Ainda dentro do metrô, a caminho da Avenida Paulista, encontrei alguns apoiadores do presidente. Todos vestidos de verde e amarelo se cumprimentaram como se já fossem velhos amigos, enquanto eu e meu namorado, João Pedro, destoávamos, vestidos de preto e jeans.
Assim que chegamos, tentei conversar com uma família em situação de vulnerabilidade, a mãe me olhou um pouco desconfiada, perguntou para qual veículo eu escrevia, tentou até chamar o marido, mas no final permitiu que eu tirasse a foto.
Um tempo depois, uma jovem também vestida de preto esbarrou em nós pedindo licença e aparentando estar apressada em sair da multidão. Então, uma outra jovem vestida com a camiseta da CBF e com o rosto pintado como os “Cara Pintada” comentou com a família “Olha aí a infiltrada, você viu?”. Foi ali que meu namorado e eu percebemos que para eles conversarem conosco precisávamos ser acolhidos pelos manifestantes.
Atravessamos a rua e meu namorado entrou no personagem, já chegou perguntando “Quanto custa a bandeira com o rosto do mito?” e claro, ela era mais cara do que a bandeira do Brasil. Amarramos as nossas bandeiras do Brasil no pescoço e automaticamente nos tornamos dois deles.
A partir daquele momento, sempre que eu apontava a câmera para começar a fotografar, surgia alguém e dizia “Quer tirar uma foto minha? Com o meu cartaz?” ou arrumava sua postura e posava para o meu celular.
Encontrei centenas de cartazes pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal. Até recebemos máscaras de papel com caricaturas dos ministros do STF, como se fossem vampiros, e com o escrito “Supremo Talibã Federal”, referindo-se ao grupo terrorista. Então, uma mulher com seus 50 e poucos anos me abordou e disse “cuidado! O nosso presidente não quer isso, essas máscaras são feitas pela oposição para queimar o filme dele”. De fato, não teve como saber se o que ela disse era verdade ou não, a questão era que havia estas máscaras em toda a manifestação, e elas foram financiadas por alguém, arrisco dizer que por mim e por você que está lendo.
Encontrei muitas faixas em inglês, algumas em espanhol e até em francês. Bandeiras de Israel também tremulavam pela avenida, assim como bandeiras do Brasil na época do império. Os hinos nacional, da independência e da bandeira eram a trilha sonora da manifestação, juntamente com uma paródia de baile de favela, que na letra elogia Jair Bolsonaro.
Subimos e descemos a Paulista toda, os carros de som diziam ter quatro milhões de pessoas de todo o estado de São Paulo. De repente ouvi um carro de som dizer “Pessoal, deixem o Mario Frias subir”, logo corri atrás do secretário de cultura, que sem máscara cumprimentava seus apoiadores. Ele fez um discurso breve, e disse: “Eles [oposição], nos acusam de sermos radicais na secretaria, e somos radicais sim, radicalmente honestos, transparentes, cristãos e radicalmente BOLSONARO”, enquanto usava uma camiseta com a estampa “Radicais da Cultura”.
Continuamos a nossa caminhada, encontrei o carro do agronegócio que contava com um inflável do presidente montado em um cavalo estilo D.Pedro I no quadro “Independência ou Morte” do pintor Pedro Américo. E na calçada havia dois cavalinhos de carreta, a parte dianteira do caminhão onde fica o motorista, o locutor do “carro do agro” fez até um discurso dizendo que a organização tentou colocar as carretas estacionadas na avenida, mas não foi permitido.
Decidi então dar uma volta nas travessas da Paulista, rua Pamplona e Alameda Campinas. Em uma das travessas tinha 3 ônibus de viagem, fretados de Bauru, São José dos Campos e Santos. Fiquei espantada com como a organização realmente centralizou os manifestantes para que houvesse a impressão de que o ato havia sido enorme. Foi aí que o João Pedro lançou a pergunta: “Quem financiou isso?”. As máscaras até poderiam ser a oposição, mas o fretado não.
Encontramos também em uma das travessas um parque para as crianças, com brinquedos de tiro ao alvo, cama elástica e até castelinho inflável. Não tinha nenhuma criança brincando quando passamos por lá, apesar de estarem espalhadas com suas famílias por todo o protesto. Eu não sei se esses serviços estão sempre na Avenida Paulista ou se foram contratados para o dia do Ato, mas ainda quero descobrir se isso também foi fruto do dinheiro público.
Voltando para a manifestação em si, fomos parados por um policial militar, que educadamente pediu para revistar as nossas mochilas. Na bolsa do meu namorado havia um pote de sorvete embalado com um durex, nele tinha alguns salgados para comermos no caminho. E pasmem, por mais suspeito que esse pote fosse, ninguém pediu para abrirmos. Acho que os belos olhos verdes do João Pedro passaram a credibilidade de que aquilo não era uma bomba ou algo parecido para o policial.
Em um dos carros de som, estava discursando a youtuber Bárbara Destefani, que teve a monetização suspensa pelo Tribunal Superior Eleitoral por propagar fake news. Ela falou sobre a falta de “liberdade de expressão” e como a oposição tem jovens que são sonhadores demais, e que lhes falta “pé no chão”. “Tia do Zap, com orgulho”, nas palavras dela, Destefani não é a única orgulhosa em propagar fake fews, afinal, também vi algumas camisetas com essas frases para serem vendidas.
Então, eu tomei coragem e decidi que eu precisava de alguns relatos. Fui conversar com um homem que parecia com o meu pai, o que me passou conforto. Perguntei o que ele fazia ali, e ele contou que lutava pela “liberdade de expressão”, confessou que esperaria o presidente chegar na manifestação e já tinha tomado as duas doses da vacina contra a Covid-19.
Foi aí que o personagem bolsonarista do João Pedro atacou novamente, ele disse que era um absurdo sermos cobaias da China. E, para a nossa surpresa, o homem soltou um “veja bem, não é bem assim” e se mostrou mais moderado do que o meu namorado. Afirmou que acreditava na vacina, mas que achava que demitir quem não a tomasse já era demais. Vale a pena comentar que todas as pessoas com quem conversamos disseram ter tomado as duas doses. Também não encontrei nenhum cartaz com frases antivacinas.
Os discursos dos manifestantes muitas vezes eram incoerentes com o do presidente. Na saída do protesto, encontramos um senhor devidamente caracterizado e repleto de audácia. Ao abordarmos, pediu para que o João Pedro tirasse a máscara para falar com ele e afirmou que era contra a tomada do STF. E completou que defendia a Constituição acima de tudo, e que cada instituição deveria respeitar sua função. A ironia é que ele se encontrava em uma manifestação com centenas de frases e ações antidemocráticas, inconstitucionais e até criminosas.
Enquanto caminhava pela Avenida Angélica em busca de um lugar para comer, fiquei reflexiva. Pensei no hino da independência que ouvi o dia inteiro, lembrei de quando aprendi a cantá-lo na escola, com mais ou menos seis anos. Lembrei da copa do mundo de 2010, quando eu implorava por uma camiseta da CBF. É muito triste que esses símbolos da nação tenham sido tomados e colocados como identificador de quem luta pelo retrocesso, pelo fascismo e contra a democracia.
A impressão que eu tive quando saí do protesto foi que muitas pessoas não sabiam o que faziam ali. Parecia um dia no parque, estava sol, tinha pessoas bebendo cerveja, crianças comendo pipoca e até música do Sérgio Reis.