Após dois meses desde a proibição do uso de celulares nas escolas do país, alunos, professores e especialistas têm relatado as mudanças observadas com a medida. Aprovado pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado e sancionado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) em janeiro deste ano, o PL 4.932/2024 dispõe sobre a restrição dos aparelhos nas escolas públicas e privadas. No entanto, para atividades pedagógicas que exigem o uso do dispositivo, os alunos são permitidos a usá-lo sob orientação dos professores.
Com o uso dos dispositivos proibido inclusive nos intervalos, o objetivo da lei é proteger a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes, além de mitigar os impactos do uso excessivo do celular. Apesar de aprovada recentemente no território nacional, a medida já vigora em outros países. Desde 2018, a França, por exemplo, restringe o uso de smartphones nas escolas. Outras nações como Espanha, Holanda, Dinamarca e Finlândia, também possuem alguma restrição quanto ao uso do aparelho no ambiente escolar.
Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), de 2023, existe uma relação negativa entre o uso excessivo das tecnologias digitais e o desempenho acadêmico. O documento, coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no Brasil, é inclusive citado no Relatório Global de Monitoramento da Educação da Unesco. Esse último estudo, do mesmo ano, afirma que “os aspectos negativos e prejudiciais do uso da tecnologia digital na educação e na sociedade incluem o risco de distração e a falta de interação humana”.
De maneira não surpreendente, tanto estudantes quanto quem trabalha na educação admite que o uso excessivo do celular atrapalhava o foco durante as aulas e às vezes até a interação entre os colegas. Barbara Adam, aluna do 3º ano do Ensino Médio no Colégio Rainha da Paz, localizado no bairro do Alto de Pinheiros, em São Paulo, comenta, em entrevista à AGEMT, que o telefone gerava distrações de maneira geral entre os colegas, já que “qualquer notificação que chegasse eles olhavam para ver o que era”. Mesmo fora do ambiente escolar, não é novidade que o hábito de olhar o dispositivo assim que recebe uma mensagem é sintomático socialmente.
Kauê Pereira, assistente pedagógico no Ensino Médio do colégio, complementa que o uso do aparelho em sala estava realmente descontrolado. “Era possível perceber o vício dos alunos no dispositivo, e as interações entre eles se resumiam a assistir conteúdos ou jogar no celular”. Djeferson Sousa, professor assistente na Escola Móbile, em Moema, também diz que entre as trocas de aula e intervalo “era a coisa mais comum ver a maioria no celular”.
A psicóloga clínica, mestra em educação e assessora pedagógica da Rede Metodista, em São Paulo, Vanessa Fantozzi, tampouco teve percepções diferentes. Por mais que não houvesse nenhuma proibição explícita, a orientação nas escolas do país sempre foi de não mexer no celular durante as aulas – mesmo assim, era comum ver estudantes usando o dispositivo durante as explicações. “A metodologia de ensino tinha que ser muito envolvente para o aluno realmente prestar atenção. Muitas vezes eu presenciei cenas do professor falando muito bem, passando a matéria de uma maneira bem didática, bacana, e o aluno atrás, na cara dura, mexendo no celular”. No dia a dia, Vanessa convive com alunos desde a Educação Infantil, até o Ensino Médio.
Embora passado um tempo desde a proibição, o Conselho Nacional de Educação (CNE) publicou recentemente uma resolução que orienta o uso dos dispositivos digitais nos espaços escolares. De acordo com o documento, cada instituição de ensino decide a maneira como os celulares serão guardados durante o dia letivo. O texto também informa que as punições para quem desrespeitar a norma devem ser implementadas de maneira democrática e considerando os direitos humanos.
Mesmo antes da lei federal, algumas escolas do país já haviam introduzido a restrição do uso de celulares no ambiente. É o caso do colégio de Barbara, que explica que antes da norma, no último trimestre do ano passado, a instituição deixava caixas de madeira dentro das salas para cada aluno deixar o aparelho assim que chegasse no local. “Mas muitas pessoas não respeitavam a regra, já que era pouco fiscalizado”, esclarece a aluna. Depois da regulamentação, no entanto, a orientação mudou para que cada estudante guardasse o telefone dentro da própria mochila.

Atualmente, as escolas onde estudam Matheus Amorim e Beatriz Ferreira, no Colégio Santa Lúcia Filippini e Colégio Arbos, respectivamente, seguem a mesma estratégia. A não ser que seja sob orientação do professor, o celular não deve ser tirado da mala em nenhum momento. Já na Escola Móbile, Djeferson explica que o dispositivo deve ser mantido necessariamente nos armários dos estudantes, disponibilizados para todos. Caso seja visto portando o dispositivo em sala, deve se retirar do ambiente. “Em uma ocasião, um aluno deixou o celular cair do bolso na sala de aula e teve que ser excluído da classe; ele não voltou até o término da aula”, cita o auxiliar. Nesse tipo de situação no colégio, o discente é orientado a ficar na coordenação até o fim da disciplina.
Segundo depoimentos dos estudantes e assistentes, no começo foi difícil a adaptação ao novo contexto, e mesmo dois meses após a restrição, não é raro ver alunos que tentam usar o dispositivo escondido. Já nos outros colégios nesses casos, se visto, o objeto é deixado na coordenação pedagógica pelos professores ou inspetores. Beatriz, que está no 3º ano do Médio e estuda em São Caetano do Sul, complementa que os jovens só podem pegar o dispositivo ao fim do dia e acompanhados dos pais.
“Todos os dias flagramos alunos indo ao banheiro para usar o celular ou tentando utilizá-lo escondido em sala. No entanto, em todos os casos, há uma intervenção. Isso apenas evidencia o quão viciante o uso do celular era para alguns estudantes”, diz Kauê. O assistente também cita que nem na cantina da escola os discentes podem usar o aparelho para pagar com Pix, ou cartão digital. “Eles precisam adicionar créditos no aplicativo da cantina para conseguir consumir, ou levar o próprio cartão físico.”
Até entre alguns professores o uso do dispositivo diminuiu, a fim de não influenciar os discentes a usarem, como no Colégio Rainha da Paz. O auxiliar pedagógico explica que formalmente, não existe nenhuma restrição, mas que os docentes foram aconselhados em reunião a ‘servir de exemplo’ para os jovens. Apesar do uso entre os educadores também ter diminuído, a orientação é bem mais flexível do que para os alunos.
Algumas instituições até disponibilizaram espaços para um “celulódromo”: local onde é permitido o uso do celular exclusivamente para fazer ligações e falar com os pais, antes e depois das aulas, se necessário. É o caso da Rede Metodista, que Vanessa acompanha, e da Escola Móbile. Diante da nova lei imposta, ao longo do tempo os alunos tiveram que se adaptar gradualmente e passaram a usar e buscar alternativas de entretenimento na escola, sobretudo nos intervalos. Além disso, as próprias instituições são orientadas pelo MEC para que ofereçam lazeres aos discentes.
Por todo o território nacional, existem relatos de diversas atividades para entreter os jovens: ping pong, pebolim, vôlei, basquete, futebol, queimada. “Uno”, truco, pular corda, leituras e até forró. Frequentemente, os alunos são consultados pela comunidade escolar para sugerir alternativas que lhe interessem. Apesar das dificuldades iniciais, alguns jovens avaliam que, de fato, se sentem mais concentrados sem a presença do dispositivo durante as aulas. Beatriz admite que a adaptação no começo foi complicada, já que quando precisava falar com alguém, era só pegar o celular naquele momento. “Com o passar dos meses eu fui me adaptando bem à nova lei e entendendo que o celular realmente afeta nossa concentração e aprendizado durante as aulas.” Para Barbara, o celular não fez falta e até achou boa a restrição por se sentir mais focada nas disciplinas.
Curiosamente, com a socialização pelo celular interrompida, alguns hábitos e transgressões que já não se viam constantemente em determinados anos, retornaram. “Bolinhas de papel voltaram a voar pela sala, colas estão sendo passadas por meio de papéis e borrachas, e piadinhas e rabiscos nas mesas tornaram-se mais frequentes”, menciona Kauê. Outra febre comum nos últimos tempos entre adolescentes, é o uso das câmeras digitais na sala de aula, sobretudo as tipo cybershot, máquinas compactas que tiveram seu auge nos anos 2000. Os dispositivos têm sido usados não só para registro entre os alunos, mas até para tirar foto da lousa – o que antes era feito com o celular.

Quanto ao uso dentro de casa desde a medida, os estudantes se dividem para dizer se passaram a usar menos o celular, ou não. Barbara acha que seu uso fora da escola não aumentou nem diminuiu; para Matheus, a mesma coisa. Beatriz confessa que seu tempo de uso do dispositivo aumentou em casa, principalmente quando passa o dia inteiro no colégio. Vanessa concorda que acha muito difícil que os alunos tenham diminuído o uso do telefone em casa, e sugere que os pais talvez devessem conversar com os filhos sobre o tempo excessivo de tela.
“Infelizmente, eu gostaria de falar que não, mas eu acho que eles continuam usando, sim, dentro de casa. Acho que os pais também querem tentar controlar isso, mas os filhos ficam muito tempo sem, aí eles [pais] acham que podem ficar mais tempo dentro de casa. Então também é uma restrição que os pais precisam colocar; talvez tempo de tela, porque isso não mudou dentro de casa, eles continuam usando. Requer os familiares a essa conversa".