Com a chegada do Coronavírus ao Brasil, um dos setores que mais sofreu com as novas configurações impostas foi o editorial, que anteriormente já vinha enfrentando dificuldades. Entre 2006 e 2019, o mercado viu uma diminuição em 20% da receita, segundo dados da Pesquisa de Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, coordenada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL).
A possível taxação sobre livros proposta pelo governo federal também pode agravar a crise no mercado editorial brasileiro. De acordo com o projeto do ministro da economia, Paulo Guedes, seria criado o imposto de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que gera uma taxa de 12% sobre os livros. Em um país em que a leitura não é incentivada e o acesso a livros é dificultado pela desigualdade social, o medo é de que o imposto afaste até mesmo os consumidores do mercado nacional. Desde 2004, a lei Lei do Pis/Pasep proíbe a criação de impostos sobre obras literárias.
Felipe Vale, editor da Editora Aetia, conta como a empresa está enfrentando a crise do mercado, a pandemia e o cenário político. Sendo uma editora de nicho focada em literatura alemã, afro-americana e temas políticos da esquerda revolucionária, viu a diminuição da procura do público acadêmico. “Conforme a administração Weintraub destruía a educação brasileira e cortava todas as verbas possíveis, nosso público perdeu poder de compra. Sentimos a queda na hora. A pandemia só intensificou isso”, afirma o editor.
A situação não afetou apenas as editoras, o que gerou um efeito cascata. Vendedores e revendedores deixaram de repassar as vendas, o que até abril deixou a editora com renda gerada apenas por vendas diretas, freelancer com tradutores e o que vinha da loja virtual. Para Felipe, isso acarretou mudanças de vida: “Eu, que morava em São Paulo com minha esposa, tive que sair da cidade por não conseguir mais pagar aluguel. A editora está funcionando em Londrina/PR e SP/capital agora, por conta disso”. A paralisação de feiras de livros e eventos de contato direto com o público garantem parte substancial da renda de muitas editoras de nicho e editoras ligadas a causas sociais, como a Aetia.
Para driblar a crise, em maio as campanhas de financiamento viraram alternativa de geração de capital. A editora, que conta com três funcionários, viu na utilização da plataforma Catarse.me um meio de pagar as contas mensais e os salários. Neste ano foram três campanhas, a primeira, segundo Felipe, alcançou um resultado satisfatório. Já a segunda teve um sucesso inesperado. “Mas isso se deve mais ao título: uma obra inédita de Marx e Engels, que teve apoio direto do Partido Comunista Brasileiro e inúmeras pessoas que compartilharam o link de boa vontade”, explica. Em setembro foi lançada a terceira, e a expectativa é de que elas possam ocorrer a cada dois meses.
Somada às campanhas, a divulgação nas redes sociais por meio de postagens e boots no Instagram e Facebook - esse último sem o resultado esperado, de acordo com o editor - acentuou a importância do meio digital para a sobrevivência no mercado editorial em tempos de isolamento social. “Antes dávamos mais atenção ao público direto, já que a participação em feiras de livro, assentamentos sem-terra, espaços livres de universidades e shows diversos eram as ocasiões em que vendíamos mais”.
Os acontecimentos dos últimos meses, como os protestos ligados ao movimento “Black Lives Matter” e aqueles contra o fascismo, permitiram o aumento da procura por livros relacionados a esses assuntos. Na editora Aetia, por exemplo, oito títulos contemplam essas temáticas. “Tanto a quarentena, quanto a péssima administração do governo atual e eventos globais anticoloniais e antirrascistas aparentemente fizeram o restante dos ausentes se revoltarem de vez e começar a ler sobre formas de resistência”. Mas a percepção é de que a procura esteja restrita a um público. “Estou falando sobre o público acadêmico, de 19 a 45 anos mais ou menos, que geralmente compra nossos livros. Depois da morte de George Floyd e de João Victor, algumas pessoas passaram a pedir informações e ir atrás de nossos livros de literatura antirracista”, completa.
Para o editor, a situação do mercado está longe de se normalizar. Felipe expõe também o que acontece ao setor lojista, afetado pelo fechamento do comércio. “Os lojistas vão demorar um bocado para se recuperarem: temos distribuição em São Paulo, Maranhão, Bahia, RJ e Paraná, todos são gente próxima e compartilham conosco como está difícil. Alguns já fecharam suas lojas e estão trabalhando remotamente, com vendas online apenas. Isso é uma tristeza”.
O apoio do público em geral às editoras independentes é um dos principais caminhos para se evitar o agravamento dos problemas de um setor já tão desvalorizado no país. “Mas, conversando com colegas de Ponta Grossa/PR, Foz do Iguaçu/PR e São Paulo/SP, gente na mesma situação que nós, constatamos que muitos clientes começaram a apoiar editoras menores com maior afinco. A editora Monstro dos Mares está se mantendo com financiamento de leitores e amigos, por exemplo; isso é bem legal”, finaliza Felipe
Já para Caio Ramos da Editora Faro, a crise das grandes livrarias era uma verdadeira dificuldade, mas que não chegou a envolver os leitores. “As pessoas continuavam lendo e comprando. Porém, o que acontecia é que o grande faturamento de muitas editoras dependia principalmente da Saraiva”, conta ele. O colapso da Saraiva em 2018 levou a editora Faro a se programar para um novo plano de ação que dependesse menos das grandes redes e, sim, procurasse investir em pontos alternativos de mercado.
De acordo com Caio, a procura pelos livros de autoajuda e desenvolvimento pessoal aumentou as vendas de maneira geral, já que os leitores em quarentena passaram a ter muito mais tempo livre para dedicar a seus interesses próprios. A Faro se mostra otimista e já acredita em uma melhora no mercado editorial de forma gradativa: “A venda de livros nas livrarias vem aumentando. Muitas livrarias aprenderam a se reinventar para atender a nova necessidade do mercado, como o atendimento por delivery, por exemplo”.
Diferente do pensamento comum que atribui a culpa aos brasileiros por lerem pouco, a Associação Nacional de Livros (ANL), que promove mensalmente um estudo sobre o comportamento do varejo de livros no Brasil, constatou que a busca por livros vem aumentando ano a ano no país. O que acontece é que o modelo de negócio das livrarias brasileiras está enfrentando transtornos. Em 2018, as duas maiores redes no país, Livraria Cultura e Saraiva, entraram com processo de recuperação judicial, sendo que quatro em cada dez dos livros vendidos no país passam por essas lojas. Essa quebra arrasta toda a cadeia editorial, altamente dependente desse oligopólio que hoje não está mais conseguindo se sustentar.
“Temos que ter claro que o mundo não acabou, não é estático. Tem renovação e adaptação permanente às exigências do consumidor”, disse em entrevista Bernardo Gurbanov, o presidente da ANL. Segundo ele, um dos movimentos que tende a ganhar força é volta da ampliação da rede de pequenas livrarias, visto que estão aparecendo muitas lojas novas ao mesmo tempo em que as novas gerações, interessadas por livros e ambientes culturais, chegam ao mercado de trabalho. “Também podemos pensar no comércio online das próprias editoras que precisam escoar seus produtos. Não digo que sejam estratégias definitivas e nem a salvação da pátria. Mas são saídas, tal como maior participação em eventos literários, feiras, enfim, uma maior aproximação com o consumidor vai ser essencial”, completa.
Com o objetivo de contornar as adversidades causadas pela chegada do COVID-19 no Brasil, muitas editoras estão optando por adiamentos ou lançamentos em e-books não planejados. Segundo a pesquisa feita em abril pela Liga Brasileira de Editoras (LIBRE), com foco na região sudeste, que visa compreender o impacto da pandemia na área financeira das editoras independentes, 81% dessas estão com algum atraso em seus recebimentos fazendo com que 88% das editoras decidissem pelo adiamento dos lançamentos ainda esse ano e 39% escolhessem incluir edições no formato digital que não eram planejadas.
Segundo a pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro ano-base 2019, conduzida Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), o faturamento de e-books, audiolivros e outros formatos digitais foi de R$ 103 milhões, 140% a mais quando comparado com os resultados de 2016 (com variação de IPCA em 115%. Foram vendidos 4,7 milhões de unidades, 96% delas em formato e-book e 4% em audiolivro. Hoje, ainda de acordo com a pesquisa, os meios digitais representam 4% do mercado editorial, bem como seu faturamento.