A pandemia de Covid-19 tem escancarado os diversos problemas de cunho social que existem no Brasil, principalmente relacionados à crise de moradia e à carência de acesso aos serviços básicos. Só em São Paulo existem mais de 200 ocupações que abrigam aproximadamente 45 mil famílias, de acordo com os dados da Secretaria Municipal de Habitação.
A ocupação Ouvidor 63, localizada no Anhangabaú, é uma delas. Ela se difere de outras iniciativas de luta por moradia por, além de não ser ligada a nenhum movimento ou partido político, abrigar majoritariamente por artistas autônomos, a ponto de ter alcançado o status de centro cultural e difusor de arte.
Com seis anos completados em maio deste ano, a Okupa Ouvidor 63 funciona de maneira totalmente independente, não conta com nenhuma ajuda do governo e se mantém a partir do trabalho coletivo dos residentes, que promovem atividades culturais e artísticas gratuitas e arrecadam doações dos visitantes e ONGs que se solidarizam com a causa, além da promoção do ambiente para eventos, ensaios fotográficos e outras atividades.
Durante a pandemia, quando o isolamento social é uma das principais estratégias para diminuir a curva de infectados e mortos, a forma como a Ouvidor trabalha e adquire fundos para se manter foi impactada diretamente.
Erika Carabina, 26 anos, artista independente e uma das representantes da Okupa 63 (que é liderada de forma horizontal, com participação coletiva de todos os moradores), conta como está sendo a realidade da ocupação e as mudanças e medidas tomadas no contexto pandêmico:
”Como não contamos com nenhuma ajuda do governo, está sendo muito difícil. Aqui na Okupa, rolam vários projetos, sarau, ateliê aberto, skatepoint, brechó, e com o corona tudo está paralisado. Recebemos cestas básicas de ONGs e até de outras ocupações, assim vamos mantendo a cozinha coletiva, criando um laço com outras ocupações e levando como dá”.
A organização dos moradores para prevenir a infecção por Covid-19 é constante. A proibição de hóspedes e visitas e a paralisação dos projetos são uma das maneiras de evitar aglomerações dentro do prédio, que por enquanto não teve nenhum morador infectado, Erika também comenta sobre como a questão da Covid está sendo tratada:
“Precisamos levar isso a sério, muitas pessoas estão morrendo, e temos mais de 25 crianças e mães. Precisamos priorizar a segurança e vida dessas pessoas, então por enquanto nada de eventos abertos ao público no prédio”.
Uma das moradoras da Okupa, Jessica Viana acabou de ter um filho. Com um mês de nascido, Zaion já está na ocupação como novo integrante. A mãe recém-chegada conta um pouco sobre as modificações que foram feitas para receber o seu filho no prédio:
“Tive que trocar de quarto, para um que não tivesse poeira para receber o Zaion. Agora com um neném é tudo diferente, né? Tem que cuidar. Quase não recebo visitas pois essa Covid não é brincadeira”.
A mãe de primeira viagem também fala sobre a ajuda que vem recebendo, pois é artista independente: “Todo o auxílio que estou tendo está sendo dos moradores da ocupação e do meu marido. Estou vivendo basicamente com o auxílio emergencial. Está difícil pra todo mundo, e não temos nenhuma ajuda governamental. Então é lutar pra conseguir criar meu filho”.
Apesar das dificuldades que os artistas da Ouvidor enfrentam para continuar gerindo a ocupação e garantindo a moradia para mais de 100 pessoas, os integrantes da Okupa mostram que com esforço e cautela é possível sim manter o espaço seguro e viável para vida, e esperam poder retomar suas atividades artísticas em breve.