Cecília Beraba, Giulia On Fire e Julia Dillon são profissionais que não são muito populares, mas ainda assim se dedicam muito à arte no Brasil. ‘’A música de forma geral é predominantemente estruturada por homens’’ diz a cantora Cecília Beraba, 30. Ela é uma carioca que canta desde muito cedo, começou a compor com 12 anos e fez seu primeiro show com 16. Já participou de 3 bandas, porém a maioria do tempo teve uma carreira independente.
Há uma dificuldade grande de uma mulher ser artista na música que inicia antes, logo nos estudos. Porque a música apesar de ser algo mensurável, existe certo e errado, é física. ‘’A música é matemática, mas que no dia a dia só leva em conta impressões emocionais, achismos e gostos. E gosto é identificação, gosto é reconhecer algo de você naquilo que você está ouvindo.’’ diz Cecília.
Normalmente, a mulher já começa seus estudos tendo seu ouvido mais questionado, menos estimulado em ter uma confiança, então é mais comum ver mulheres com medo de compor. ‘’É preciso ter confiança, precisa assumir aquele som, dane-se se alguém vai achar bom ou ruim. Se você não assume aquele som, aquele som não virá um grande som porque ninguém começa a compor brilhantemente, quando começa é lixo sempre. E para você continuar você precisa de alguma coisa internamente que vá te levando uma confiança e essa confiança é negada a mulher se comparada ao homem desde o início’’ confirma Beraba.
A artista carioca já andou muito pelo mundo da música e diz ‘’Os caras sempre acham que eles sabem e a mulher não sabe’’, mesmo Cecília com academia e experiência na área . ‘’Faz algumas mulheres desistirem e outras confiarem sempre em caras, precisando sempre de homens dando ordens e falando o que é bom ou é ruim.’’ Conta sobre as colegas.
Apesar de nunca ter sofrido machismo pela plateia, ela compartilha ocasiões desagradáveis ‘’os caras querem ficar discutindo sobre uma música que eu que compus, querem discutir nota, coisas completamente absurdas que um homem nunca passaria por isso ``, diz ela. Além disso, já ouviu ‘’você não pode cantar porque já tem uma mulher tocando na banda’’, como se tivesse uma cota feminina.
Um machismo que, aparentemente, naquele momento imediato não é ruim, ou não atrapalha tanto, mas pra médio ou longo prazo para o mercado como um todo, atrapalha muito, é o machismo paternalista. ‘’Isso tem muito, os homens que olham uma menina e tomam a frente para ajudar, que se sentem pai e que já vivi algumas vezes, mas é difícil de reclamar porque são pessoas que te ajudam, são pessoas que te acolhem, que te ensinam muito, mas no todo também é uma forma de machismo.’’, compartilha Cecília.
Beraba comenta que já tentou montar estruturas de gravação com contratos exclusivamente com mulheres, mas é uma missão difícil. ‘’ São poucas e normalmente elas têm muitos trabalhos. Na verdade, para conseguir achar um músico, seja homem ou mulher, que toque aquilo que você está buscando, que esteja acostumado com o estilo que você está querendo e que ainda por cima consiga pagar é muito difícil. Os filtros vão peneirando e não é fácil você fechar uma equipe. E, quanto mais filtro você coloca, mais difícil fica o trabalho. Sendo um trabalho independente quando ainda tem limitação financeira e de tempo, é muito complicado.’’ ressalta ela. Logo, é uma cena basicamente masculina.
A Música Popular Brasileira (MPB), de forma geral, seja independente ou underground, é repleta de grandes cantoras e intérpretes. ‘’Mas hoje em dia as mulheres cantoras estão cantando, produzindo, fazendo composições incríveis, se empresariando, sendo diretora de arte, a gente tem que fazer tudo. Nesse sentido, são muitas mulheres incríveis fazendo muitas coisas, mas quando vemos a banda, os instrumentistas, vai ver os produtores que estão no entorno disso, normalmente, majoritariamente, esmagadoramente, são homens.’’ afirma Cecília.
Além disso, as cantoras underground também enfrentam outro problema: a sabotagem das grandes estruturas do mercado. A artista carioca afirma já ter passado por isso ‘’ há máquinas maiores do mercado musical que têm muita dificuldade de aceitar artistas que não fazem parte do pequeno núcleo, daquelas panelinhas que ficam girando em torno de si mesmas. Eu vivi isso, mas nada com agressividade, só tive um pouco de dificuldade, mesmo assim depois fui bem recebida e consegui existir, sem entrar na frente de ninguém e ninguém tem entrado na minha.’’
O acolhimento entre as cantoras ajuda muito a fortalecer o cenário underground, ‘’ meus amigos de outras bandas prestigiam minha arte e eu prestigio dos meus amigos, isso aí é bem azeitado até porque eu busco me cercar de pessoas que gostam muito de música acima dos seus próprios sonhos de vaidade máxima e reconhecimento, gente que tem um grande prazer em fazer canção.’’
Anteriormente Cecília vivia exclusivamente de música, era professora de canto há mais de 13 anos e completava a renda fazendo shows. Contudo, dois anos atrás, começou a fazer atendimento de astrologia e tarot, que é sua formação. Então sua estrutura financeira mudou bastante e vive basicamente disso. Essa profissão possibilitou que ela se estabilizasse e conseguisse gravar seu primeiro disco, já que antes não conseguia por falta de dinheiro.
Beraba já cantou com Gilberto Gil e assina mais de 30 canções com Jorge Mautner. Em tempos de pandemia, Beraba dirige os músicos dentro de casa via Zoom, menos a parte vocal, que grava sozinha dentro de um estúdio. Houve um dia que a cantora precisou fazer um show gravado, mas conseguiu manter o distanciamento e reduzir a equipe em 3 pessoas, o instrumentista, o gravador e ela.
Giulia On Fire, 27, canta desde criança, sua avó dizia que a qualquer momento podia melhorar se ela cantasse, então ela cantava fazendo tudo. Com 7 anos, entrou no coral da escola. Aos 16, começou a fazer aulas de canto, mas sua carreira iniciou aos 24, quando lançou seu primeiro EP autoral e fez seu primeiro show. Durante a quarentena, ela não tem mais frequentado estúdios, pois grava e ensaia em casa. A cantora comenta que produz muita coisa sozinha. Apesar de trabalhar como influenciadora e criadora de conteúdo no TikTok, considera ser cantora a profissão principal.
Já Julia Dillon, 20, é uma jovem vocalista de uma banda de rock. Ela sempre cantou, mas só começou a fazer shows em 2017. Por quase três anos tocou com sua primeira banda "Contra Maré" que formou com os amigos no ensino médio e chegou a gravar um single com eles, porém o grupo não foi para frente e se desmanchou. Sua segunda banda "Backstage Queen" teve um curto período de "vida" por, segundo Dillon, ter sido formada no momento errado. Agora em sua terceira banda "Ginger & the Peppers", que foi formada durante a pandemia, tem frequentado estúdios e vê um horizonte de novas oportunidades, com a gravação de seu primeiro álbum em andamento e uma proposta de contrato com uma gravadora de fora do Brasil.
Julia ainda comenta que a pandemia surpreendentemente teve um impacto positivo em relação à música para ela, porque além da "Ginger & the Peppers" ter sido formada na pandemia, eles conseguem compor muitas músicas, definir a identidade da banda e já tentar ganhar uma base de fãs para quando os shows voltarem. Essas oportunidades podem mudar a vida da cantora, que não vive de música ainda, mas pode mudar essa realidade num futuro próximo.