Como o uso da IA implica na publicidade

Por mais benéfico que seja, o uso da Inteligência Artificial aponta riscos e condutas éticas que devem ser estudadas na área da propaganda
por
Catarina Pace
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04/09/2023 - 12h

A Inteligência Artificial é uma das tecnologias mais comentadas hoje em dia, principalmente em relação aos seus riscos e vantagens para a sociedade. Quando se trata de publicidade, a IA já está mais que confortável nesse meio e através de todas as suas ferramentas, conseguiu se tornar mais atrativa para os profissionais da área. Mas, mesmo que seja uma boa opção facilitadora, muito ainda se discute sobre o que pode ou não ser produzido por ela e quais os seus limites.

A IA surgiu como um ramo da ciência da computação, que a partir de algoritmos e análise de dados tenta simular a inteligência humana. Ela avançou muito desde que seu uso começou a ser frequente, conseguindo aperfeiçoar as tarefas e ser cada vez mais autônoma. Na publicidade, ela é muito utilizada na forma dos chatbots, por exemplo, que são os “robôs” que simulam uma pessoa real e conseguem conversar com o usuário. Hoje, esses chatbots também se transformaram em assistentes virtuais e avatares, que parecem ser tão reais quanto humanos. 

A Lu da Magalu é um desses exemplos, ela se tornou a maior influenciadora virtual do mundo e alcançou mais de 55 milhões de seguidores no Instagram. Além disso, ela também interage com pessoas reais e cada vez mais é incrementada para se parecer com elas. Por mais tecnológica que a Lu seja, seu real objetivo desde 2003 - ano de sua criação - é conquistar o cliente e se tornar mais próximo dele, criando uma narrativa em múltiplas plataformas. 

Assistentes virtuais, como Siri, Alexa e Google Assistant, também estão se tornando parte integrante da publicidade. Eles podem fornecer informações sobre produtos, fazer recomendações e até mesmo compras online com base nas solicitações dos usuários. Isso cria novas oportunidades para as marcas se envolverem com os consumidores em um nível mais vertical. O seu potencial para a produtividade nas tarefas é indiscutível, mas ainda existem dúvidas e questões éticas envolvidas e uma das maiores preocupações é se a IA poderá substituir postos de trabalho.

Para o professor do curso de Publicidade e Propaganda da PUC-SP, Claudir Segura, nenhum profissional dessa área vai ser substituído: “Eu não vejo desvantagem, mas eu vejo uma acomodação. Quando as pessoas deixarem a máquina trabalhar para elas, o olhar delas vai ser engessado pela tecnologia. Você jamais vai ser substituído por alguém sem criatividade”, argumenta o professor, doutor em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD). 

À medida que a IA se torna mais sofisticada na publicidade, a ética e a transparência se tornam questões cruciais. A coleta de dados pessoais e o uso de algoritmos para personalizar anúncios levantam preocupações sobre privacidade e manipulação. As empresas precisam ser transparentes sobre como usam os dados dos consumidores e garantir que estão em conformidade com as regulamentações de proteção de dados, além de pensar também no que pode ser criado a partir dela. 

Uma das grandes discussões em torno do tema ocorreu após o lançamento do comercial comemorativo dos 70 anos da Volkswagen, em que recriaram a cantora Elis Regina, falecida há 41 anos. Nele, Elis aparece dirigindo a clássica Kombi, enquanto sua filha Maria Rita dirige a versão mais nova do automóvel, batizada de ID.Buzz e 100% elétrica. A técnica usada na propaganda foi o DeepFake, uma tecnologia que recria e faz alterações realistas em rostos. 

Autor: Catarina Pace
Trecho da campanha comemorativa dos 70 anos da Volkswagen no Brasil. Imagem: [Reprodução/Volkswagen Brasil]

O comercial foi aprovado por Maria Rita, o que incomodou muitos usuários das redes sociais, que julgaram a falta de questões éticas nesse processo. Até o Conar, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, abriu um processo em julho de 2023 para avaliar se a campanha da Volkswagen teria ferido o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. O caso foi arquivado e segundo o órgão, “por manifestações contrárias e favoráveis de consumidores”. 

Para Segura, a campanha foi uma maneira de resgatar a memória de uma artista muito importante para o Brasil e não deveria ser vista como um impasse. “Elis Regina foi uma mulher incrível e resgatar a memória dela é mais incrível ainda. O jovem não conhece a Elis. Então é legal você trazer de volta essas pessoas. Olha que legal o que estão fazendo com a cultura. Existe uma diferença entre o que você considera ético e uma crítica sem fundamento. Não estão roubando a imagem dela”, completa o professor. 

Pensando nessa discussão entre ética e tecnologia, a ABA (Associação Brasileira de Anunciantes) produziu um guia sobre os impactos da presença da inteligência artificial na publicidade. Nele, estão as mais urgentes questões jurídicas, éticas e aplicações práticas da IA na área. O guia não chega a ser uma regulação do que pode ou não ser utilizado e produzido, mas indica o que pode se tornar boas práticas no setor. 

 “O que se deve levar em consideração é o quanto isso pode afetar a vida das pessoas, em termos do que isso pode fazer bem ou mal . A tecnologia traz um olhar, uma percepção na maneira como as pessoas vão criar daqui pra frente.”, argumenta o professor, que é contra uma regulação da IA. Para ele, a regulação deve ocorrer em ambientes específicos, como empresas, e não na sociedade em geral. Se isso ocorrer, os limites éticos podem entrar em ação contra uma postura de “censura” na área de criação, não só da publicidade, mas do uso da ferramenta no Brasil. 

Mesmo que a regulação ainda não exista, há questões que devem ser levadas em conta antes de usar a ferramenta. Evitar a disseminação de informações sensíveis ou confidenciais em plataformas não seguras, entender como e onde seus dados estão sendo coletados e utilizados, são etapas importantes. Além disso, é bom estar ciente do potencial de vieses algorítmicos, do colonialismo digital e a discriminação na IA. 

O uso da inteligência artificial está redefinindo a publicidade, oferecendo oportunidades para a personalização, automação e interação mais significativa com os consumidores. E embora a IA possa revolucionar essa área, ainda existem muitos embates éticos e morais em sua aplicação prática, que devem receber atenção para um futuro que usufrui de seus benefícios e ao mesmo tempo se protege de possíveis riscos. “Para tratar de tecnologia, aquela máxima se encaixa muito bem: o que eu não consigo dominar eu rejeito, o que eu não entendo eu vou combater.”, finaliza Segura.