Com um Congresso conservador, Lula precisará de aliados fora da esquerda

Em seu próximo governo, "centrão" será peça fundamental
por
Antônio Bandeira de Melo
Gustavo Manfio
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18/11/2022 - 12h

No dia 30 de outubro de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva, Partido dos Trabalhadores (PT), foi, pela terceira vez, eleito presidente do Brasil. Com 50,9% dos votos válidos, Lula derrotou Jair Bolsonaro, Partido Liberal (PL), no 2° turno mais apertado da história. Pouco mais de 2,1 milhões de votos separaram os dois candidatos. Lula já havia ocupado o cargo duas vezes, sendo a autoridade máxima do Poder Executivo entre 2003 e 2011. Mas, este seu terceiro mandato tem uma grande diferença para os anteriores: a base de apoio ao presidente parece enfraquecida. Nos últimos anos, com a polaridade da política brasileira o antipetismo se fez forte, o que levou ao crescimento da extrema direita no Brasil. Dessa vez Lula enfrentará maiores desafios para sua governabilidade.

Oswaldo Amaral, cientista político e professor da UNICAMP, explica que a pouca diferença entre os candidatos ocorreu por dois fatores. O primeiro é uma corrida eleitoral injusta. “Muitas das regras eleitorais foram violadas ou burladas, especialmente no que se toca a gastos. Foram mais de 50 bilhões de reais gastos em poucos meses, com clara finalidade eleitoral. Então isso fez com que, mesmo com a mal avaliação do governo Bolsonaro na maior parte do tempo, as eleições fossem equilibradas. A quantidade de recursos despejadas na economia fez o atual presidente ser mais competitivo.” O segundo era o antipetismo, e o fato de serem dois concorrentes com grande rejeição.

O Congresso Nacional é órgão constitucional que exerce as funções do poder legislativo. Ele é bicameral, então, é composto por duas casas: o Senado Federal, câmara alta, e a Câmara dos Deputados, câmara baixa. O Senado é integrado por 81 senadores que representam as 27 unidades federativas. Os mandatos são de 8 anos, então a cada 4 anos se renova um ou dois terços do Senado. Para exemplificar: em 2022, foram 27 senadores eleitos, um de cada unidade federativa, ou seja, um terço do Senado foi renovado. Nas próximas eleições serão dois terços. Ao todo, cada estado é representado por 3 senadores. Para 2023, os partidos políticos com mais eleitos são: PL (13), União (12), PSD (11), MDB (10) e PT (9).

Já na Câmara dos Deputados são 513 deputados federais que representam o povo. O número de deputados federais eleitos por estado leva em consideração o tamanho de sua população. Desse modo, o limite máximo por unidade federativa é de 70 deputados, caso de São Paulo, e o mínimo é 8, caso do Acre. Seus mandatos são de 4 anos, e em cada eleição se renova toda a Câmara Baixa. Se somarmos os partidos considerados de esquerda, que tendem a apoiar Lula, são 126 eleitos, sendo 68 do PT. Em contrapartida, o partido com maior número de representantes é o PL, de seu opositor, e atual presidente, Jair Bolsonaro, com 99 representantes. União Brasil (59), PP (47), PSD (42), MDB (42) e Republicanos (41) são os outros partidos com mais representantes. Os números mostram uma governabilidade difícil para o futuro chefe de poder.

Amaral cita algumas diferenças entre o futuro mandato de Luís Inácio e seu primeiro, em 2002. “A presidência da República está mais enfraquecida na sua relação com o Parlamento. Então, antes, o presidente tinha o poder de agenda maior, o que facilitava para ele a construção das coalisões para governar. Agora, com as mudanças que aconteceram durante o governo Bolsonaro, mudanças no regimento interno da Câmara, com alterações na forma de distribuição das emendas dos parlamentares, isso deu mais poder para o presidente da casa e os parlamentares. A construção das alianças e da coalisão pós-eleitoral, que torna possível a administração do governo fica mais difícil do que quando Lula assumiu pela primeira vez.”

Andréa Freitas, cientista política e professora da UNICAMP, aponta que os atores políticos mudaram significativamente do seu primeiro mandato para agora.  “Mudaram os partidos com as maiores bancadas, na época em que foi presidente pela primeira vez, as maiores bancadas eram do PT, PSDB, PFL e PMDB. E, agora vemos o surgimento de dois atores muito fortes o PL, mais a direita, e o União Brasil, antigo PFL, repaginado em uma fusão com o PSL. Tem também o PSD, do Kassab. Do ponto de vista dos partidos políticos a variável constante é o PT, à esquerda. Embora, o União Brasil venha do antigo PFL ele passou por muitas mudanças ao longo do tempo. Não dá para dizer que é a mesma coisa de 2003.”

Ela também explica que o Congresso não é muito diferente do qual o Lula governou pela primeira vez, quando se divide entre esquerda, direita e centro. “O PT tinha grande bancada, mas os partidos de esquerda não. Vale lembrar que em seu primeiro governo, o PSOL se separa do PT, então mesmo na esquerda tinha uma oposição. De forma geral, a divisão da casa se mantém, um quarto a direita, um quarto a esquerda e dois quartos para o centro.” A professora analisa que “a direita, o PL, e talvez outros pouco pequenos partidos fiquem a oposição. O resto dos partidos de centro, nessa ideia que se convencionou de ‘centrão’, já tem declarado apoio ao Lula e a intenção de fazer parte da coalisão. No primeiro governo ele tinha oposição muito forte no PSDB e no PFL que tinham duas grandes bancadas e faziam a oposição de forma sistemática. Hoje, o União Brasil, novo PFL, com as mudanças das características, já declarou a intensão de formar coalisão com o governo. E, o PSDB declarou que pode votar favoravelmente as medidas de Lula se isso se alinhar com as preferências do partido. Então existe uma coalisão pré-montada em termos de intenções, que, claro, vai depender das negociações da composição dos gabinetes dos ministérios. Como o Lula vai distribuir os ministérios entre esses partidos vai decidir se eles vão ‘jogar juntos’ ao longo do governo.”

Em termos de formação da coalisão Freitas explica que Lula deve negociar com o mesmo número de partidos. “Além dos partidos de esquerda e da federação que ele faz parte, alguma coisa entre 7 ou 8 partidos para formar a coalisão de governo”.

Diante do cenário conturbado e da grande polarização política, Lula deu início às estratégias muito antes de seu mandato começar. Participando das eleições desde 1989 e de volta à concorrência presidencial, o candidato do PT formou a maior coligação de sua carreira política e das eleições de 2022. A aliança juntou 9 partidos políticos: PT, PV, PCdoB, PSOL, REDE, Solidariedade, Avante, Agir e PSB, partido do vice Geraldo Alckimin, o adversário principal de Lula na eleição de 2006. Além disso, para o 2º turno teve o apoio oficial dos dois principais concorrentes que ficaram pelo caminho, Simone Tebet (MDB), terceiro lugar em votos, que participou de sua campanha, e Ciro Gomes (PDT), quarto lugar em votos, que acompanhou a decisão do seu partido.

Nas eleições do segundo turno, as 27 unidades federativas se dividiram em 13 vitorias para o candidato do PT, e 14 para Bolsonaro, mesmo Lula tendo ganhado em votos absolutos, sendo que o único local onde teve alteração no resultado do primeiro para o segundo turno foi o Amapá, onde na primeira disputa Lula venceu, mas na segunda Bolsonaro saiu vencedor. Dentro dos locais onde o eleito presidente ganhou, fica muito claro sua soberania no nordeste, mas também fica a insatisfação do centro-oeste, sul e sudeste, que mostraram a preferência pelo atual presidente. Algo já tradicional, segundo a professora.

Entretanto, para Freitas, o fato de ele não ter ido bem nessas regiões não implica em menos apoio no legislativo federal. Para ela, “a preocupação é com os governadores. Mas, como estados e municípios são muito dependentes do governo federal em recursos financeiros, não deve haver uma oposição muito forte. Não no sentido que eles vão se alinhar, ou defender as propostas encabeçadas pelo presidente, mas no sentido que eles não devem ser uma oposição quando o assunto não implicar em temas caros para os próprios estados. Os governos estaduais não devem implicar na redução nas taxas de sucesso ou na capacidade de governar do Lula, pensando na relação entre executivo e legislativo. A coalisão entre os líderes partidários é mais importante.”