Em setembro, na Bienal Internacional do Livro, a escritora Bruna Vieira participou de uma mesa sobre a adaptação do seu livro “De Volta aos Quinze” para a série homônima da Netflix. Ao lado da atriz Nila, dos roteiristas Vitor Brandt e Gautier Lee, da produtora Carolina Alckmin e de sua agente literária Alessandra Ruiz, Bruna compartilhou a experiência de ter sua obra adaptada e contou como foi ajudar no processo criativo da série.
O livro “De Volta aos Quinze” foi lançado em 2014, coincidentemente durante uma Bienal do Livro, no Rio de Janeiro. Na época, a obra fez sucesso e surgiu com a proposta de ser uma trilogia, que logo ganhou a continuação “De Volta Aos Sonhos”. A premissa é a mesma da série: a protagonista Anita descobre uma forma de voltar no tempo e começa a mudar alguns detalhes do passado, que afetam diretamente sua vida adulta. Apesar do enredo semelhante, a série acaba seguindo um caminho diferente do livro e Bruna disse estar confortável com isso.
“Algumas coisas, na tela, a gente sentiu que fluiu melhor de outra maneira”, contou Vitor Brandt, um dos roteiristas da série. Até mesmo a escolha dos casais foi afetada pela aceitação do público, fator decisivo para decidir quem seria o casal endgame nas telinhas.
Dez anos se passaram e o fim da história nos livros nunca aconteceu. O terceiro livro não saiu e Bruna contou que não estava preparada para fechar o ciclo, ainda mais considerando que, na época que publicou os dois primeiros, ela tinha apenas 18 anos e não possuía vivências o suficiente para colocar as experiências da Anita de 30 anos, como contou. Na série, a primeira temporada estreou em 2022.
A produtora Carolina Alckmin contou que escolheu o livro para a adaptação na TV por sua autenticidade, mas principalmente por causa da personagem principal, Anita, que consegue se conectar ao público por se abrir com o leitor/telespectador. Com diferenças na construção de personagens e no final da narrativa, a série “De Volta Aos Quinze” conseguiu unir as antigas leitoras da Bruna Vieira com a nova geração.
Em entrevista ao UOL, a escritora falou sobre a produção da sequência que fechará a trilogia no universo literário e o que espera com o trabalho. “O foco da história é a nostalgia, é conversar com o nosso eu adolescente, entender o que precisa de atenção e mais cuidado", afirmou a autora. Ela também contou que vai abordar temas que possuem mais discussão e relevância nos dias atuais, como diversidade e saúde mental, assuntos mais explorados na série.
Representatividade
Durante a Bienal, em que a AGEMT esteve presente, a diversidade foi um dos focos que chamou a atenção na adaptação para a Netflix. No evento, Gautier Lee, roteirista da série, falou sobre a adaptação para as telas e abordou a representatividade LGBTQIAP+: “É muito gostoso [fazer parte desse trabalho], porque eu estou na série desde a segunda temporada. Quando eu chego no set de filmagem, tenho como diretora assistente e contato pessoal/profissional com a Nila (atriz que interpreta a Camila na série) e a Alice, nós somos 3 pessoas trans pensando numa personagem trans juntas e com pontos de vista muito diferentes […] essas tramas não afetam somente a personagem da minoria, mas todos os personagens”.
César é um adolescente que se descobre Camila, uma garota e, posteriormente, mulher trans. Nila interpreta o início da transição da personagem e Alice Marcone vive a Camila na fase adulta. As duas contaram as dores e as delícias do crescimento de um adolescente trans que se torna uma escritora de sucesso na vida adulta.
A atriz Nila iniciou sua transição em paralelo com as filmagens da série. Disse: “Meu material de trabalho é quem eu sou. Todas as experiências que eu tenho de vida, tudo o que é atravessado pelo meu emocional e pelo meu corpo, serve, mais tarde, como meu arsenal de trabalho”.
“2020 foi o ano em que eu passei a ter mais contato com pessoas trans e a série desaguou justamente no momento em que eu estava decidida a cruzar certas linhas de todo o processo. Então, desde a primeira temporada em que a gente começou a debater e construir essa personagem, pra mim era muito importante criar uma personagem que não fosse resumida a narrativa de ser uma pessoa trans”, completou.
Ela disse também sobre o público estar interessado por novas narrativas, e que considera a série um projeto pioneiro: “Temos muitos filmes que exemplificam esse conflito de gênero, mas, em sua maioria, em lugar de tragédia, autodepreciação e rejeição. Nesse projeto, não deixamos de falar sobre as coisas ruins do processo, mas vemos esse personagem se fortalecendo em meio às dificuldades”.
Para Gautier, o projeto é uma série que conforta e se torna importante para a adolescência de pessoas queer, que terão personagens como estes como meio de representação. Segundo a roteirista, quando existem pessoas queer em posição de decisão, fica mais palpável levar a representatividade para o projeto.
Bruna Vieira complementou, também durante o evento, que ao trazerem esse temas para dentro de casa através da série, é possível abordar assuntos sérios de uma forma muito mais leve.
“Eu ouvia da direção que a ideia inicial é que o César fosse um personagem muito bem resolvido, e essa é uma má concepção de todo personagem LGBT. Na verdade, essa personagem está completamente deslocada e cria toda uma atmosfera para caber dentro, porque está tentando ficar confortável consigo mesma”, disse.
“Ouço muitas pessoas dizendo que em 2006 (período em que se passa a fase inicial da trama), as coisas não eram assim. De fato! As coisas eram piores. Precisamos criar novos imaginários para isso. Temos a chance de remodelar o que vivemos para criar uma perspectiva de futuro mais interessante. Voltamos no passado para recriar uma nova narrativa de futuro. Essa é a ideia da criação de projeto na atualidade: a série está sendo exibida em qual ano, para quais pessoas e com quais perspectivas?” finaliza Nila, à AGEMT.
“De volta pra Mim” ainda não tem data de lançamento, mas fará o fechamento da história, com a maturidade dos 30 anos que a autora possui agora. A previsão é que as vendas se iniciem em dezembro. “Agora que eu tenho 30 anos, eu estou pronta para criar a “Anita 30” ou, pelo menos, amadurecer algumas questões que, na época, eram pura projeção da minha cabeça.[...] Nesse livro tem uma Anitta mais madura, mas que precisa se curar. O livro é dedicado a meninas que cresceram comigo e agora estão chegando nos 30 junto comigo!”, revelou, por fim, a autora.