Por Amanda Campos
A Cop 30 é um evento global que reúne líderes mundiais para discutir ações contra a crise climática, mas o Brasil enfrenta um dilema: enquanto o mundo olha para o País como um player chave nas negociações, a realidade interna revela uma nação já castigada pelos efeitos devastadores do aquecimento global. Tornado que devasta cidade, enchentes que destroem municípios inteiros, queimadas que devoram florestas e ondas de calor que esgotam até os mais resilientes no semiárido não são mais previsões distantes — são tragédias diárias que afetam milhões de vidas, forçando famílias a reconstruírem suas rotinas em meio ao caos e ao medo. A COP30 poderia ser uma chance de o Brasil liderar mudanças reais, mas o histórico de conferências passadas, como o Acordo de Paris, que ficou aquém das promessas, gera ceticismo. Muitos países, em vez de avançarem, recuaram em seus compromissos, deixando os nações do Sul Global, como o Brasil, pagando o preço mais alto por uma crise que não criaram.
Para ilustrar essa dor humana, basta olhar para as enchentes devastadoras que atingiram o Rio Grande do Sul em 2024. Famílias inteiras acordaram com a água invadindo suas casas, carregando móveis, lembranças e sonhos de uma vida estável. Pessoas que perderam tudo o que tinha construído em décadas, ou jovens pais que nadaram para salvar seus filhos das correntezas impiedosas, testemunharam a impotência diante de uma natureza furiosa. Essas enchentes não foram apenas um desastre natural; foram o resultado de anos de negligência, de cidades crescendo sem planejamento adequado, de rios poluídos e de governos que ignoraram alertas científicos. Milhões de pessoas sofreram, com comunidades inteiras desalojadas, economias locais destruídas e cicatrizes emocionais que marcarão gerações. É nessas histórias pessoais, de perda e resiliência, que vemos o verdadeiro custo da crise climática, a angústia de quem viu sua casa virar lama e sua esperança afundar nas águas.
Essa urgência climática no Brasil é sentida na pele de quem vive aqui, mas as respostas governamentais têm sido insuficiente e desigual. A ciência brasileira oferece ferramentas valiosas, como satélites que rastreiam queimadas e tecnologias que ajudam a prever chuvas extremas, mas grande parte desses esforços se concentra na proteção da agricultura, deixando a população comum exposta aos riscos. Em vez de transformar conhecimento em ações preventivas, o sistema muitas vezes reage apenas às catástrofes, com custos altos e resultados lentos. Guilherme Kiraly, internacionalista e especialista em ciência, tecnologia e inovação pela Universidade Federal da Bahia, vê nessa crise não apenas um fenômeno natural, mas o resultado direto de escolhas políticas e econômicas que exploraram recursos sem considerar o impacto nas pessoas. Ele argumenta que o que vivemos hoje é fruto de decisões que priorizaram o lucro imediato sobre a sobrevivência coletiva, deixando comunidades inteiras à mercê de desastres evitáveis.
O Brasil participa de acordos internacionais sobre clima, mas a lacuna entre o que é prometido e o que acontece na prática é enorme. Muitos tratados ficam no papel, sem metas claras, orçamentos definidos ou benefícios reais para quem mais sofre. O país monitora o clima há décadas, mas depende de soluções importadas, adaptando equipamentos estrangeiros em vez de investir em inovações próprias. Guilherme critica essa dependência, dizendo que ela torna o sistema caro e ineficaz, focado em respostas emergenciais em vez de prevenção. Tecnologias como barragens de contenção ou softwares de previsão existem, mas não impedem que famílias sejam desalojadas por enchentes ou que florestas sejam consumidas pelo fogo. O que falta, segundo ele, são políticas públicas que transformem a ciência em proteção concreta para as pessoas, não apenas para os negócios.
Há alternativas promissoras que poderiam aliviar os impactos, mas elas são ignoradas em favor do agronegócio. Parques alagáveis em cidades como Curitiba e São Paulo, por exemplo, ajudam a conter enchentes, enquanto experiências de agrofloresta recuperam terras degradadas. Guilherme destaca que, além da tecnologia, há lições valiosas nos saberes tradicionais de povos indígenas e comunidades do semiárido, que convivem com secas há séculos adaptando-se à natureza em vez de combatê-la. Integrar essa sabedoria à ciência moderna poderia criar caminhos mais sustentáveis e humanos, respeitando a vida das pessoas e dos ecossistemas. Mas o maior obstáculo permanece: acordos internacionais frágeis, sem cronogramas, metas ou financiamentos garantidos, fazem com que projetos acabem parados na fase inicial. A cooperação entre países, que poderia gerar soluções compartilhadas, se resume a declarações vazias.
Essa fragilidade reflete uma contradição dolorosa no Brasil: enquanto os impactos climáticos se aceleram, as respostas políticas andam em ritmo de tartaruga. O País acumula tratados assinados, mas poucos projetos efetivos, revelando uma falta de compromisso real. Ainda assim, há sinais de esperança. Universidades, organizações da sociedade civil e movimentos sociais estão pressionando por mudanças, mostrando que soluções locais podem ser rápidas e eficazes, mesmo quando fóruns globais falham. Comunidades indígenas, por exemplo, demonstram que estratégias coletivas de organização e solidariedade podem enfrentar desafios compartilhados de forma duradoura, independentemente de fronteiras. Guilherme observa que esses povos cooperam entre si há séculos, provando que é possível lidar com problemas comuns em rede, algo que os Estados deveriam aprender, em vez de competir ou ignorar.
O desafio é garantir que países como o Brasil tenham voz nas negociações, para que as decisões globais considerem as necessidades dos mais afetados. O futuro diante da crise climática exige uma mudança profunda de perspectiva: não apenas reagir a desastres ou cumprir acordos superficiais, mas construir uma cultura de prevenção e harmonia com a natureza. É preciso integrar ciência, tecnologia e saberes tradicionais para valorizar soluções locais que respeitem as comunidades e os ecossistemas. Enquanto o aquecimento global avança sem piedade, o Brasil e o mundo enfrentam uma escolha crítica: continuar apagando incêndios ou criar, de forma colaborativa e estratégica, defesas que protejam vidas e recursos naturais antes que seja tarde demais.