A caça ao tesouro de Bolsonaro

A cronologia das joias sauditas entregues ao ex-presidente do Brasil
por
Giuliana Barrios Zanin
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18/08/2023 - 12h

Na última sexta-feira (11), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes autorizou a busca e apreensão de objetos e provas na casa de Mauro César Cid, pai de Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Jair Bolsonaro. A Polícia Federal (PF) aponta  o envolvimento do político na venda ilícita de jóias dadas pelo príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, em 2021. Além do ex-presidente, outras quatro pessoas ligadas a ele estão sendo investigadas. 

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Mauro César Cid foi braço direito de Bolsonaro durante os últimos quatro anos./Reprodução

Tudo começou em outubro de 2019. O ex-chefe de Estado brasileiro embarcou  rumo  ao distrito Al-Turaif com o objetivo de apaziguar qualquer “mal-entendido” provocado pela ideia de transferir a embaixada do Brasil em Israel, além de atrair investimentos de infraestrutura para a nação latina. Durante a visita à Arábia Saudita, último país do projeto oficial “Ásia e Oriente Médio”, Bolsonaro recebeu um presente valioso e robusto que seria repassado a terceiros com facilidade meses depois. O kit recebido continha um anel, abotoaduras, um rosário e um relógio da marca Rolex de ouro branco.

 Aqueles não foram os únicos acessórios luxuosos que o político ganhou. Primeiro, o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em uma viagem à Arábia Saudita, retornou a ao Brasil com um conjunto de itens da marca Chopard. Ele trouxe consigo uma caneta, um anel, um par de abotoaduras, um rosário e um relógio. No mês seguinte, o reino de Bahrein presenteou o ex-presidente com duas esculturas (uma palmeira e um barco). De acordo com a Polícia Federal , as obras não foram registradas oficialmente, assim como um relógio da Patek Phillipe. Mauro Cid enviou uma foto do seu certificado de autenticidade a Bolsonaro. O item não foi registrado no acervo do presidente. 

A patrulha expandiu seu plano por meio de  uma série de viagens de avião aos Estados Unidos a partir de  junho de 2022. O ex-general passou por idas e vindas com uma  lista de relógios recebidos pela Presidência e documentos das peças. Na época em que Jair  embarcou para a Cúpula das Américas nos EUA, um relógio Rolex foi levado ao país. De acordo com a PF, o kit  estava na casa do pai do ex-ajudante de Bolsonaro, em Miami.

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As jóias sauditas entregues à Jair deveriam ser de patrimônio público, porém  foram registradas no acervo pessoal do ex-chefe de Estado./Reprodução

 A essa  altura, a venda de boca em boca valorizou o trabalho de Cid. Em 13 de junho de 2022, o ex-general viajou  para Willow Grove, na Pensilvânia, e vendeu  os relógios das marcas Rolex e Patek Philippe para a empresa Precision Watches. O preço foi de US$ 68 mil, equivalente a R$346.983,60. Uma foto do comprovante de depósito foi armazenada pelo ex-assessor. O dinheiro foi  depositado numa conta que corresponde a Mauro Cesar Lourena Cid, o pai do militar e também ex-general da reserva.

“Presentes que são doados ao Estado devem ser incorporados ao patrimônio público", reforçou o Presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas. No entanto, todos os regalos recebidos por Jair como honra da Presidência foram arquivados em seu acervo pessoal. Sua equipe chegou a registrá-los no Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH) da Presidência como declaração legal de Patrimônio Público. 

Dois dias antes da posse presidencial de Luis Inácio Lula da Silva, Bolsonaro foi para Orlando com uma mala que continha o kit da Chopard e as esculturas.  Seu destino era a casa do pai de Mauro Cid.

Em mensagens de texto, pai e filho  discutiram sobre os cuidados dos objetos. É neste momento que dois personagens entram em cena : os assessores do ex-representante de ordem e do ex-presidente, Osmar Crivelatti e Marcelo Câmara. Os homens eram responsáveis por levar as peças a lugares especializados em avaliação de venda. Nas mensagens, subtende-se que eles não conseguiram  vender os brilhantes. Porém, no dia 4 de janeiro, Mauro Cid conversou  com o pai e pediu  para ele “não esquecer de tirar fotos".O general enviou  uma sequência de imagens de duas esculturas em que o reflexo do seu rosto aparece nas fotos.

Uma  reportagem do jornal O Globo teve acesso a fotos e transcrições de áudio dos negócios., No histórico, Mauro Cid diz que já mandou “voltar” o kit de jóias  que havia sido colocado em leilão e afirma: “Só dá pena pq estamos falando de 120 mil dólares / Hahaaahaahah”. Já Câmara diz que o trâmite é “pra não ter problema” e acrescenta: "porque já sumiu um que foi com a DONA MICHELLE”, em referência à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.

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O pai de Mauro Cid interceptou, em Miami, as vendas das jóias./Reprodução 

As jóias que estavam na mala do ex-assessor do ex-ministro Bento Albuquerque foram apreendidas pela Receita Federal no Aeroporto Internacional de Guarulhos em outubro de 2021. A justificativa do órgão condiz com uma lei que obriga a declaração de qualquer bem cujo valor seja superior a US$1 mil. Os responsáveis ignoraram a opção de declarar as joias como bens destinados ao patrimônio da União. 

Após uma reportagem do Estado de São Paulo revelando o esquema em março de 2023, a Operação de resgate das jóias, também chamada de  “Lucas 12:2”, é oficializada. Em busca de provas da comercialização dos objetos sauditas pelo governo Bolsonaro, a PF coletou áudios e mensagens dos envolvidos.  Neste momento, mais uma figura surge no mar de fiados: o advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef. Ele ficou responsável por recuperar o relógio Rolex com a empresa Precision Watches, vendido no ano anterior por Mauro Cid no fim do primeiro trimestre. Com provas em mãos, o Tribunal das Contas da União (TCU) suspendeu  o uso e a guarda dos objetos pelo ex-chefe de Estado.

A partir dessa decisão, a devolução dos acessórios é declarada para a defesa de Bolsonaro. O primeiro kit da marca Chopard foi entregue  e os outros retornaram ao cofre público da Caixa Econômica Federal pouco tempo depois que  Mauro Cid retornou  ao Brasil.

Até o dia da busca e apreensão dos próximos a Bolsonaro, nenhuma das defesas dos acusados se pronunciou. Ao não ser pelo próprio  ex-presidente em conversas rápidas e informais.

Durante uma coletiva em  de março de 2023, Bolsonaro, questionado pelo caso das jóias, insistiu  na versão vitimizada. “Eu tô sendo crucificado por um presente que eu não recebi”.

Dois meses depois, Mauro Cid foi preso por conta de uma operação da PF sobre a inserção de dados falsos de vacinação contra o COVID-19 no sistema do Ministério da Saúde. O militar não havia se pronunciado até que, o dia 17 de agosto,  sua defesa afirmou que iria em solos judiciários admitir o mandatário de Bolsonaro sobre as jóias e a transferência da venda em espécie ao ex-chefe de Estado. No mesmo dia, Alexandre de Moraes  autorizou o pedido da PF para a quebra de sigilo bancário do ex-presidente e sua mulher. 

A delação do ex-general, entretanto, não chegou a acontecer. No dia seguinte ao anúncio, o advogado Cezar Bittencourt negou que Cid iria “dedurar Bolsonaro”. Em uma entrevista ao Estúdio i da GloboNews, declarou que “houve um equívoco” com relação às informações divulgadas. 

Diante de tanta ebulição política, os deputados federais Érika Hilton (PSOL) e Pastor Henrique Vieira (PSOL) acionaram o STF para que o passaporte de Bolsonaro seja apreendido nas próximas 24 horas. A Ministra do Planejamento e Orçamento do Brasil, Simone Tebet, também apoia a decisão. Na cerimônia de posse do novo presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizada nesta sexta-feira (18), disse que “quem fugiu para não passar a faixa para um presidente legitimamente eleito pelo povo com certeza vai querer abandonar o Brasil para poder salvar a própria pele”.