Chile completa 52 anos do golpe de estado

Episódio violento comandado por Pinochet em 1973 tem efeitos até os dias atuais
por
Daniella Ramos
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11/09/2025 - 12h

No último Domingo, 7, organizações de familiares de vítimas da ditadura do general Augusto Pinochet se reuniram para relembrar o golpe que completaria 52 anos na quinta-feira. Em meio ao frio e à chuva, marcharam por Santiago.

Em 11 de Setembro de 1973, foi instaurada uma ditadura militar no Chile, acabando com o regime constitucional democrático. O socialista Salvador Allende era o presidente do país quando Pinochet tomou o poder.

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Intervenção artística que procura retratar a época em que Pinochet tomou o poder. Foto: Daniella Ramos

 

A disputa para presidência foi acirrada entre o socialista Allende e Jorge Alessandri, candidato da direita. A Constituição chilena previa a necessidade de maioria dupla no voto popular e no Congresso, para isso foram necessárias difíceis negociações, que culminaram com a confirmação do nome de Allende no Parlamento, apensar da tentativa de intimidação dos opositores, com o assassinato do comandante-chefe das Forças Armadas chilenas, René Schneider.

Havia uma separação onde a Democracia Cristã, aliada ao partido Nacional, de extrema direita, controlava o Congresso enquanto a Unidade Popular, representante dos setores mais populares, controlava o Poder Executivo. Logo teve início uma grande violência entre os grupos mais extremistas, chegando até a camada de pessoas comuns. Como o grupo extremista de direita Patria y Libertad tinha apoio da CIA, exército e marinha chilena, acabou conseguindo mais votos nas eleições parlamentares fazendo com que Allende tivesse minoria no Congresso.

Os grupos de ultradireita tentaram de todas as formas derrubar o governo, mas fracassaram pelo apoio que Salvador Allende tinha da população. Chegou a ser sugerido estado de sítio pelo Comandante-Chefe das Forças Armadas, Carlos Prats, que dizia que iria controlar a violência da direita e esquerda que se espalhava pelo país. 

O estado de confronto iniciado por Patria y Libertad teve o primeiro ato terrorista em parceria com oficiais sediciosos da marinha chilena, resolveram cortar todas as mangueiras que abasteciam os principais postos de gasolina de Santiago. O que ocorreu no mesmo horário em que o ajudante de ordens de Allende foi assassinado com objetivo de impedir a obtenção de informações sobre o meio militar pelo governo. 

O golpe foi articulado por oficiais da Marinha, da Força Aérea e do exército chileno com financiamento do governo dos Estados Unidos. A ditadura militar chegou a durar 17 anos com 3.200 mortes.

O general Augusto Pinochet tomou o poder junto ao vice-almirante da marinha, José Toribio Merino, e ao comandante da força aérea, Gustavo Leigh. 

Naquela terça-feira de setembro, às 7h30 já estava no início do golpe e Allende foi para o Palácio de La Moneda (Palácio Presidencial). Às 12h os aviões da Força Aérea Chilena começaram a bombardear a sede do governo por 15 minutos e Allende foi encontrado morto após cometer suícidio enquanto o golpe começava no centro da capital chilena, Santiago.

Em 2025, o Chile encara o período que passou como uma das mazelas sociais e, assim como o Brasil, fez o Comitê da Verdade e Reconciliação para punir adequadamente os torturadores.

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As comissões da Verdade identificaram 153 executados políticos ou assassinados em protestos; 40 detidos desaparecidos e 2.200 presos políticos e torturados. Foto: Daniella Ramos

 

Em Santiago existe o Museu da Memória e dos Direitos Humanos, que documenta as violações de direitos humanos durante a ditadura de Pinochet e homenageia as vítimas com seus itens e de seus familiares. O museu foi inaugurado em 2010 para promover a reflexão, sendo organizado em exposições permanentes, temporárias, centro de documentação e eventos educacionais. 

Entre tudo que está exposto no museu, tem cartas de crianças aos pais que foram presos e mortos na ditadura. Em uma das cartas, uma menina chamada Lulú junto a sua mãe, Cristina, escrevem o que estão fazendo, quais desenhos Lulú assiste e a criança ainda ressalta não gostar de ver a mãe sozinha mas que ambas tem a esperança de encontrá-lo logo. Enviam a ele a carta e um macaco de pelúcia torcendo para que ele se encontre bem e dê algum retorno por carta. 

“Querido papai, espero que esteja bem. Olha papai vemos na televisão os programas que eu gosto, são: “la gata que dice mi” [hello kitty]. Papai, um coração, um coração que disse tis tas, música livre e Pin Pon. Pin Pon é um boneco muito fino e de cartola, lava sua cara com água e com sabão. De Talcahuano nós queremos ir ao campo, queremos estar com a Betty porque me dá muita pena que minha mamãe esteja só, ela nos disse que não vamos mais ficar sozinhas e que devemos seguir estudando muito para te esperar sempre. 

Te amo muito papai, espero que você goste do macaco que te mandamos, nós vamos tirar uma foto para te mandar.

Tchau amor, recebe todo meu carinho. Tchau papai coração.

Abraço para você. De sua filha Lulú.

Me escreva carinho.

Papai lindo.

Cristina Elena Alegria Sato".

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Carta exposta no Museu dos Direitos Humanos no Chile. Foto: Daniella Ramos

O Chile foi um dos poucos países a se preocupar em expor e punir os responsáveis pelo regime militar que enfrentaram, mantendo vivo no dia a dia dos chilenos a importância desse fato histórico não se repetir. Uma forma de divulgarem e relembrarem como foi o período de 1973 a 1990 é o acervo do Museu, que tem entrada gratuita e fica na estação Quinta Norma da linha verde do metrô em Santiago.  

O atual presidente do Chile, Gabriel Boric, declarou em 11 de Setembro de 2024 que iria revogar um projeto de lei que está parado no Congresso desde 2014 para a anistia de quem cometeu crimes contra os direitos humanos, visando reforçar o cumprimento da democracia e direitos humanos.