Campanhas mobilizam ações de combate à fome

Mais de metade dos brasileiros sofrem de insegurança alimentar; movimentos de trabalhadores reagem
por
Daniela Oliveira
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25/05/2021 - 12h

O quadro de insegurança alimentar já atinge mais da metade dos brasileiros. Os efeitos da instabilidade econômica, agravada pela pandemia de Covid-19, trouxeram consequências sociais que afetam em sua maioria a parcela mais pobre da população, que já sofria com uma crescente tendência de insegurança alimentar.

Em junho de 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) estimava  que, até o fim do ano, mais de 130 milhões de pessoas no mundo estariam em situação de insegurança alimentar. Os dados convergiam com os de diversos movimentos sociais que analisavam o Mapa da Fome no Brasil. A convergência motivou o grupo Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia a desenvolver uma pesquisa, em nível nacional, para entender os efeitos da pandemia na alimentação dos lares brasileiros.

A pesquisa revela que mais de 125 milhões de brasileiros estavam ou passaram pelo quadro de insegurança alimentar no último trimestre de 2020. Do grupo de entrevistados, 31,7% estavam em grau de insegurança leve, 12,7% em insegurança moderada e 15% em insegurança grave o maior dos níveis, quando existe falta de comida.

Os efeitos da má alimentação ou da falta dela em um indivíduo são vários. O nutricionista Matheus Silva destaca a deterioração da saúde física causada pela desnutrição. Ela pode ser provocada pela falta de nutrientes decorrente de uma alimentação de baixa qualidade ou de nenhuma alimentação. Matheus afirma que a realidade social, cultural e financeira da população influencia em sua alimentação e que o cenário político e econômico do Brasil colabora para o atual quadro de insegurança alimentar. “A falta de um nutriente na alimentação, seja no desenvolvimento no útero ou no decorrer da vida, pode causar inúmeras doenças, sejam reversíveis ou irreversíveis”, comenta.

Tendo em vista o cenário preocupante, movimentos de trabalhadores organizados agem em combate ao caos instaurado pela instabilidade econômica a partir de campanhas solidárias. As iniciativas tornaram-se um auxílio a inúmeras pessoas que passaram a ocupar o quadro de insegurança alimentar no Brasil.

“Vendo a inércia do Estado e a redução dos auxílios emergenciais, entendemos que era momento de se organizar como uma rede para que, com o apoio da sociedade, pudéssemos atender algumas pessoas que estão em situação de insegurança alimentar. Entendemos que é dever do Estado atender essas pessoas, mas, sabendo que o próprio nega a gravidade da pandemia, tínhamos que nos movimentar”, diz Ana Moraes, militante do coletivo Resistência, corrente interna do PSOL, e da campanha É Tudo Pra Ontem.

A rede de solidariedade surgiu a partir de uma proposta dos coletivos que atualmente compõem a bancada feminista do PSOL em São Paulo e atende as regiões do estado com menos assistência do governo. Lançada em abril de 2021, a É Tudo Pra Ontem já arrecadou mais de 1.600 quilos de alimentos para as comunidades, mas Ana pondera: “A demanda está cada vez maior, estamos recebendo cada dia mais uma nova demanda e, devido à situação do país, as colaborações estão diminuindo”.

Militantes da campanha É Tudo Pra Ontem com camisetas da campanha e punhos levantados em sinal de resistência.
Ação da rede de solidariedade É Tudo Pra Ontem. Foto: Divulgação/É Tudo Pra Ontem.

 

O cenário econômico também afetou a demanda de doações da campanha Lute Como Quem Cuida, parceria entre o MST São Paulo (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o MSTC (Movimento Sem-Teto do Centro). Edouard Fraipont, fotógrafo e militante do MSTC, conta que a iniciativa tem pouco mais de um ano, iniciada logo no começo da pandemia. Pouco tempo depois, a campanha teve de buscar novas formas de organização para seguir em frente com o avanço da pandemia no estado. “Com a campanha a gente conseguiu ficar seis meses, até que uma hora as doações ficam mais rareadas, rarefeitas, a própria campanha acaba se cansando de certa forma, as pessoas vão doando menos, e a gente tem que se reinventar. Aí a gente inventou o delivery.

A campanha recentemente se uniu ao movimento dos Entregadores Antifascistas para resistir por um maior período, e tem convidado todo domingo um chef de cozinha para fazer as quentinhas que vão para entrega. O preparo é realizado na cozinha da Ocupação 9 de Julho. “A gente está ampliando esse grupo dos Entregadores Antifascistas junto com os moradores da ocupação que também fazem entrega. Eles estão construindo um jeito coletivo de fazer essas entregas. É uma forma coletiva de pensar, e parte do trabalhador a organização”, diz Fraipont.

Na cozinha da ocupação 9 de julho, militantes da campanha Lute Como Quem Cuida posam com os punhos pra cima, em sinal de resistência. Atrás dos mesmos, existem duas bandeiras, sendo uma do Movimento Sem-Teto do Centro e outra do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.
Domingo de campanha na cozinha da Ocupação 9 de Julho. Foto: Divulgação/Lute Como Quem Cuida.

 

Já no sul do país o cenário é um pouco mais reconfortante. Lá, há pouco mais de um ano, o MST Paraná iniciou a campanha Marmitas da Terra e tem se mantido firme na luta pelas famílias que precisam de auxílio, conta Jade Azevedo, jornalista, produtora audiovisual e voluntária na campanha. “Começamos no dia 02 de maio de 2020 com 300 marmitas e na semana seguinte veio a necessidade de aumentar a produção para 700 e continua sobre o decorrer da campanha: “O ano virou e a quantidade de pessoas em situação de rua e em situação de risco alimentar só aumentou e sentimos a necessidade de aumentar também a produção semanal de marmitas. Por isso, em 2021 passamos a entregar 1.100 marmitas por semana. Para que esse número não abaixe, existe toda uma campanha de solidariedade que envolve as famílias do MST, que seguem doando alimentos e seus espaços para plantarmos, instituições, sindicatos, parceiros e pessoas que participam”.

A ação também traz à tona o debate da importância de uma reforma agrária popular e da agroecologia na produção de alimentos sem veneno e sem agressão à terra.

Dezenas de outras campanhas se espalharam pelo país em reação não apenas à pandemia, mas às medidas socioeconômicas adotadas no último ano. Muitas delas são projetadas para continuar em vigor depois deste período, visto que inflação e Covid-19 podem empurrar o Brasil de volta ao Mapa da Fome, posto que o país deixou de ocupar em 2014, mas do qual tem se aproximado cada vez mais nos últimos anos. 

Um boné do MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em meio a verduras.
Foto: Leonardo Henrique/Comunicação Marmitas da Terra MST-PR

 


 

Como apoiar as campanhas solidárias

É Tudo Pra Ontem

Financiamento coletivo: vaquinha no Abacashi

Chave PIX: redeetudopraontem@gmail.com

 

Lute Como Quem Cuida

Quentinhas da semana: link no Iperum

Cozinha da Ocupação 9 de Julho: sacola no PagSeguro

 

Marmitas da Terra

Associação de Cooperação Agrícola e Reforma Agrária do Paraná (ACAP)
CNPJ: 02.881.494/0001-96

Banco do Brasil

Agência: 4500-4

Conta corrente: 108973-0

Banco Itaú

Agência: 3834

Conta Corrente: 25030-4

Chave PIX: acap.pr@gmail.com