque ao transformar suas músicas em poderosas ferramentas de denúncia contra o racismo estrutural. No samba, no rap e no MPB, artistas como Luedji Luna e Bia Ferreira resgatam a ancestralidade e enfrentam a desigualdade com letras que combinam arte e ativismo. Ainda assim, as mulheres negras foram por muito tempo invisibilizadas na cena musical. Nos últimos anos, elas vêm assumindo protagonismo, abordando diretamente temas como racismo, violência e desigualdade de gênero e raça.
No palco ou nos bastidores, as compositoras negras têm transformado a música em um espaço de destaque e de resistência política. Mais do que arte, suas canções são ferramentas de denúncia contra o racismo estrutural, o sexismo e a marginalização histórica que atravessam suas vidas e carreiras. Em um país como o Brasil — onde 56% da população se autodeclara preta ou parda, segundo o IBGE (2022) — a invisibilidade dessas artistas ainda é um reflexo das desigualdades raciais e de gênero profundamente enraizadas no Brasil.
Bia Ferreira, mineira, criou o conceito de Música da Mulher Preta (MPP) para nomear um estilo que ultrapassasse gêneros e se baseasse na denúncia e na pedagogia. Com influências que vão do funk ao reggae e ao gospel, ela afirma que “a arte tem que ser um instrumento de combate, e não de distração”. Em canções como “Cota Não É Esmola”, Bia desmonta argumentos contra políticas afirmativas e expõe o racismo estrutural brasileiro.
O termo MPP - Música Popular Preta - surgiu a partir de discussões sobre representatividade no mercado cultural e artístico. A proposta é reforçar a identidade e o protagonismo das mulheres negras, que, historicamente, enfrentaram processos de invisibilização tanto na indústria cultural quanto na sociedade brasileira.
Nos últimos anos, coletivos culturais, festivais e movimentos nas redes sociais passaram a adotar o termo como uma forma de classificar e agrupar essas produções, criando espaços específicos de divulgação e fortalecimento, isso une e ainda mais o movimento e todos que são parte dele cada vez conquistando mais seu espaço.
Para a cantora, compositora e pesquisadora Luedji Luna, a música é, antes de tudo, um ato de afirmação de identidade. Nascida em Salvador (BA), Luedji traz em suas composições temas como sua negritude, sua ancestralidade, racismo e afetividade negra. Em entrevista ao jornal El País Brasil (2019), ela afirmou: “Cantar minha história é me afirmar. Existe um apagamento das narrativas negras na música brasileira, e escrever minhas canções é uma forma de resistência”. Em algumas de suas faixas como Banho de Folhas e Dentro Ali, Luedji trabalha sonoridades afro-brasileiras com letras que questionam as opressões e resgatam a autoestima negra.
Além de suas individualidades, essas artistas constroem uma rede de apoio, que fortalece seus coletivos e movimentos que promovem a visibilidade de mulheres negras na música. O coletivo Nós, Madalenas, por exemplo, reúne compositoras, cantoras e instrumentistas negras de diversas regiões do Brasil, articulando apresentações, rodas de conversa e produções colaborativas que visam romper com as barreiras do mercado fonográfico tradicional.
Segundo a pesquisadora e musicóloga Adriana Araújo, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), “as compositoras negras não apenas denunciam as violências raciais, mas também constroem uma estética própria, que resgata tradições afro-diaspóricas e desafia os padrões eurocêntricos da música popular brasileira”. a pesquisadora ainda aponta que essa produção musical contemporânea dialoga com uma longa tradição de resistência cultural negra no Brasil, que se remonta aos tempos de escravidão e aos movimentos negros urbanos do século XX.