A Comercialização da Feminilidade

Como o mercado de cursos online se apropria do comportamento feminino
por
Lídia Rodrigues de Castro Alves
Fabiana Caminha
|
18/04/2023 - 12h

Mentora de deusas. É assim que a arquiteta e empresária Camila Pastório, de 32 anos, é conhecida entre os mais de 300 mil seguidores de seu Instagram. Camila ficou mais popular entre o público feminino por abordar temas de relacionamentos e feminilidade. Depois de se popularizar nas redes, Camila resolveu dar o próximo passo e começou uma mentoria online. Por cerca de 400 reais, a arquiteta disponibiliza vídeos e e-books que prometem revelar “tudo o que uma mulher feminina precisa saber para ser naturalmente poderosa e conquistar o homem dos sonhos”, como está descrito na página de venda.

“Eu trabalho de duas formas, individualmente e coletivamente”, explica Camila. “Se a aluna optar pelo atendimento individual, eu faço através de uma ligação, escuto a queixa dela e partimos daí. A outra opção é a mais comum, que é a coletiva. Eu já tenho uma plataforma onde a aluna tem acesso aos meus conteúdos separados por tema. Aí ela consegue acessar mais facilmente o que faz mais sentido para o caso dela.” A arquiteta ainda diz que esses temas vão desde dicas para “edificar o lar” até conselhos para deixar o perfil do Instagram mais atraente para os homens.

Quanto à origem do apelido, a empresária diz ter se autodenominado dessa forma. “Quando eu falo o termo deusa, todo mundo leva para esse lado mais espiritual, mas eu acredito que uma deusa seja uma mulher de alto valor, com os princípios firmados na espiritualidade. Eu sou de uma família cristã, e eu tenho os meus princípios firmados… e é isso que eu tento trazer para as minhas alunas também, eu quero que elas sejam realmente deusas, que aflorem seus encantos, e é isso que elas conseguem com o meu método.”

No site da empresária, onde é possível adquirir um dos seus três cursos disponíveis atualmente, existem dezenas de relatos de ex-alunas comprovando a eficácia do método das deusas. Na página principal estão comentários, fotos e até mesmo vídeos dessas consumidoras relatando a sua experiência depois da compra. Com certo destaque, podemos ver o relato (em caps lock e negrito) de uma aluna que foi pedida em namoro apenas três semanas depois de concluir a mentoria. Até mesmo o link da live do Instagram que comprova o momento do pedido está disponível.

Segundo Camila, o motivo de seu sucesso não se dá exclusivamente pela qualidade do curso, mas também pela pós-mentoria, o acompanhamento depois que a aluna adquiriu o material. “Por uma taxa de 30 reais, essa aluna pode também fazer parte de um grupo de WhatsApp que eu mantenho sempre atualizado com novidades exclusivas. Eu criei esse grupo para dar um senso de comunidade, eu quero que a minha aluna se sinta valorizada. No Deusas Online, ela tem isso, ela faz parte de algo maior.”

Camila é apenas uma das milhares de pessoas que passaram a oferecer cursos de mentoria para ganhar a vida. A devastadora maioria desses cursos é comercializada através da Hotmart, uma plataforma brasileira voltada para a venda e distribuição de produtos digitais. Grande parte desses produtos são de caráter “educacional”. Ou seja, são cursos e e-books que buscam ensinar algo, independente se o mentor é especialista no assunto.

O mercado desses produtos digitais para mulheres é, no mínimo, curioso. Em uma busca rápida, é possível encontrar métodos de emagrecimento, aulas de crochê, mentorias bíblicas, guias de relacionamento e até mesmo um curso sobre posições sexuais. O “Como sentar 2.0” é a continuação da bem-sucedida mentoria de Beatriz Rangel, que pode ser encontrada na categoria de desenvolvimento pessoal da plataforma. Na descrição do curso, a mentora promete resultados infalíveis. “Com vocês a versão atualizada e melhorada da tia Bea do curso “Como sentar”! Através dessa experiência eu vou te ensinar a como se sentir confiante para ir por cima na hora do sexo. A sentir prazer, não brigar com seu corpo, a controlar seus pensamentos para aproveitar a experiência e muito mais! Bora tomar coragem pra ser sua melhor versão?”

A facilidade na venda de aulas digitais pode ser perigosa. O “Como manter seu homem na palma da mão”, da pioneira da autoajuda feminina digital, Vanessa de Oliveira, traz discurso um tanto quanto problemático, e o fato do conteúdo não passar por nenhum tipo de aprovação intensifica o risco. A comercialização da imagem e do comportamento feminino torna-se cada vez mais comum.

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Em entrevista, uma mulher que preferiu não se identificar relata que desde que entrou nesse mundo de cursos não conseguiu parar. "Percebi que estava ficando viciada em discursos que muitas vezes não passavam de textos prontos para enganar qualquer pessoa. Eu fui enganada. Claro, não são todas as “especialistas” digitais que apostam no sensacionalismo. Mas a padronização da fala e da condução das aulas é sempre muito parecida. O principal motivo de as mulheres assinarem esses pacotes sempre gira em torno do homem. “Aprenda a fazer crochê para deixar a casa mais bonita para seu marido”, “como ser a melhor esposa do mundo”, “20 posições sexuais que deixam qualquer homem louco”, e por aí vai. O que faz refletir, para quem é o curso? Para as mulheres ou para seus companheiros? A quem interessa a venda da feminilidade?

 “Fiz mais de 20 cursos de empoderamento feminino, “Como ser a mulher perfeita, “Como mandar bem na cozinha para conquistar os homens” e um que realmente me convenceu a vender imagens sensuais por um preço de banana na plataforma Onlyfans", relata a entrevistada.

Esse é outro problema da banalização de temas no mundo digital, a capacidade de convencer e influenciar pessoas. O Onlyfans é um dos principais sites do gênero na atualidade. Ele indiretamente pode aproximar mulheres, principalmente jovens, da prostituição. “Assinei um curso que prometia trazer qualquer homem que eu quisesse, se eu fosse uma mulher sensual, se tivesse belas fotos nas redes, e então pensei: já que tenho que postar essas fotos, por que não vendê-las?" O relato só comprova a naturalização da venda do corpo feminino, e, desta vez, incentivada por mulheres que são idolatradas por outras que muitas vezes caem em ciladas por conta de títulos chamativos e fragilidades pessoais. Portanto, é importante entender que, apesar da passagem do tempo, a sensualidade feminina continua sendo usada para vender produtos e ideais.