A classificação indicativa na berlinda

Corte de cena em novela reabre discussão sobre o que pode ou não ser exibido na TV
por
Catarina Pace
|
13/06/2023 - 12h

No início do mês passado, foi ao ar um capítulo da novela global “Vai na Fé”, em que deveria acontecer o tão esperado beijo entre Clara e Helena. Para a surpresa e decepção do público, a emissora cortou a cena e foi muito criticada por fãs da atual novela das sete. A Rede Globo ficou nos assuntos mais comentados do Twitter com a hashtag #GloboApoiaSensura e se pronunciou no mesmo dia através de nota. "Toda novela está sujeita a edição. Uma rotina que atende às estratégias de programação ou artísticas. Isso, inclusive, é sinalizado nos resumos de capítulos divulgados pela Globo", afirmou a emissora.   

A situação chocou os telespectadores, principalmente porque o beijo estava descrito no resumo diário da novela e de alguma forma isso comprometeu o envolvimento do público. A nota emitida pela Rede Globo estimula um questionamento sobre o que pode ou não ser transmitido no “horário nobre” da televisão brasileira. As estratégias de programação, termo usado pela emissora, também estão associadas à classificação indicativa da novela, uma possível justificativa para o corte.   

A classificação indicativa é uma sugestão etária destinada ao público e depende de quais conteúdos determinados programa apresenta, dentre eles, violência, conteúdo sexual e drogas. Como um aviso sugestivo, a classificação não tem o direito de limitar nem censurar a programação, seja da televisão aberta, dos canais fechados ou de streaming.   

A professora e pesquisadora de linguagens, tecnologia e educação associada da PUC-Rio, Rosália Maria Duarte acredita que a classificação indicativa não tem o objetivo de restringir o público, mas, literalmente, indicar os conteúdos do programa. “Ela é um guia interessante, inclusive para adultos, pois há conteúdos sensíveis aos quais o espectador pode não querer ter acesso e ser avisado previamente disso é sempre muito bom. Toda boa escolha implica informação e a classificação indicativa é uma informação importante”, diz a professora.   

Por mais que seja só um aviso sugestivo, muito ainda é discutido sobre esse mecanismo de recomendação, principalmente, sobre seu contato com crianças. As novelas brasileiras, por exemplo, sempre tiveram um perfil realista, especialmente ao mostrar cenas de sexo, drogas e violência, e mesmo que pretendam representar o mundo real, para os pais, isso poderia se transformar em grandes preocupações com a educação.   

De acordo com uma pesquisa realizada pela unidade infantil da Globo, em parceria com os Coletivo Tsuru e Quantas, 84% dos pais entrevistados se dizem atentos ao que seus filhos estão assistindo na televisão. Por mais que não sejam uma totalidade de pais preocupados com o conteúdo que as crianças consomem, um número significativo limita seus filhos a programas recomendados para suas idades. Na televisão aberta, essa preocupação é maior ainda, já que nada além da sugestão de idade, pode controlar a exposição de crianças ao programa.   

Para Beth Carmona, consultora, produtora e gestora de projetos especializados na área infanto-juvenil, as produções não podem ser limitadas só porque as crianças podem ser parte de seu público. “Porque você não pode, no meu entender, mostrar em uma história para crianças e jovens um mundo que não é real, às vezes você pode pintar um mundo mais lindo do que ele é e não ser uma representação do real. Se você, só porque são crianças, são pequenas, faz uma obra totalmente desprovida de cenas de briga ou violência, é complicado, porque no contexto da obra pode fazer falta e pode demonstrar o contrário do que o autor imaginava. Não vai ter a moral da história, o certo e o errado”, diz Beth.   

Ao tratar desse assunto, valores éticos, morais e filosóficos entram em ação. É a liberdade de expressão do autor que está em perigo quando se pretende cortar uma novela ou programa exibido na televisão aberta. Por isso, a classificação indicativa não é uma imposição, e, como uma sugestão, não deveria ser utilizada como justificativa de cortes em cenas comuns à realidade.  

Ao mesmo tempo, cada pai tem um entendimento do nível educacional de seu filho e cabe a ele dizer o que pode ou não ser consumido pela criança. Rosália diz que acredita que a responsabilidade sobre programas de televisão e crianças é tanto dos pais quanto da própria emissora. “Acho que a responsabilidade é de ambos. Quem produz deve ter tanto compromisso com o bem-estar das crianças e adolescentes quanto as famílias delas. A responsabilidade pela educação dos mais jovens é da sociedade como um todo, não apenas de quem as concebe e cria. Os pais têm responsabilidade direta, claro, pois são eles que autorizam o acesso da criança às produções, mas quem produz precisa estar atento ao que pode prejudicar o desenvolvimento emocional daqueles a quem ele dirige o produto”, afirma.  

Uma das maiores críticas ao corte em “Vai na Fé” foi a de ter  limitado um beijo entre duas mulheres, o que raramente aconteceria com um casal hétero. As novelas têm acompanhado o tempo, sendo geralmente abertas e liberais, discutindo questões de raça, gênero e sexualidade. Se a emissão e as produtoras não acompanharem, ficarão deslocadas no tempo. Assim, esse tipo de decisão não deve ser pautado em qual público vai alcançar ou sua faixa de idade, mas simplesmente alertar o conteúdo através da classificação indicativa.   

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