COMPANHIAS DE TEATRO TENTAM SOBREVIVER À PANDEMIA

As cortinas se fecharam e o espetáculo luta para continuar
por
Barbara More, Larissa Araujo, Lucas Malagone, Tábata Santos
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25/05/2021 - 12h

Por serem ambientes fechados e gerarem aglomeração de pessoas, os teatros estão entre os primeiros lugares fechados no início da pandemia, em março de 2020. Um ano depois, conversamos com colaboradores e artistas para retratar como foi este processo de tantas mudanças e saber como estão atualmente.

Há 13 anos a companhia Mungunzá trabalha para trazer cultura ao estado de São Paulo. Mesmo com inúmeros obstáculos decorrentes da pandemia, eles vêm conseguindo se reinventar: transformaram seu segundo espaço, o Teatro de Contêiner, em um espaço social e cultural.

“O Contêiner tem uma grande importância social para o entorno, ele é localizado no bairro da Luz, em uma região muito vulnerável, nossos vizinhos são ocupações de moradia, tem muitos dependentes químicos, pessoas em situação de rua. O Contêiner fica próximo à cracolândia, então mesmo com a chegada do Covid-19 nós não fechamos o teatro, e sim mudamos totalmente o foco para a questão social”, conta o ator, produtor e gestor do Teatro de Contêiner, Léo Akio.

A comunidade como foco

Longe de ser uma simples readaptação, o grupo de artistas e colaboradores responsáveis por esses espaços se reinventaram em prol da comunidade.

“O Teatro de Contêiner ficou aberto o tempo todo, no início da pandemia nós fizemos uma articulação com a ONG Médicos Sem Fronteiras, que ficaram utilizando o espaço como ponto logístico e com o decorrer da pandemia começamos a fortalecer outros grupos ativistas do território, como o projeto “Tem Sentimento” composto por mulheres cis e trans, que objetivava a geração de renda por meio da costura. Elas conseguiram, com essa parceria, ter um espaço para confeccionar máscaras que foram distribuídas para a população local.”

Uma das maiores conquista durante este período foi a realização de uma articulação entre o Teatro de Contêiner e o projeto “Tem Sentimento” junto a alguns vereadores e à Secretária de Direitos Humanos da Cidade de São Paulo, a qual possibilitou a distribuição de 500 refeições diárias, que são realizadas ainda hoje no próprio Teatro de Contêiner. “Com isso, posso dizer que a mudança mais significativa do Contêiner foi esse mergulho nas ações sociais”, orgulha-se Léo.

Novos enfoques: novos gastos

Paralelamente às ações sociais, os artistas da companhia Mungunzá começaram a produzir conteúdos digitais por meio do selo “Mungunzá Digital”, o que possibilitou a realização de oficinas e o acolhimento de outros grupos através de transmissões online.

Adaptando-se ao novo normal e entendendo a necessidade da reinvenção para manter um fluxo financeiro estável, eles realizaram trabalhos artísticos digitais remunerados, venderam material audiovisual para alguns festivais, realizaram o trabalho “Desmontagem” com o Sesc Pompéia, no qual eles transformavam um espetáculo em documentário, entre outros.

Por serem um grupo que possuía uma boa estrutura e trabalhava com fluxo de caixa, eles não ficaram descapitalizados: “Nós não precisamos dispensar ninguém, alguns foram adaptados e outros ficaram afastados, porém recebendo.” diz Léo. 

A companhia também foi contemplada pela Lei Aldir Blanc e pelo projeto PROAC (Programa de Ação Cultural), porém o ponto principal que possibilita que a companhia e todos esses projetos estejam de pé, é o fato deles não terem que pagar aluguel, Léo desabafa:

O Teatro de Contêiner é um espaço independente, uma ocupação. Então, nós construímos a estrutura e temos uma parceria com a Prefeitura, porque o terreno é municipal; portanto, não pagamos aluguel e esse é o custo que muitas vezes acaba com os grupos de teatro. O fato e não termos que pagar aluguel colabora muito para que a gente continue existindo.”

Outras vertentes

A readaptação e os incentivos governamentais não chegam da mesma forma para todos por isso conversamos também com o Grupo Trapo, que vem enfrentando sérias dificuldades neste período.

Logo no início da pandemia o Grupo Trapo se articulou para criar um conteúdo online e foram um dos primeiros a iniciar esse trabalho nas redes sociais. Trabalharam com obras autorais como “O Surto”, em que realizaram direção e ensaio à distância e ficaram 1 mês em temporada.

No Instagram da Sede, também fizeram uma mobilização, junto a artistas de vários segmentos (música, dança, teatro etc.), para uma programação cultural 100% online. Dentre os conteúdos estão lives entrevistando personalidades do meio cultural e artístico como Thardelly Lima, atriz do premiado filme Bacurau e Cléo de Paris, atriz e fundadora da SP Escola de Teatro.

“Vejo o teatro online como uma medida provisória e particularmente insuportável, por que não sentimos o elenco perto, o artista perto, o teatro se faz na troca do espectador e do artista, esse é o fenômeno teatral. Porém no momento entendemos que é a única forma de trabalho, uma necessidade.” Afirma o diretor Muriel Vitória.

O grupo não possui funcionários, todos os artistas dividem as funções para a manutenção da sede e eles não obtiveram apoio da Lei Aldir Blanc. Atualmente os seus artistas estão em empregos paralelos de publicidade e no audiovisual, para se manterem financeiramente.

A falta de apoio do Governo juntamente à falta de olhar sensível da população, é para Muriel a maior dificuldade em relação ao teatro durante a pandemia “As pessoas insistem em lotar bares e shows e festinhas, mas não vão ao Teatro, não prestigiam a arte, arte essa que salvou a todos no início dessa pandemia” desabafa.

Em outra perspectiva, diversos artistas acreditam que teatro se faz ao vivo e que a prática de apresentações online tira a sua essência. O ator José Alberto Martins é um deles e por isso se considera um “ponto fora da curva”. Segundo ele “Fazer teatro pelo computador é miojo sabor picanha: quebra um galho na hora do aperto, mas não é picanha de verdade”.

José não conseguiu ser contemplado pela Lei Aldir Blanc e, por estar passando necessidade e extrema dificuldade financeira, optou por explorar outras áreas da arte como audiovisual e dublagem. Na entrevista, o ator demonstrou imensa gratidão por um estúdio de dublagem que o acolheu e lhe deu a oportunidade de trabalhar e conseguir o mínimo para seguir em frente. Além disso, ele possui uma parceria com o Grupo RIA e com eles abriu uma escola de teatro, porém, devido à pandemia, ela se encontra parada há cerca de um ano.

Após ter dedicado sua vida ao teatro durante 14 anos e agora tendo que enfrentar tantas dificuldades, José finaliza: “A arte é tudo o que eu sou. A gente insiste para não deixar de ser quem é, pois, a gente só se reconhece naquilo que faz”.

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