O excesso de trabalho deixou de ser apenas uma característica de rotina moderna para se tornar uma questão grave de saúde pública. Em um país onde a cultura da produtividade ainda é exaltada como sinal de sucesso, trabalhadores convivem diariamente com jornadas prolongadas, metas muitas vezes inalcançáveis e a sensação de que nunca estão entregando o suficiente. O resultado de todas essas cobranças transformou o Brasil no país que mais registra transtornos mentais relacionados ao trabalho, segundo a Organização Mundial Da Saúde (OMS).
A situação se intensificou ainda mais com a pandemia da Covid-19. Em um primeiro momento, o home office parecia representar uma jornada mais flexível, mas em casa as horas de trabalho triplicaram "As pessoas passaram a trabalhar 12 horas por dia, sem perceber, causando desgaste mental e físico em si mesmos", diz o psicólogo Marcos Lacerda, que mantém o canal “Nós da Questão”, no YouTube, focado em vídeos sobre saúde mental.
O home office acabou transformando as casas em escritórios e a linha entre o tempo de descanso e a jornada profissional praticamente desapareceu. Muitos trabalhadores relatam que começaram a responder mensagens de trabalho fora do expediente, participar de reuniões em momentos que eram destinados à família. "A tecnologia gera uma expectativa de disponibilidade constante. Isso adoece porque o corpo e a mente precisam de limites", comenta Lacerda.
Entre os principais efeitos do excesso de trabalho, está o burnout, reconhecido oficialmente pela OMS como uma síndrome ocupacional. Diferente de um simples cansaço, o burnout combina exaustão física e emocional, perda de motivação e queda significativa no desenvolvimento e desempenho no trabalho. "É um estado de colapso que vai além da sensação de estar sobrecarregado", diz o psicólogo. "Trata-se de um esgotamento profundo que compromete a capacidade de lidar com as tarefas cotidianas", acrescenta.
Entretanto, o problema não se resume apenas a essa síndrome, A exaustão pode causar ansiedade, manifestando-se como medo constante de falhar ou de não atender às expectativas dos patrões. Esse estado pode evoluir para uma depressão, que acaba levando ao isolamento, tristeza persistente e perda de interesse pela vida social. Os reflexos não ficam apenas nos campos emocionais. Lacerda explica que é muito comum o surgimento de doenças crônicas junto com as psicológicas.
Por trás do adoecimento coletivo, estão fatores estruturais. Jornadas excessivas, contratos precários, falta de estabilidade e pressão por resultados cada vez mais altos compõem o cenário. Soma-se a isso a chamada "cultura do hustle", uma valorização da ideia de que trabalhar sem parar é sinônimo de sucesso e ambição. Nas redes sociais, não faltam exemplos de influenciadores e empresários de influenciadores que exaltam rotinas de 16 horas por dia, como se descanso fosse sinônimo de preguiça.
"Esse discurso é perigoso, pois transforma o adoecimento em uma falha individual, quando na verdade estamos diante de um problema sistemático", aponta Lacerda. "Não é sobre alguém não dar conta, é sobre um modelo de produção que explora até o limite das pessoas", acrescenta.
O impacto do excesso de trabalho não se restringe ao sofrimento individual. Empresas registram perdas significativas na produtividade do trabalho, quando os funcionários precisam se afastar para cuidar da saúde mental. Segundo dados do Ministério da Previdência, transtornos psicológicos já estão entre as principais causas de afastamento de trabalhadores no Brasil. Além disso, o sistema público de saúde enfrenta uma sobrecarga crescente por atendimento psiquiátrico e psicológico.
Na esfera social, a sobrecarga de trabalho enfraquece laços pessoais e comunitários. Famílias convivem menos, amizades se distanciam e atividades de lazer são sacrificadas. O tempo que poderia ser dedicado ao convívio ou autocuidado é absorvido pela lógica produtiva. O resultado é um ciclo de isolamento e desgaste que amplia ainda mais o sofrimento mental.