Por Maria Luiza Oliveira
No dia 4 de agosto de 2021, o garoto de 16 anos, Lucas Santos, se suicidou após um vídeo publicado na rede social TikTok. O fato acabou rendendo muitos comentários homofóbicos e maldosos. A mãe do garoto, Walkyria Santos, se pronunciou no Instagram afirmando que a Internet está doente. Após o acontecimento, o TikTok emitiu uma nota em sua conta oficial dizendo que lamentavam a tragédia e que a prioridade da empresa era ter um ambiente acolhedor e de bem-estar para todos os usuários. Mas como fazer isso se o uso das redes sociais é pautado como uma das principais causas de transtornos mentais?
A cantora Luisa Sonza, 22 anos, é atacada quase que diariamente por comentários machistas e misóginos em suas plataformas digitais de relacionamentos afirma que sua saúde mental está sendo afetada. Sonza chegou a adiar o lançamento do álbum “Doce 22” devido a isso, informando que se afastaria por um tempo daquele mundo. Em nota, a equipe de Luísa pede “(...) mais uma vez respeito e empatia pelo próximo”. A cantora até mesmo já foi xingada e acusada pelos juízes da Internet pela morte prematura do filho de seu ex marido, Whindersson Nunes.
Facebook, Instagram e outras plataformas são um enorme complexo de conexão, e ao mesmo tempo em que são postadas fotos de animais de estimação, há inúmeras pessoas recebendo “hate” gratuitamente. Os preconceitos ficaram evidentes e alarmantes, pois todos se expressam da forma que quiserem, “o fato de a pessoa não precisar se expor é muito mais fácil falar o que pensa (...) É como se de forma virtual a pessoa se sentisse mais protegida, mais imponente, mais forte, dentro do seu ambiente seguro” - explica a psicóloga Jacqueline Leite.
A influencer digital, Isabela Cantinelli (18) tem mais de 56 mil seguidores no Instagram e relata que já sofreu ataques virtuais. Em um episódio recente, expôs um caso de assédio que sofreu nos storys e recebeu muitos comentários maldosos e denúncias no seu perfil, que agora corre o risco de ter sua conta banida.
Em outro momento, Isabela relata que já teve sua autoestima afetada pelos comentários que recebeu. “Eu postei uma brincadeira em tom de ironia e o tanto de coisa que eu recebi e falaram, as pessoas destilam muito ódio na internet. Isso me marcou muito, porque afetou minha autoestima pelas coisas que eu recebi.”
Diferente de como muitos pensam, a vida virtual não é um espaço sem regras a serem seguidas, de acordo com a advogada Luiza Sato, atuante na área de proteção de dados, explica que a Internet não é um ambiente sem lei: “(...) isso é um total e absoluto desconhecimento da realidade, pois todas as normas que existem hoje, mesmo antes da internet, vigoram e valem para o ambiente digital.”
Mas diante de casos que acontecem como o da Luisa Sonza, Lucas Santos e tantos outros, é um questionamento comum o motivo pelo qual as plataformas digitais não tomam uma atitude de retirar esse tipo de conteúdo ofensivo do ar. Para isso, é importante compreender como essa relação funciona.
De acordo com o Marco Civil da Internet, os provedores (Instagram, Facebook, Twitter etc.), podem tirar um conteúdo do ar, mas só se tornam obrigados mediante ordem judicial, sendo exceção somente quando há a divulgação de imagens íntimas sexuais. “ (...) os provedores têm milhares de pedidos de retirada de conteúdo e na maior parte das vezes são coisas que não tem fundamento. Um concorrente querendo prejudicar o outro. Então eu acho interessante que haja um juiz que reflita sobre esse assunto.” - afirma Sato.
Além disso, a advogada afirma que caso a plataforma retire um conteúdo sem uma ordem judicial ela pode vir a sofrer uma ação por censura. Por isso, muitas preferem esperar uma decisão judiciária para estarem resguardadas na retirada de um conteúdo.
“A tecnologia não é culpada, é o uso que a gente faz dela. Então o problema sempre chega no ser humano, sempre foi feito mau uso da tecnologia pelos seres humanos” – conclui a advogada. O surgimento das redes sociais facilitou muitos processos, agora é possível mandar mensagens de uma forma mais rápida, diminuir distâncias em um ambiente conectado, compartilhar momentos. Mas o mau uso dela também pode ocasionar diversos transtornos na saúde mental, desde vício à tecnologia até mesmo para quem recebe diversos comentários maldosos.
Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) demonstra que o uso excessivo desse tipo de realidade virtual está relacionado ao sentimento de se isolar do mundo real, o que contribui para doenças relacionadas à saúde mental, como depressão e ansiedade. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística já mostrou que a população brasileira é a segunda que mais gasta seu tempo na Internet, estando conectada cerca de 9 horas e 29 minutos por dia, sendo 40% do tempo gasto em sites de relacionamento.
A psicóloga explica que na Internet é mais fácil falar suas opiniões e demonstrar os seus “achismos”, independente se isso irá ou não afetar o outro, uma vez que ela sente sua privacidade e identidade protegida por um perfil que muitas vezes não é dela. “O olho a olho não existe, o que torna mais difícil dizer o que se pensa, pois, pessoalmente inúmeras variáveis estão presentes e no virtual não) ” – reforça Leite.
Hoje é comum a prática do cancelamento (quando alguém recebe inúmeros ataques e ameaças por ter tido uma atitude que não agradou a opinião pública) algo que Cantinelli pode vivenciar a qualquer momento uma vez que trabalha e quer crescer ainda mais nesse meio: “É uma coisa ridícula, todo mundo erra, ninguém é perfeito! Eles julgam muito o próximo e não olham para o próprio umbigo.”
A Internet e as redes sociais facilitaram muitos processos, de contato com outras pessoas e de acesso a conteúdos de uma maneira mais rápida, contudo, é um ambiente totalmente tóxico. Pelas pessoas terem um contato maior e esconderem suas identidades, acreditam que podem expor seus preconceitos, disfarçados de opinião, para qualquer um.