Por Pedro Bairon
Em 30 de setembro de 2022, Burkina Faso, no coração do Sahel africano, assistiu a uma nova virada política. O capitão Ibrahim Traoré, então com 34 anos, liderou um golpe militar que depôs o presidente de transição Paul-Henri Sandaogo Damiba ligado aos interesses políticos e econômicos franceses. Desde sua ascensão ao poder, Traoré tem reconfigurado o posicionamento do país no cenário internacional, adotando uma retórica e políticas de cunho nacionalista e desenvolvimentista, distanciando-se de antigas influências ocidentais. Aliado a isso, promoveu uma aproximação estratégica com Mali e Níger, unindo forças na chamada Aliança dos Estados do Sahel (AES), como parte de uma nova arquitetura de segurança coletiva e solidariedade regional, com forte ênfase em ideais pan-africanistas e na afirmação da soberania nacional.
O país africano, assim como tantos outros, passou por um processo de colonização extremamente violento, neste caso conduzido pela França. Antes conhecido como “Colônia do Alto Volta”, Burkina Faso sofreu a imposição de estruturas políticas e econômicas voltadas a servir os interesses europeus, com exploração intensiva de recursos e marginalização das populações locais. A presença colonial intensificou-se no final do século XIX e estendeu-se até 1960, quando, em meio à onda de independências africanas, o país conquistou formalmente a soberania.
A ruptura não significou de imediato a superação das dinâmicas neocoloniais. Nas décadas subsequentes, o país manteve relações assimétricas com antigas potências europeias e com os Estados Unidos, dependência que restringiu sua capacidade de formular políticas próprias de desenvolvimento. Foi nesse contexto que, em 1983, emergiu a liderança de Thomas Sankara, jovem capitão que assumiu o governo com um programa de transformação social profundo. Ele rebatizou o país como “Burkina Faso”, ou “Terra dos homens íntegros” implementou reformas em saúde, educação e reforma agrária, defendeu a emancipação das mulheres e tornou-se símbolo do pan africanismo e da resistência ao imperialismo, até ser deposto e assassinado em 1987. Décadas mais tarde, novas lideranças passaram a reivindicar esse legado. Desde 2022, sob Ibrahim Traoré, observa-se um esforço explícito para se apropriar da memória e das bandeiras de Sankara, reposicionando a narrativa nacional em torno da soberania e do fortalecimento do Estado.
Desde a ascensão de Ibrahim Traoré ao poder, Burkina Faso tem apresentado sinais consistentes de recuperação econômica e social, consolidando avanços em setores estratégicos e reconfigurando sua posição regional. Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial revelam que o Produto Interno Bruto (PIB), que havia registrado crescimento modesto de 1,8% em 2022, avançou para 3,6% em 2023 e acelerou para 4,9% em 2024, impulsionado sobretudo pelos setores de serviços e agricultura, beneficiados pela melhora na segurança, condições climáticas favoráveis e políticas governamentais de incentivo ao setor agrícola.
A estabilidade de preços constitui outro indicativo relevante do desempenho econômico. A inflação anual, que atingiu 14,1% em 2022, caiu para 0,7% em 2023, segundo o Banco Mundial, refletindo maior previsibilidade para o consumo e a atividade econômica. Em 2024, a inflação subiu para 4,2%, sobretudo devido a aumentos nos preços dos alimentos, mas mantém-se dentro de um patamar controlado, compatível com uma economia em consolidação.
O rigor na gestão fiscal também se destaca neste contexto. O déficit fiscal, que representava 10,7% do PIB em 2022, reduziu-se para 6,7% em 2023 e atingiu 5,6% em 2024, resultado da combinação de controle disciplinado dos gastos públicos e incremento na arrecadação. Paralelamente, o déficit da conta corrente apresentou melhora, recuando de 8,0% do PIB em 2023 para 6,4% em 2024, impulsionado, em grande medida, pelo aumento das exportações de ouro. Segundo dados do Banco Nacional de Desenvolvimento dos BRICS, a política de nacionalização e refinamento do ouro, incluindo a construção da primeira refinaria nacional com capacidade para processar 400 kg por dia, representa uma estratégia clara de soberania econômica, reduzindo a dependência da exportação de minério bruto e ampliando a arrecadação estatal.

O setor agrícola tem sido alvo de políticas intensivas que visam à autossuficiência alimentar e ao fortalecimento do setor primário. Foram distribuídos mais de 400 tratores aos agricultores, e em março de 2025 foi inaugurada a primeira fábrica estatal de laticínios, Faso Kosam, com planos de expansão. Essas ações refletem o compromisso do governo em atender às necessidades materiais da população, garantindo o abastecimento interno e fomentando a produção local.
A redução da pobreza extrema acompanha esse ciclo de crescimento e políticas públicas. O Banco Mundial registra uma diminuição de 3 pontos percentuais, para 23,2% em 2024, especialmente nas áreas rurais. Considerando o contexto histórico, a pobreza extrema havia recuado de 83% em 1990 para 27,7% em 2023, indicando uma trajetória de progresso que o governo de Traoré procura acelerar.
A segurança interna, condição indispensável para o desenvolvimento sustentável, também tem apresentado avanços notáveis. Segundo a AES, em agosto de 2025, Burkina Faso recuperou 72,7% de seu território do controle de grupos armados, que segundo o Ministério da Defesa de Burkina Faso, contavam com financiamento de lideranças ocidentais, contra 70,89% em dezembro de 2024. A retomada gradual da administração pública e a reabertura de atividades econômicas, como a mina de Bongo, contribuem para o restabelecimento da normalidade social e econômica, criando condições para a continuidade do crescimento e da redução da pobreza.
O conjunto dessas medidas está organizado dentro do Plano de Ação para o Desenvolvimento e Estabilização (PASD 2023-2025), que contempla um orçamento de 12,4 bilhões de dólares e prioriza combate ao terrorismo, resposta à crise humanitária e reconstrução do Estado. Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento dos BRICS: “o financiamento do plano combina recursos internos, subvenções e empréstimos estratégicos, demonstrando a busca do governo por autonomia financeira e estabilidade de longo prazo.”
Sob a liderança de Traoré, Burkina Faso constrói assim um cenário de recuperação econômica e social robusto, apoiado em políticas que articulam segurança, soberania econômica e desenvolvimento inclusivo, junto com pesados investimentos em infra-estrutura feitos pela China e Russia. A trajetória do país evidencia a importância de uma estratégia coordenada, capaz de integrar crescimento econômico, estabilidade de preços, controle fiscal e fortalecimento do setor primário, enquanto reafirma sua independência em relação às dinâmicas tradicionais de dependência financeira internacional.
Mesmo em um período relativamente curto, é possível observar transformações significativas na realidade de Burkina Faso, evidenciando avanços palpáveis tanto para a população quanto para a economia nacional. Essas mudanças refletem não apenas políticas públicas eficazes, mas também uma gestão comprometida com a soberania alimentar, a recuperação econômica e a melhoria das condições de vida da população.
Segundo dados do Banco Mundial, a taxa de extrema pobreza no país diminuiu para 23,2% em 2024, representando uma redução de 3 pontos percentuais em relação ao ano anterior. Esse declínio é particularmente notável nas áreas rurais, onde a implementação de programas agrícolas e a distribuição de recursos têm proporcionado um alívio significativo para as famílias mais vulneráveis. Além disso, a retomada das atividades econômicas locais, como feiras, mercados e pequenas produções rurais, tem permitido que milhares de burquenses retomem sua rotina produtiva e o acesso a bens essenciais, fortalecendo a economia comunitária, muito comum ao longo do regime de Sankara.
O professor e doutor em economia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Marcos Dantas ressalta que ás políticas nacionalistas norteadas por uma perspectiva pan-africana são fundamentais para um desenvolvimento das capacidades produtivas ao longo dos anos. Essas medidas adotadas por Traoré, evidenciam de maneira inequívoca a necessidade de África se tornar um continente independente, livre das amarras neocoloniais. Além disso, o governo de Burkina Faso tem investido substancialmente em iniciativas para garantir a segurança alimentar. Em 2025, foi lançado um plano de US$ 981 milhões focado na produção local de alimentos, visando reduzir a dependência de ajuda externa. Esse investimento inclui a distribuição de sementes, fertilizantes e equipamentos agrícolas para os produtores locais, fortalecendo a capacidade do país de atender às suas próprias necessidades alimentares.
Essas ações refletem o compromisso do governo com o bem-estar da população e com o desenvolvimento sustentável do país. O presidente Ibrahim Traoré, reforçou essas políticas em um discurso recente na capital do país, afirmando que um povo só poderá dizer que de fato é independente quando a comida plantada em território nacional consiga alimentar sua própria população.
Essa visão orienta as políticas implementadas que buscam não apenas resolver crises imediatas, mas também estabelecer as bases para um futuro próspero e autossuficiente para Burkina Faso, se desligando das amarras neocoloniais de muitas formas. Além de medidas práticas, o governo também demonstrou preocupação em nortear essa nova “independência” por um prisma simbólico. Recentemente, no dia 8 de setembro, Traoré retirou o francês das línguas oficiais do país aderindo formalmente a 4 idiomas locais, demonstrando que a preocupação, com o que o próprio chama de “retomada da honra”, não advém apenas do campo prático.