Investir não é um privilégio de quem tem muito dinheiro (apesar de ter sido por muito tempo). Hoje, muitos brasileiros e brasileiras podem alocar parte do seu suado salário em produtos outrora vistos como inatingíveis, como é o caso de ações.
De uns tempos para cá, em especial nos últimos dois anos, a Bolsa de Valores Brasileira – a B3 – percebeu um aumento significativo de investidores pessoa física. No ano passado, foram registrados 3 milhões de novos CPFs operando no Ibovespa – uma verdadeira explosão de investidores já que, três anos antes, em 2017, esse número era de apenas 600 mil.
Um dos principais motivadores desse movimento foi a queda vertiginosa da taxa básica de juros, a Selic, ao longo dos últimos anos, chegando a 2% em 2020, e, hoje, a 3,50%. Para um país que viu seus juros baterem a casa dos dois dígitos, esse cenário não é nada mau.
A migração quase que forçada de produtos de renda fixa – que não apresentam, como já apresentaram, taxas de retorno tão altas – para a renda variável veio acompanhada de uma nova tendência: a prática do day trade.
Mas vamos ao básico: o que é day trade?
Trata-se da compra e venda (ou vice-versa) de ativos que começam e terminam no mesmo pregão. O lucro dessas operações se dá quando o preço médio da venda é maior que o da compra, depois de descontados todos os custos.
Basicamente, são operações de curto prazo, isto é, os day traders precisam acertar, em frações de segundos, minutos ou horas, a direção do mercado e de algumas ações. Nesse caso, são ignorados os fundamentos das empresas, já que uma oscilação diária do preço de uma ação nada tem a ver com a boa (ou má) gestão de uma empresa, ou com o seu plano de negócio.
A analista Aline Tavares, da casa de análise de investimentos Spiti, explica que a prática do day trade acontece há tempos na Bolsa – desde a época do pregão viva- voz, em que operadores, confinados em um salão lotado, compravam e vendiam no grito e fazendo gestos com as mãos.
Com o fim do pregão viva-voz, atrelado à popularização das plataformas digitais de negociação, e o aumento do número de investidores pessoa física na Bolsa, o day trade começou a se popularizar e se tornar acessível.
Dados da própria B3 indicam um aumento impressionante de operações day trade no país, principalmente em 2020, o ano da pandemia. Em 2017, foram contabilizadas 143 mil operações desse tipo. Em 2018, elas subiram para 236 mil. Em 2019, 482 mil. De repente, no ano passado, ocorreu um salto surpreendente para 1,140 milhão de operações day trade.
É claro que esse movimento não surgiu do nada.
Tavares explica que a pandemia foi um fator determinante, já que grande parte da população brasileira sofreu uma brusca redução de sua renda. Além disso, o isolamento social contribuiu para que navegássemos ainda mais nas redes sociais – a morada dos day trades amadores, que oferecem soluções mágicas e mirabolantes para ganhar dinheiro.
Segundo o LinkedIn, a maior rede social profissional do mundo, “investidor day trader” tornou-se a nona profissão emergente no Brasil em 2020.
Não à toa – há um sem-número de histórias de pessoas que investiram boa parte de sua renda (se não toda) para investir em cursos online de day trade e, claro, para operar na Bolsa.
O problema é que esse tipo de operação – complexa e de alto risco – “virou moda” e passou a ser vista como uma máquina instantânea de fazer dinheiro. O day trade passou a ser utilizado de forma indiscriminada como promessa de lucro rápido – um verdadeiro cassino com acesso liberado.
Porém, um estudo conduzido em 2019 pelos pesquisadores e economistas da Fundação Getúlio Vargas Bruno Giovannetti e Fernando Chague mostra que 97% das pessoas que investem na Bolsa perdem dinheiro, e, quem ganha, leva menos de R$ 300 por dia.
Os economistas atestaram que, dos 20 mil investidores monitorados num período de cinco anos, 92,1% desistiram da prática, e das 1.558 pessoas que persistiram em fazer as operações day trade por mais de 300 pregões, 91% ficaram no prejuízo. Juntas, elas perderam um total de R$ 68,4 milhões – uma média de R$ 35,90 por dia (sem contar as taxas cobradas pelas corretoras).
“As pessoas que fazem day trade não melhoram com o tempo. Em qualquer atividade normal, o profissional vai melhorando com a experiência. No day trade não, e isso aparece de maneira muito clara nos dados. A chance de ganhar cai com o tempo. Nenhuma outra atividade é assim, você faz, faz, faz e não melhora. Só cassino, que é pura sorte. Day trade é igual, pura sorte. Se fosse algo que dependesse de habilidade, o certo seria que, à medida que vai treinando, a pessoa fosse melhorando, mas não é o que acontece”, alerta Giovannetti.
Investir é uma prática que demanda tempo (e muita paciência). O day trade, ao contrário do que se acredita ainda, é uma operação nociva para aqueles e aquelas que querem construir o seu patrimônio com segurança.